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Rede Previr MCTI coletou 7,5 mil amostras de aves e morcegos em busca de vírus com potencial zoonótico no Brasil
Foto: Nayla Nascimento
A Rede Previr MCTI amostrou, até fevereiro de 2023, 7,5 mil aves e morcegos. A Rede formada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) unificou, fortaleceu e ampliou atuação em âmbito nacional da vigilância epidemiológica de patógenos em animais silvestres com potencial zoonótico, ou seja, que podem ser transmitidas para seres humanos. As amostras são provenientes de áreas estratégicas em 14 estados e contemplam os seis biomas presentes no território brasileiro.
“O número é significativo em se tratando de espécies silvestres”, avalia a presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), Helena Lage.
Especialista em vírus da influenza aviária, médica veterinária e professora da Universidade de São Paulo (USP), Helena Lage explica que, antes da RedeVírus, havia uma série de ações pulverizadas e isoladas de monitoramento de animais silvestres. As iniciativas foram agrupadas, fortalecidas e passaram a utilizar os mesmos protocolos. Além disso, a iniciativa permitiu desenvolver um novo módulo no aplicativo do Sistema Brasileiro de Informação da Biodiversidade Brasileira (SiBBr) que registra os dados de coleta das amostras. O módulo contempla informações sobre a identificação das espécies animais, os dados biométricos, condições clínicas, geolocalização, amostras coletadas, para correlacionar as detecções de vírus. Os dados são gerados no formato Darwin Core para a sincronização com o SiBBr, braço da plataforma mundial de Biodiversidade (GBIF) no Brasil.
Desde outubro de 2020, o MCTI investiu R$ 11,4 milhões na Rede Previr. Os recursos são de Ação Transversal do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). A iniciativa brasileira é inédita ao reunir grupos de pesquisa já existentes e especializados em diferentes espécies de aves, morcegos e outros mamíferos. O apoio do MCTI tem permitido ampliar gradualmente a Rede, com a incorporação de novos laboratórios e novos grupos de pesquisa.
Atualmente, a Previr agrega 24 pesquisadores de 16 instituições de pesquisa e universidades, além de outros 27 bolsistas em nível de especialização. As equipes que vão ao campo são multidisciplinares, contando com biólogos, zoólogos, ornitólogos, veterinários, entre outros, e treinadas para amostrar animais silvestres e acondicionar as amostras em condições adequadas para posterior análise. São cinco centros de triagem, responsáveis pelo processamento, caracterização e armazenamento das amostras em biobanco.
A rede de vigilância ativa busca o que é chamado tecnicamente de ‘reservatórios de vírus’, animais que contém o vírus, mas não desenvolvem a doença. O co-coordenador da Rede Previr MCTI, Edison Luiz Durigon, e chefe do Departamento de Microbiologia da USP, explica que o Brasil, com uma das maiores biodiversidades do mundo, tem cerca de 180 espécies de morcegos.
Segundo Durigon, a história demonstra que mais de 70% das doenças emergentes, ou seja, de vírus que causaram epidemias e pandemias, como a Gripe Espanhola e Covid-19, eram provenientes de animais silvestres. Além da história de emergência de patógenos, o atual contexto de desmatamento, aquecimento global e com populações humanas crescendo reforça a necessidade de atenção e vigilância nos reservatórios de animais silvestres.
“Toda vez que o homem entra em um ambiente que não é dele, um ambiente preservado, ele muda a biota e faz com que novos vírus apareçam. Vírus que estavam acostumados a serem transmitidos entre animais silvestres passam a ter o homem como alvo”, afirma o pesquisador sobre a importância para o Brasil ter constituído a Rede Previr.
A Rede trabalha sob o conceito One Health, ou Saúde Única, que reconhece a interconexão entre a saúde humana, animal e ambiental, e destaca a importância da colaboração entre diferentes setores e disciplinas para enfrentar desafios de saúde pública. Outros países, como Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, dispõem de serviço semelhante há décadas.
Números - Apenas em morcegos, foram coletadas 3.671 amostras. Até o momento, foram processadas 1.415 e identificados 146 coronavírus, sendo 12 caracterizados como paramyxovirus, incluindo um vírus pertencente ao mesmo gênero viral do vírus do sarampo. Amostras de outras espécies de mamíferos, como roedores e quatis, foram também estudadas. Em relação às aves, desde 2021, foram coletadas 3.829 amostras de diferentes ordens de aves, como Passeriformes (passarinhos), Strugiformes (corujas), Psittaciformes (papagaios), Anseriformes (gansos, marrecos), Charadriiformes (gaivotas, maçaricos).
A partir de agosto de 2022, com a migração das aves silvestres migratórias para a América do Sul durante o surto causado pelo vírus Influenza aviária de alta patogenicidade (H5N1), na América do Norte, os pesquisadores brasileiros estão em alerta. Nas coletas rotineiras, com periodicidade mensal, passaram a se concentrar na busca ativa desse vírus em aves migratórias, em especial as ordens Charadriiformes e Anseriformes, que são consideradas hospedeiros naturais do patógeno. Nesse período, foram testadas amostras de 667 aves migratórias. Um vírus de influenza aviária de baixa patogenicidade do subtipo H11N2 foi identificado no Rio Grande do Sul. Os dados estão publicados em boletins emitidos pela Rede Previr e publicados neste link .
Os pesquisadores também analisaram o vírus de influenza de baixa patogenicidade do subtipo H6N2 na Antártida, que sugere a transmissão viral entre espécies diferentes na região Subantártica. Além do vírus da influenza aviária, dois vírus da doença de Newcastle, identificados como paramyxovirus provenientes de pombos foram identificados pelo projeto.
“Estamos trabalhando bastante testando as amostras que vem do campo. Até o momento, não tivemos nenhum resultado positivo para alta patogenicidade”, afirma a coordenadora da Rede Previr e professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Clarice Arns.
Previr apoia serviço oficial de vigilância e emergências sanitárias – O trabalho de vigilância ativa foi reconhecido pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) em uma nota técnica conjunta, como uma “estratégia importante para a comprovação da ausência de circulação viral em aves assintomáticas, para a certificação para comércio internacional de produtos e material genético avícola ou para a identificação de circulação de Influenza Aviária de Baixa Patogenicidade (IABP), visando conter sua disseminação e prevenir a evolução para estirpes virais de alta patogenicidade”. Além disso, o texto aponta a vigilância ativa para monitorar a “ocorrência de infecção em aves silvestres migratórias, visando direcionar as ações de mitigação de risco e prevenção da introdução em aves domésticas”.
De acordo com o coordenador-geral de Ciências da Saúde, Biotecnológicas e Agrárias do MCTI, Thiago Moraes, a Rede Previr atua justamente em uma área em que a vigilância agropecuária não atua, que é na vigilância ativa de animais silvestres. “O trabalho da Rede é fundamental para complementar e auxiliar o sistema de vigilância oficial. A vigilância dos animais silvestres, portanto, pode ajudar a detectar a presença do vírus precocemente e informar ações de prevenção e controle em áreas específicas que podem impactar as produções avícolas e a saúde pública”, avalia Moraes.
Os pesquisadores da Rede Previr atuam no Grupo de Trabalho Interministerial, coordenado pelo MAPA, e contribuíram com a elaboração do material informativo sobre prevenção e vigilância sobre a Influenza aviária.
Série ‘Ciência pelo Brasil’ - A primeira reportagem destacou os avanços proporcionados pela rede Corona-Ômica, responsável pela vigilância genômica do vírus que depositou mais de 70 mil genomas no GISAID, tornou-se referência e fomentou outras redes pelo Brasil, treinou profissionais e tem como desafios atuar no sequenciamento genômico de outros vírus e bactérias. A segunda reportagem abordou a estratégia adotada pelo MCTI para pesquisa e desenvolvimento de vacinas e medicamentos antivirais que aproximou a academia da iniciativa privada, um caminho para vencer barreiras na produção nacional de Ingrediente Farmacêuticos Ativos (IFAs).