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MCTI capta U$ 7 milhões para fortalecer soberania de indígenas e comunidades tradicionais na conservação da biodiversidade
Foto: Rodrigo Cabral
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por meio da Coordenação-Geral de Ecossistemas e Biodiversidade (CGBE), captou US$ 7 milhões, algo em torno de R$ 30 milhões, do Fundo Global do Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês) para desenvolver projeto voltado ao fortalecimento da capacidade dos povos indígenas e comunidades tradicionais na gestão da biodiversidade. A expectativa é conseguir gerar e sistematizar dados e informações sobre biodiversidade como estratégia efetiva para proteger os territórios e salvaguardar os conhecimentos tradicionais. O projeto será desenvolvido em parceria com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMA).
“Esta iniciativa é um esforço de valorizar os conhecimentos de povos indígenas e comunidades tradicionais em benefício da conservação da biodiversidade”, explica o responsável pelo projeto no MCTI, Bruno Martinelli. “Não é mais possível discutir mudanças climáticas e biodiversidade sem dialogar com os conhecimentos tradicionais. O interessante é saber como fazer isso”, complementa o engenheiro florestal, abordando o desafio de promover diálogos interculturais, simétricos e respeitosos entre o conhecimento científico e outros sistemas de conhecimento, como os dos povos indígenas e comunidades tradicionais.
O projeto captou recursos do ciclo 8 do GEF e está inserido na área ‘biodiversidade’, que tem por meta alcançar uma ‘biodiversidade de valor global conservada, usada de maneira sustentável e restaurada’.
Após obter a aprovação para o aporte dos recursos internacionais, haverá uma fase de detalhamento do projeto. O MCTI e parceiros têm prazo de até um ano para preparar o documento do projeto, que vai estabelecer aspectos técnicos, orçamentários e arranjos institucionais, incluindo as localidades onde o projeto será implementado. Com a aprovação desse documento pela instituição financiadora, a execução será oficialmente iniciada. A agência implementadora já está definida e será o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
O projeto, que deve se estender até 2027, se concentrará nos biomas Amazônia e Cerrado. Além do MPI e MMA, será conduzido em conjunto com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Outras instituições governamentais, institutos de pesquisa do MCTI e organizações da sociedade civil também deverão ser envolvidos.
“É o primeiro projeto do MCTI com essa dimensão e essa finalidade”, salienta Martinelli. Segundo ele, desde a fase de preparação do documento exigido pelo GEF, as comunidades e povos precisarão ser escutados e consultados. “É um projeto voltado à co-produção de conhecimentos e muito ligado aos territórios. A participação da Funai e do ICMBio, que estão na ponta, também será fundamental para a execução dessa proposta”, afirma.
Biomas, povos e comunidades
Os dados demonstram a importância da participação dos povos indígenas e comunidades locais na conservação da biodiversidade. A Amazônia, bioma que ocupa cerca de 60% do território brasileiro, é considerada o maior polo de concentração de biodiversidade. São mais de 14 mil espécies de plantas e fungos na Amazônia brasileira. No entanto, ainda há muito a ser conhecido, em especial, sobre os microrganismos.
O Cerrado, segundo maior bioma, que ocupa 24% do território brasileiro e o mais ameaçado no momento, tem uma função essencial em contribuir com a preservação das nascentes de água de rios importantes, como o Araguaia e o São Francisco. No entanto, as áreas remanescentes de vegetação natural do bioma estão concentradas em unidades de conservação e terras indígenas.
Nos dois biomas, a diversidade sociocultural também é enorme. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, as terras indígenas no Brasil representam 12,5% do território, correspondendo a cerca de 27% das áreas de floresta. São ao menos 305 grupos étnicos e 274 idiomas indígenas. Dados do censo de 2022 apontam que a população indígena no Brasil hoje é de 1,6 milhão. Isso sem mencionar os dados de povos e comunidades tradicionais, que também são expressivos. No mundo, estima-se que 80% da biodiversidade estejam em territórios indígenas e de comunidades tradicionais.
O projeto do MCTI propõe a criação de estratégias locais para a coleta e compartilhamento de dados da biodiversidade, promoção da gestão integrada, e conservação e sustentabilidade do uso da biodiversidade. As ações também visam fortalecer a participação desses grupos nas tomadas de decisão acerca da conservação da biodiversidade e na gestão ambiental e territorial, além de aspectos ligados à implementação de legislações vigentes no Brasil, como a de acesso aos conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético. Atualmente, informações sobre biodiversidade nessas áreas são geralmente baseadas em imagens de satélite, por exemplo.
A iniciativa também prevê a discussão participativa de lacunas do conhecimento sobre a biodiversidade nesses territórios, evidenciando, por exemplo, espécies mais usadas e as que devem ser conservadas por terem importância nos modos de vida e na subsistência desses povos. Ao propor salvaguardar o conhecimento tradicional, o projeto reconhece e valoriza esses conhecimentos como patrimônio nacional.
SiBBR
O Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr) será utilizado como plataforma para a gestão do conhecimento. De acordo com Bruno Martinelli, a plataforma permite criar novas ferramentas que podem, por exemplo, valorizar as línguas indígenas e suas denominações para espécies e ecossistemas , associar espécies aos territórios e estabelecer controle e restrições para o acesso aos dados e informações por cada povo, de acordo com os protocolos a serem criados conjuntamente.
“Os princípios de atuação do projeto preveem todo um cuidado com os interesses de cada povo ou comunidade. Ainda está em aberto o potencial de uso do SiBBr para auxiliar a gestão da biodiversidade nos territórios. Vai depender da demanda local, do interesse pela apropriação da ferramenta, da decisão em proteger e/ou compartilhar quais dados e como. Dados e informações estão ligados à soberania de cada povo”, ressalta.