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Em Florianópolis, MCTI e UFSC apresentam desidratador que será utilizado por associações indígena e agroextrativista da Amazônia
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) inaugurou nesta quarta-feira (14), a unidade demonstrativa do projeto “Cadeias Produtivas do Açaí e Cupuaçu: Fábrica Sustentável de Alimentos em Pó em Pequena Escala”, que é conduzido pela Secretaria de Pesquisa e Formação Científica (SEPEF). A planta está instalada no Laboratório de Propriedades Físicas dos Alimentos da Universidade Federal de Santa Catarina (PROFI/UFSC), em Florianópolis (SC).
“Esses equipamentos são mais um resultado da produção científica e tecnológica da UFSC que beneficiará famílias produtoras brasileiras, contribuindo para o desenvolvimento social que é um dos objetivos de nossa instituição”, comenta o reitor da UFSC, Irineu Manoel de Souza.
A iniciativa integra o Programa Cadeias Produtivas da Bioeconomia MCTI que visa promover a agregação de valor nas cadeias produtivas com produtos da bioeconomia brasileira. Neste caso, o foco está no açaí e no cupuaçu. Outras cadeias produtivas envolvem o licuri, amêndoa típica da caatinga, e o pirarucu.
“A bioeconomia é uma frente promissora e importante para o Brasil. Esse desidratador vai agregar valor ao açaí e ao cupuaçu, que são a principal fonte de renda de muitas comunidades da Amazônia. Estamos colocando a ciência, a tecnologia e a inovação para resolver os gargalos dessas cadeias produtivas, na perspectiva dos pequenos produtores. Esse projeto piloto poderá ser replicado para todas as regiões do país”, afirmou o secretário de Pesquisa e Formação Científica do MCTI, Marcelo Morales.
A pasta ministerial investiu R$2,2 milhões na nova tecnologia que pretende ser uma solução para melhorar o aproveitamento de produtos das cadeias produtivas da bioeconomia. O processamento para obtenção de polpa em pó possibilita o desenvolvimento de novos produtos alimentares, cosméticos e farmacológicos, e apoia o desenvolvimento sustentável das comunidades produtoras e extrativistas da região amazônica. As máquinas utilizam energias renováveis, como fotovoltaica, solar e bioenergia, e parte dos resíduos do processamento, como o caroço do açaí, como fonte energética.
A unidade demonstrativa será utilizada para aperfeiçoamento dos equipamentos, desenvolvimento de protocolos e realização de capacitações das unidades de processamento, cujas obras têm previsão de se encerrar até o fim deste ano.
Inicialmente, serão implementadas duas unidades de processamento na região amazônica. Uma está localizada em Portel/PA, na Ilha do Marajó (PA) e será utilizada pela Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Comunidade de Santo Ezequiel Moreno (ATAA). A segunda unidade está localizada em Tabatinga (AM), que atenderá a Associação de Mulheres da Etnia Tikuna de Belém dos Solimões (Associação MAPANA).
Como funciona o equipamento – A máquina, tecnicamente chamada de ‘desidratador de polpa na forma de películas’, é alimentada com a polpa da fruta e espalha, automaticamente, uma fina camada em uma esteira flexível e permeável que tem grau alimentício, ou seja, própria para estar em contato com alimentos. A esteira mede um metro de largura e sete de comprimento e é movimentada por engrenagens. Ao longo desse percurso, a parte inferior da esteira recebe calor, que pode chegar a 90oC, e provoca a evaporação da água presente na polpa. Em 30 minutos, o produto final desse processo é uma fina lâmina ou flocos, que apresentam apenas 3% de umidade.
A máquina foi projetada para processar 300kg de polpa por dia, considerando um turno de 8 horas de trabalho. Para se ter um comparativo, se essa mesma quantidade de açaí passasse pelo processo de liofilização, o tempo seria de até 18 horas.
“Quando os alimentos são desidratados, os microorganismos não conseguem se desenvolver. A desidratação é um dos métodos mais interessantes para conservação de alimentos. Também deixamos de depender da cadeia de frio para posterior conservação do produto”, avalia o professor João Laurindo, coordenador do projeto na UFSC. A vantagem também reside nos custos e volumes para o transporte. Se considerarmos uma tonelada de polpa de açaí, após a desidratação será necessário transportar apenas 150kg.
Outro benefício desse processo é a preservação dos nutrientes do açaí. De acordo com o coordenador, o processo de secagem preserva 85% das antocianinas, compostos antioxidantes que amenizam os processos de oxidação que causam o envelhecimento. “Essa quantidade é muito boa”, avalia Laurindo. Isso é possível porque o sistema de aquecimento não entra em contato com o açaí, apenas aquece a esteira.
A solução tecnológica desenvolvida pela UFSC foi planejada para atender as demandas dos pequenos produtores. Após a colheita, o açaí precisa ser processado em no máximo 24 horas para não perder as propriedades, nutritivas e organolépticas. A polpas da fruta é perecível e precisa de conservação. Cerca de 85% desse produto é água. O método mais comum é o congelamento. No entanto, além de demandar refrigeradores para transporte e armazenagem. Na região amazônica, esses aspectos são desafios, especialmente na perspectiva dos pequenos produtores.
Segundo Laurindo, o açaí em pó puro pode ser vendido a cerca de R$400 kg. Para produzir um quilo desse produto são necessários de 6 a 7kg de polpa, dependendo da concentração.
A ideia é que com a nova tecnologia, as comunidades possam ter acesso a novos mercados e agreguem valor ao produto. “O que mais me motiva é que a possibilidade de o lucro fique nos elos menos favorecidos da cadeia produtiva”, expressou Laurindo.
O professor também enfatiza a possibilidade de redução de perdas no processo produtivo e a implementação de uma cultura tecnológica para pequena escala. Outro aspecto importante que ele destaca é a implementação de uma cultura tecnológica como diferencial para os pequenos produtores. “A tecnologia permite reprodutibilidade, a pequena escala abre espaço muito grande para a sustentabilidade, para melhorar a segurança alimentar e o trato dos resíduos”, avalia.
O equipamento é versátil e permite desidratar vários tipos de frutas. Além do açaí, o projeto testou a secagem com cupuaçu, cajá (taperebá), manga, tomate, morango, goiaba, cenoura, beterraba.
Destino para o caroço do açaí – O açaí tem uma camada muito fina de polpa. A maior parte, de 80 a 85%, é caroço. Em algumas regiões, especialmente onde a produção é em escala, o descarte do caroço é um problema ambiental. Mas já está comprovado que o caroço tem poder calorífico e pode ser aproveitado como biomassa.
A proposta da UFSC é que o resíduo seja aproveitado para abastecer a caldeira. As comunidades indígena e agroextrativista que participam do projeto deverão receber além do desidratador, uma caldeira de pequeno porte com capacidade de produzir 200 kg de vapor por hora. Esse vapor passa por tubulações fechadas e aquece a água que está na parte de baixo da esteira.