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Pesquisadores brasileiros testam novo antiviral que atenua inflamação causada pela Covid-19
Pesquisadores brasileiros publicaram neste mês (13/1) na revista científica internacional
Nature
os primeiros resultados pré-clínicos do teste de um novo antiviral que combate a inflamação causada pelo vírus Sars-CoV-2. O artigo “
Preclinical development of kinetin as a safe error-prone SARS-CoV-2 antiviral able to attenuate virus-induced inflammation
” é assinado por 35 pesquisadores de diferentes instituições brasileiras. O material sintetiza mais de mil páginas que compõem o Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamento submetido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) solicitando autorização para o início dos testes clínicos em humanos.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), investiu mais de R$7,5 milhões no projeto. A Embrapii também apoia o projeto. O projeto é desenvolvido no âmbito da
RedeVírus MCTI
.
A pró-droga em teste, chamada MB-905, é resultado do projeto “
Desenvolvimento de uma nova geração de nucletídeos/nucleosídeos para o tratamento da Covid-19
”, executado em conjunto pela empresa Microbiológica, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde, e pelo Centro de Inovação e Ensaios Pré-clínicos (CIEnP). Pró-droga é como é chamado um fármaco administrado de forma inativada, ou seja, o medicamento é ativado após biotransformação, pelo metabolismo do organismo.
De acordo com o coordenador-geral de Ciências da Saúde, Agrárias e Biotecnológicas do MCTI, Thiago Moraes, atualmente há várias vacinas que visam a prevenção da infecção por Covid-19. No entanto, no campo dos antivirais específicos para o combate à doença, ainda há poucas opções e com ações limitadas.
“As tentativas de reposicionamento de medicamentos já aprovados não foram bem-sucedidas, e as novas variantes do vírus estão desafiando de forma sistemática todas as vacinas e os anticorpos monoclonais. Por isso, um antiviral de ação direta contra o Sars-CoV-2 representa uma necessidade médica urgente”, avalia Moraes. O coordenador destaca que doenças virais emergentes e de incidência são cada vez mais frequentes, indicando a necessidade de desenvolvimento contínuo de medicamentos antivirais com alvos claramente definidos para conter as doenças.
Como age o antiviral
- O artigo publicado pela
Nature
descreve o processo de desenvolvimento sintético, que aborda estabilidade e composição química, entre outros aspectos, do primeiro composto ativo (IFA). O artigo ainda demonstra a capacidade do composto em inibir a RNA polimerase do vírus da Sars-CoV-2, in vitro como em animais de laboratório. Ao inibir essa enzima, o candidato a medicamento evita que a proteína do vírus se replique. O texto também detalha os mecanismos moleculares envolvidos nas ações anti-Covid-19 do MB-905, e o desenvolvimento pré-clínico in vitro e
in vivo
conduzidos de acordo com as exigências internacionais preconizadas pela
Food and Drug Administration
(FDA) e pela Anvisa relativos aos estudos de segurança (toxicologia), farmacocinética, farmacologia de segurança, genotoxicidade, metabolismo entre outros aspectos.
“O MB-905 mostrou-se bastante seguro nos estudos realizados em animais, não foi mutagênico, nem cardiotóxico, além de ser muito bem absorvido pela via oral conforme demonstrado nos estudos de farmacocinética”, afirma o pesquisador João Calixto, líder dos testes pré-clínicos no CIEnP que avaliaram a segurança do medicamento. A farmacocinética estuda os caminhos percorridos pelo medicamento e o impacto causado no organismo. Os testes
in vitro
demonstraram que a nova molécula conseguiu inibir a replicação do vírus Sars-CoV-2 em células hepáticas e pulmonares. Os testes com animais de laboratório demonstraram declínio da replicação viral, necrose, hemorragia e inflamação pulmonar. Além de inibir a replicação do vírus, os testes pré-clínicos indicaram que a pró-droga apresentou efeito antiinflamatório adicional.
Pesquisa genuinamente brasileira
- O desenvolvimento do antiviral é uma oportunidade de contribuir significativamente com uma resposta fundamentada em ciência na fronteira do conhecimento para combate à covid-19 e também de outras doenças. A molécula sintetizada pode ser adaptada para atender ao tratamento de outras doenças, como dengue e chikungunya.
O projeto, iniciado em julho de 2020, sintetizou cerca de 250 moléculas, muitas inéditas. A avaliação permitiu selecionar 12 com potencial para atividade
in vitro
e absorção oral no combate à covid-19. Destas, a MB-905 conseguiu avançar para os testes pré-clínicos. O projeto já possibilitou o depósito de duas patentes, no Brasil e no exterior.
“Esse processo só foi possível porque houve investimento nos institutos de pesquisa brasileiros”, afirma Calixto, referindo-se ao aporte financeiro feito pelo MCTI neste projeto e no desenvolvimento de vacinas. Segundo o pesquisador, o avanço deste projeto traz esperança à área de produção de fármacos nacionais, que tem elevada dependência de importação e de desenvolvimento internacional. “Em geral, demora-se seis anos e conseguiu-se em cerca de três anos [desenvolver o medicamento]”, relata Calixto sobre a velocidade inédita. Ele acredita no trabalho conjunto entre empresas e centros de pesquisa para avançar no desenvolvimento de novos fármacos no Brasil.
Os próximos passos envolvem o processo de escalonamento na fabricação do insumo, sob boas práticas de fabricação no Brasil para que possam ser realizados os testes clínicos.