Notícias
Estudo aponta que os linfócitos T independem dos anticorpos neutralizantes para conferir proteção contra variantes de preocupação causadores da Covid-19
Um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros demonstrou que os linfócitos ‘T’, considerados a ‘memória’ do sistema imunológico, são os responsáveis por proteger o organismo contra as variantes de preocupação Gamma e Omicron do vírus SARS-CoV-2. O artigo “Differential requirement of neutralizing antibodies and T cells on protective immunity to SARS-CoV-2 variants of concern”, assinado por 17 cientistas, foi publicado neste mês (13/2) na revista internacional NPJ-Vaccines, do grupo Springer Nature, a de mais alto impacto entre os periódicos especializados em vacinas. A pesquisa contou com financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por meio da RedeVírus, e apoio de outras instituições.
Segundo os pesquisadores, hoje é bem aceito que as vacinas anti-Covid-19 da primeira geração, elaboradas com a proteína S (spike) do isolado Wuhan (ou ancestral) induzem baixos níveis de anticorpos neutralizantes contra as variantes de preocupação. No entanto, eles destacam que é também sabido que essas vacinas protegem contra as formas graves da Covid-19.
A pesquisa comparou a resposta dos anticorpos neutralizantes e dos linfócitos T em relação às variantes de preocupação do vírus SARS-CoV-2, que são aquelas que podem apresentar escape vacinal. Os pesquisadores utilizaram modelos pré-clínicos para casos graves e moderados da doença para avaliar a eficiência das vacinas baseadas em DNA que codificam a proteína S do vírus no combate às cepas ancestral (Wuhan), Delta, Gamma e Omicron.
A imunização realizada pelos pesquisadores em animais de laboratório induziu níveis significativos de anticorpos neutralizantes para combater as cepas de Wuhan e Delta. O teste com as variantes Gamma e Omicron não alcançou o mesmo patamar. No entanto, os pesquisadores observaram que, mesmo havendo essa diferença de indução de anticorpos, os animais apresentaram proteção para todas as variantes de preocupação do vírus testadas. As análises concluíram que quando os anticorpos neutralizantes deixaram de ser efetivos - pois os níveis são muito baixos -, a doença e a letalidade foram controladas pelos linfócitos T, que são considerados a ‘memória’ do sistema imunológico.
“Isso indica que a resposta que está controlando as infecções é diferente. No caso das vacinas de primeira geração, os anticorpos neutralizantes são extremamente importantes. Mas para as variantes mais recentes, quem controla a infecção é o linfócito T”, explica o pesquisador do Centro de Tecnologia em Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais, Ricardo Gazzinelli, sobre o experimento. “O ponto principal é que quando se usa as vacinas de primeira geração, que foram produzidas com a cepa de Wuhan, o anticorpo produzido é incapaz de bloquear a entrada do vírus [da variante Ômicron] na célula”, complementa Gazzinelli.
O artigo destaca que a vacina de DNA, que se mostrou efetiva na proteção ao Covid-19, possui algumas vantagens práticas, frente ao alto custo e baixa estabilidade das vacinas de mRNA, adenovírus, e de vírus inativado. É válido destacar que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda há países em que apenas 20% da população recebeu pelo menos uma dose da vacina. Isso indica que há um contingente mundial significativo a ser imunizado.
O artigo indica que é possível que a proteção contra doença grave durante seis meses entre os vacinados é mediada por linfócitos T. E ressalta que mRNA, adenovírus e vacinas baseadas em proteínas recombinantes induzem resposta de linfócitos CD4+ assim como de linfócitos T CD8+ que reconhecem e matam as células infectadas com os variantes de preocupação, incluindo a Ômicron. Mas que neste caso, a proteção não é tão eficiente, quando comparada com uma resposta protetora mediada por altos níveis de anticorpos neutralizantes.
O texto do artigo expressa que a descoberta dos pesquisadores brasileiros reforçaram a hipótese de que as células T são críticas para o controle do vírus durante a infecção pela variante Omicron, pois uma menor carga viral foi observada mesmo em camundongos deficientes de linfócitos B imunizados, e portanto na ausência de anticorpos neutralizantes. O texto descreve ainda que embora as células T não possam prevenir a infecção, a imunidade conferida por essas células é essencial para limitar a replicação e disseminação do vírus para o baixo trato respiratório e prevenir doenças graves.
O trabalho desenvolvido pelos cientistas brasileiros contribui com o debate global sobre como devem ser os futuros imunizantes contra a Covid-19. Segundo Gazzinelli, parte das discussões estão direcionadas para o desenvolvimento de imunizantes que contenham a proteína S de diferentes variantes do vírus com a expectativa de que consigam atuar contra as variantes que possam surgir.
“Há uma grande discussão se o caminho da vacina bivalente é ter múltiplas proteínas, como a spike do vírus de Wuhan e da Ômicron. Mas o nível de anticorpos contra a Ômicron não está tão alto quanto se esperava. A outra opção, é induzir uma resposta robusta dos linfócitos T contra o coronavírus. Isso talvez permita ter uma vacina de amplo espectro”, afirma Gazzinelli.
A detecção de que os linfócitos T foram os responsáveis pela proteção, sugere que uma vacina mais eficaz contra a covid-19 precisa ser diferente. “O grande desafio é gerar uma vacina que além de gerar anticorpos, também gera uma boa resposta de celular e por consequência atinja imunidade mais duradoura”, explica o coordenador-Geral de Ciências da Saúde, Biotecnológicas e Agrárias do MCTI, Thiago Moraes. A coordenação exerce a secretaria executiva da RedeVírus MCTI.
O artigo ainda sugere uma nova plataforma para desenvolvimento de vacinas que possa ser rapidamente adaptada para combater possíveis novos patógenos emergentes e reemergentes. Os DNAs plasmidiais são vistos pelos pesquisadores como uma plataforma promissora para serem usados como reforços em ondas de transmissão com novas variantes de preocupação da Covid-19. Além disso, as vacinas de DNA são de baixo custo e fáceis de serem produzidas em escala industrial e apresentam também alta estabilidade, o que facilita a distribuição em países com infraestrutura limitada para distribuição de vacinas refrigeradas e congeladas.