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Acordo histórico cria mecanismos para cumprimento da meta de incluir 30% do oceano em áreas protegidas até 2030
O tratado sobre a conservação e o uso sustentável da biodiversidade marinha além da jurisdição nacional (BBNJ, na sigla em inglês) ou Tratado do Alto-Mar cria uma estrutura legal que pode ajudar o mundo a alcançar a meta de ter 30% do oceano em áreas protegidas até 2030, objetivo estabelecido na última Conferência das Partes de Biodiversidade da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em dezembro de 2022 em Montreal, no Canadá. O acordo está sob a estrutura jurídica da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
O acordo histórico para proteger a biodiversidade marinha em águas internacionais foi alcançado depois de quase 20 anos de negociações. O texto foi aprovado no sábado (4) na sede da ONU, em Nova York, Estados Unidos. Diplomatas e consultores brasileiros participaram ativamente das negociações. O texto final do acordo será submetido à adoção pelos Estados-membros da ONU, em data a ser definida.
Cada país costeiro administra uma faixa de mar dentro do limite de 200 milhas náuticas (370 km) a partir de sua costa, a chamada Zona Econômica Exclusiva, na qual tem prioridade para usar recursos naturais e é responsável pela gestão ambiental. Como o nome diz, o acordo foca nas águas que estão além da jurisdição nacional, ou seja, que são responsabilidade de todos os países, e propõe mecanismos conjuntos para a conservação da biodiversidade nesta área comum, que corresponde à maior parte do oceano.
“Com o acordo fechado, uma Convenção das Partes [CoP] será criada, similar à que existe para o clima, e a comunidade científica terá papel fundamental nela”, observa Roberto de Pinho, analista em ciência e tecnologia da Coordenação-Geral de Ciências para Oceano e Antártica (CGOA) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Ele destaca que representantes da comunidade científica integraram a delegação brasileira que participou das negociações finais.
A professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Carina Oliveira, integrou o grupo na condição de consultora. Ela foi indicada pelo MCTI por ser especialista em direito do mar. Segundo Carina Oliveira, o Brasil foi central em diversas etapas das negociações desde as primeiras sessões, e coordenou de forma protagonista temas como o acesso e a repartição de benefícios da exploração dos recursos genéticos marinhos. Ela destaca que o Brasil teve protagonismo na construção de pontes entre países em desenvolvimento e desenvolvidos.
“No texto final, os países em desenvolvimento conquistaram bastante espaço, principalmente os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, ilhas do Caribe, Pacífico e Oceano Índico, que devem ser mais afetados pelas mudanças climáticas”, observa Oliveira, que é co-líder do Grupo de Pesquisa em Direito, Recursos Naturais e Sustentabilidade da UnB.
O acordo também converge com os objetivos da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como Década do Oceano, nos aspectos de valorização da cultura oceânica, por meio dos saberes e da relação da sociedade com o mar, e da valorização do conhecimento dos povos ancestrais. “Houve um esforço por equilíbrio entre a valorização do conhecimento científico formal e o das comunidades tradicionais”, afirma a pesquisadora da UnB.
“Com a possibilidade de que o acordo facilite a meta de 30% de área oceânica preservada, podemos ter um oceano mais saudável e resiliente, um dos objetivos da Década do Oceano”, destaca o biólogo Ronaldo Christofoletti, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro do Comitê de Assessoramento da Década do Oceano, que no Brasil é coordenada pelo MCTI.
Referência para unificar legislação nacional – Para o biólogo, o aumento de áreas protegidas pode trazer impactos em diversos níveis, incluindo as mudanças climáticas. “Garantir um oceano mais resiliente e saudável ajuda a frear os impactos climáticos extremos, como o que vimos recentemente no litoral de São Paulo. Eles [os fenômenos extremos] também são resultado da ação do oceano, que estava dois graus celsius acima da média para o período”, explica Christofoletti. “O oceano é a força para mudar isso. Se estiver saudável, menos aquecido, esses impactos podem ser atenuados”, alerta.
Com papel cada vez mais relevante na agenda climática, o oceano tem sido uma pauta prioritária para o MCTI. Confira sobre as ações e investimentos aqui.
Christofoletti observa que o modelo de negociação do Tratado de Alto-Mar pode servir de referência para o Brasil caminhar e unificar sua própria legislação marinha. “Temos o projeto da Lei do Mar [6969/2013] que precisa ser votado na Câmara dos Deputados e está parado há dez anos”, menciona.
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Para se aprofundar sobre as negociações, confira o artigo publicado por Carina Oliveira e colegas “Crônica a respeito das negociações do futuro Tratado sobre a conservação e o uso sustentável da biodiversidade marinha além da jurisdição (BBNJ): destaques da 5ª ICG e desafios para a sua conclusão” na Revista de Direito Internacional.[1] [2]