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Laboratório brasileiro vai monitorar a recuperação da camada de ozônio no centro da Antártica
O laboratório remoto brasileiro Criosfera 1 vai monitorar a recuperação da camada de ozônio no centro da Antártica. Os novos sensores para captar raios ultravioletas UVA e UVB instalados incrementaram a capacidade do módulo que, neste mês, completou mais de uma década de envio ininterrupto de dados ambientais do continente gelado para o Brasil. Os equipamentos também estão mensurando o ozônio de superfície no centro do continente antártico. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) investiu R$3,5 milhões na expedição de 36 dias que também abrangeu a instalação do módulo Criosfera 2 e pesquisas com testemunhos de gelo.
“Vamos passar por uma fase de futura recuperação [da camada de ozônio], então vamos monitorar como estão os níveis de ultravioleta”, estima o coordenador científico da estação e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Heitor Evangelista da Silva.
O buraco na camada de ozônio localizada na estratosfera permite um fluxo maior de raios ultravioletas. O nível de raios ultravioletas impactam a biota marinha e o plâncton, entre outros. No início deste ano, relatório da ONU apontou que a camada está em processo de recuperação, mas nos polos esse processo deve ser mais lento, projetando para 2066 a recuperação na Antártica.
O Criosfera 1 está instalado em uma região inóspita do planeta, sobre o manto de gelo, a cerca de 600 km do Polo Sul Geográfico ou 2,5 mil km ao sul da Estação Antártica Comandante Ferraz. As informações coletadas 24 horas por dia ao longo de 365 dias por ano e enviadas a cada 10 minutos pelo módulo auxiliaram a comunidade científica brasileira e internacional a compreender melhor o papel da Antártica no contexto das mudanças climáticas.
Além de Evangelista, outros dois pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) permaneceram acampados nas proximidades do módulo para executar a manutenção do módulo. Houve troca de turbinas e baterias, e levantamento da estrutura, para que ficasse mais distante da neve. “É um ano particularmente importante para nós porque estamos celebrando dez anos de transmissão ininterrupta de dados do Criosfera 1. Nós fizemos a transmissão em tempo real do centro da Antártica. Isso é muito importante. Poucas estações de pesquisa fazem isso”, explica Evangelista.
Com a experiência de mais de 30 anos de pesquisas na região, o cientista afirma que são grandes os desafios para conseguir enviar os dados a partir de uma região inóspita, na Antártica central, de modo automatizado e em tempo real. Para ter ideia, a logística para atingir o local é bastante complexa. Após o pouso no acampamento base, os pesquisadores embarcam em outro avião equipado com esquis no lugar de rodas, o que permite aterrissar próximo do Criosfera 1. Se não houvesse a alternativa aérea, seriam cinco dias de deslocamento terrestre sobre o manto de gelo em um trator polar.
A responsabilidade brasileira com o funcionamento pleno do módulo, com instrumentação calibrada e manutenção da confiabilidade de funcionamento é grande. O Criosfera 1 está registrado oficialmente na Rede Mundial Meteorológica, reforçando a qualidade dos dados gerados.
Segundo Silva, o esforço é relevante pois a estação científica, por ser automatizada, apresenta vantagens tecnológicas que permitem acompanhar fenômenos e processos online, além de ser sustentável e de baixo custo operacional.. De acordo com o professor, o Criosfera 1 foi um dos primeiros laboratórios do mundo a detectar a alteração de pressão atmosférica causada pela erupção do vulcão submarino em Tonga, no Pacífico, em 2022, que desencadeou uma onda de choque atmosférica. “Detectamos a maior onda de calor no setor oeste da Antártica”, recorda Silva indicando que provavelmente pode ter sido a maior já detectada. O trabalho feito pelos brasileiros foi apresentado no ano passado para a comunidade científica internacional durante a reunião do Comitê Científico de Pesquisa Antártica (SCAR, na sigla em inglês). “Isso nos coloca em um patamar diferenciado”, destaca.
Silva destaca que além dos dados meteorológicos, o Criosfera 1 envia informações sobre radiação solar e precipitação de neve. Os dados são transmitidos via satélite a cada dez minutos ao longo do verão e do rigoroso inverno. A base de dados está integralmente disponível, por meio de dados abertos, para a comunidade científica nacional e também internacional, em locais como o British Antarctic Survey e o Pangaea, o maior repositório de dados climáticos do mundo. “É uma contribuição muito boa para o monitoramento de uma região crítica do ponto de vista das mudanças climáticas”, afirma Silva.
O módulo também está equipado para monitorar queimadas no Hemisfério Sul. Instalados em 2019, a expedição deste ano testou os resultados obtidos pelos equipamentos e concluiu que eles detectaram, por exemplo, partículas provenientes das queimadas que ocorreram na Austrália, entre 2019 e 2020, uma das maiores já observadas no Hemisfério Sul.
“Além da relevância científica dos dados coletados pelo módulo e a influência direta no território nacional, as atividades de pesquisa na Antártica garantem ao Brasil posição permanente e ativa no Tratado da Antártica e assim, o direito de decidir o futuro do continente antártico. O MCTI mantém o compromisso de gerir essas ações”, ressalta a coordenadora de Mar e Antártica do MCTI, Andréa Cruz.
Eventos extremos mais frequentes no hemisfério Sul - De acordo com o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Francisco Aquino, o monitoramento ambiental propiciado ao longo da última década pelo Criosfera 1 foi fundamental para que a comunidade científica melhorasse a compreensão do papel da Antártica nos fenômenos climáticos globais, mas com atenção especial ao Hemisfério Sul no contexto das mudanças climáticas. Os dados do módulo estão auxiliando a elucidar os fenômenos extremos que têm ocorrido no Atlântico Sul e na América do Sul, e a compreender a conexão da mudança climática entre trópicos e polos, como o corredor entre Amazônia-Bacia do Prata-Antártica. Ao mencionar extremos climáticos, o pesquisador refere-se à formação de frentes frias polares, de massas de ar quente, de ciclones, microexplosões, entre outros, que estão se tornando mais frequentes, e incrementando a intensidade, com grande potencial de impacto e geração de danos.
“Por ser o maior manto de gelo de Terra, a Antártica sempre vai rivalizar com um planeta mais quente. Isso significa que vai haver anomalias na circulação geral da atmosfera e produzir eventos meteorológicos extremos”, explica Aquino.
O geógrafo relata que diferentes eventos extremos tem sido registrados na última década na região Sul do Brasil, como uma microexplosão que ocorreu em 2016 em Porto Alegre. Nesse ano, em que foi registrado o fenômeno El Niño mais intenso, uma nuvem descarregou altos volumes de chuva com ventos que ultrapassaram 130km/h, com curta duração que causou a derrubada de milhares de árvores. Análises químicas conseguiram detectar que os isótopos presentes na água dessa chuva eram os mesmos coletados nas amostras no interior da Antártica. Em 1o julho de 2020 um ciclone extratropical explosivo, que conectou calor e umidade da região central amazônica para a Bacia do Prata, deixou um rastro de devastação e pelo menos 12 mortes no Sul do país e muitos prejuízos materiais.
“Conseguir demonstrar que eventos extremos estão muito ou diretamente vinculados a uma intensificação Amazônia-Antártica, digamos um corredor, muda e há impacto na visão científica-técnica, em especial para a ciência e tecnologia do nosso país”, complementa.
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