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Estudo revela 10 mil registros de antigas comunidades indígenas escondidas sob a floresta amazônica
Obras de terra identificadas na paisagem amazônica Foto: Diego Lourenço Gurgel
A floresta amazônica pode abrigar mais de 10 mil registros de obras pré-colombianas, construídas antes da chegada dos europeus. É o que revela um novo estudo publicado nesta sexta-feira (6) na revista Science. A pesquisa combina tecnologia de ponta em monitoramento remoto com dados arqueológicos e modelagem estatística avançada para calcular a quantidade de ocupações que ainda podem estar escondidas debaixo do dossel da floresta amazônica e apontar os locais onde essas estruturas podem ser encontradas. Conhecidas como “obras de terra”, essas estruturas antecedem a chegada dos europeus ao continente.
O estudo liderado pelos pesquisadores Luiz Aragão e Vinicius Peripato, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), identificou 24 novos registros arqueológicos por meio de uma tecnologia avançada de mapeamento remoto, utilizando um laser embarcado em avião, conhecido como LiDAR (Light Detection and Ranging). O sensor permitiu reconstruir os elementos da superfície em um modelo 3D com alto nível de detalhamento.
A partir dos modelos 3D, foi possível remover digitalmente toda a vegetação e iniciar a investigação arqueológica do terreno sob a floresta. “Investigamos um total de 0,08% da Amazônia e encontramos 24 estruturas, jamais catalogadas, nos estados do Mato Grosso, Acre, Amapá, Amazonas e Pará”, explicou Vinicius Peripato.
Usando todos os 961 registros de obras de terra encontrados até agora, a equipe também apontou a quantidade de estruturas que ainda podem ser encontradas, demonstrando que dezenas de espécies de árvores estão relacionadas a essas ocupações que remontam a um período entre 1.500 a 500 anos atrás.
“O estudo indica que a floresta amazônica pode não ser tão intocada quanto muitos pensam, já que quando buscamos uma melhor compreensão da extensão da ocupação humana pré-colombiana na região nos surpreendemos com a grande quantidade de sítios ainda desconhecidos pela ciência”, afirmou Peripato.
"Tempos atrás, os ecólogos viam a Amazônia como a grande floresta intocada, mas agora, combinando outros tipos de vestígios pré-colombianos, podemos perceber como muitos locais que hoje sustentam uma densa floresta já foram submetidos a extensas obras de engenharia e ao cultivo e domesticação de plantas pelas sociedades pré-colombianas. Esses povos dominavam técnicas sofisticadas de manejo da terra e das plantas, em certos casos, ainda presentes nos conhecimentos e práticas dos povos atuais que podem inspirar novas formas de conviver com a floresta sem a necessidade de destruí-la", acrescentou a pesquisadora Carolina Levis, da Universidade Federal de Santa Catarina.
Ocupação ancestral
O chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe, Luiz Aragão, destacou o avanço científico e tecnológico promovido pela pesquisa. “O estudo avança o conhecimento em três grandes áreas: na própria arqueologia, por meio de novas descobertas; nas ciências ambientais, demonstrando o nível de interferência humana na região, o que pode ter implicações para seu funcionamento atual e como modelamos o seu futuro; e finalmente na área de computação aplicada, que possibilitou a análise dos milhões de pontos presentes nos dados LIDAR e na modelagem estatística da distribuição das feições estudadas”, explicou.
Até agora, as obras de terra eram comumente encontradas por meio de imagens do Google Earth. No entanto, devido à extensão da floresta amazônica e às dificuldades de estudar áreas remotas, a pesquisa lança previsões testáveis sobre locais pouco conhecidos da Amazônia, onde novos trabalhos de campo provavelmente descobrirão sítios arqueológicos de dimensões monumentais e ainda bem preservados dentro da floresta.
“A pesquisa traz inúmeras evidências da ocupação ancestral da floresta amazônica por povos originários, de suas formas de vida e da relação estabelecida por eles com a floresta. A proteção de seus territórios, línguas, culturas e heranças deve ser compreendida como milenar, como são, e não ligada a uma data, que é tão recente”, ressaltou Luiz Aragão.
O estudo publicado na revista Science foi assinado por uma equipe composta por 230 pesquisadores de 156 instituições localizadas em 24 países de quatro continentes.