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Estudo brasileiro comprova que monitoramento de esgoto é ferramenta complementar para vigilância epidemiológica da Covid-19
Pesquisadores brasileiros conseguiram demonstrar a relevância do uso da metodologia de monitoramento de águas residuais para detectar antecipadamente surtos de Covid-19. Os resultados estão compilados no artigo “Epidemiologia Baseada em Águas Residuais: Uma Experiência Brasileira de Vigilância Sars-CoV-2”, publicado nesta semana (19/7) no periódico científico Journal of Environmental Chemical Engineering , da editora Elsevier.
A pesquisa foi financiada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e por outras instituições. O fator de impacto da publicação científica é de 7.968, número considerado alto para a área de ciências biológicas. Leia a íntegra do artigo neste link .
“É mais uma ferramenta de apoio à vigilância epidemiológica. É muito mais barata e mais rápida, ao testar indiretamente centenas de pessoas por meio de uma única amostra. Funciona como mais um indicador e, em conjunto com os dados clínicos, pode sim ser uma ferramenta importantíssima para pandemia, contra viroses e outros patógenos”, avalia Rodrigo Bueno, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e coordenador da Rede de Monitoramento de Covid-19 em Águas Residuais MCTI.
O coordenador assina o artigo ao lado de outros 15 pesquisadores de cinco diferentes universidades brasileiras, o que representa o alcance da rede de pesquisa estabelecida durante a pandemia. “Houve um esforço de integrar, trocar conhecimentos e permitir a formação de recursos humanos de alto nível e a produção de informações de impacto”, explica Bueno.
O artigo aborda resultados a partir de dados coletados das semanas epidemiológicas de 2021 e no início de 2022 na região do ABC, em São Paulo, em Foz do Iguaçu (PR), Goiânia (GO) e no Distrito Federal.
Os pesquisadores demonstraram que a carga viral de Covid-19 detectada no esgoto acompanhou os casos clínicos diagnosticados. A correlação estabelecida, cujo índice é de 95%, é um indicador de que a vigilância epidemiológica baseada em águas residuais é uma metodologia que contribui para o monitoramento de doenças infecciosas. “É possível, com segurança, observar que, por meio do monitoramento, quando aumenta a concentração [do vírus] no esgoto, possivelmente vai aumentar a circulação do vírus na população que foi monitorada”, explica Bueno. A metodologia também consegue detectar o movimento reverso, ou seja, quando há diminuição da concentração do vírus no esgoto, há redução da circulação do vírus na população.
Segundo Bueno, o fato de o estudo ter sido realizado em diferentes regiões do Brasil e ter alcançado o mesmo patamar de correlação, permite afirmar que o modelo pode ser implementado em qualquer região.
O monitoramento de águas residuais permite identificar a concentração de fragmentos do vírus com antecipação e promover intervenções locais e eficazes em saúde, como o aprimoramento de testes clínicos, o rastreamento de indivíduos sintomáticos, assintomáticos e oligossintomáticos (sintomas leves) e a adequação de estratégias preventivas adicionais. Esses dados são considerados essenciais para conter a disseminação da doença.
Os dados de concentração de RNA virais de amostras de esgoto foram comparados com o número de casos clínicos relatados acumulados ao longo de 7 dias, mesmo quando a média móvel de 7 dias dos novos casos de Covid-19 caiu acentuadamente.
Os autores apontam que o sistema de monitoramento deve ser implementado em países emergentes como uma das linhas de ação para a resposta à pandemia de Covid-19, em especial por ser uma metodologia de baixo custo e que consegue detectar casos assintomáticos e/ou não notificados, que eventualmente não conseguem ser acompanhados pela vigilância epidemiológica clássica. A vacinação reduz a gravidade clínica, mas não previne completamente a infecção. Por isso, a redução da gravidade da doença tende a aumentar a subnotificação, o que dificulta a determinação da eficácia das estratégias de vacinação.
No Brasil, a metodologia já é utilizada em algumas regiões para rastreamento de uso de drogas ilícitas e de doenças, como a poliomielite. Países como Holanda e Austrália utilizam essa ferramenta em larga escala. Portugal e Estados Unidos adotaram a metodologia durante a pandemia.
Um dos aspectos abordados no artigo é o esforço interinstitucional envolvendo pesquisa, saúde pública e agências governamentais para apoiar o uso da metodologia ao seu pleno potencial durante a pandemia COVID-19 como parte de uma abordagem conjunta de vigilância One Health, ou saúde única em tradução livre. “É um olhar mais global para a saúde, não somente clínico”, enfatiza Bueno.
De acordo com o professor, a partir de agora, a ideia é buscar a consolidação dessa ferramenta de vigilância, resgatando o conceito de promoção da saúde pública por meio do saneamento básico. “A ideia é, por meio da Rede, consolidar um programa nacional de vigilância epidemiológica baseada em esgoto para trazer subsídios e mecanismos para que a vigilância epidemiológica do SUS possa utilizar como políticas públicas”, avalia.
Além das cidades citadas no artigo, a Rede de pesquisa coletou amostras em Fortaleza (CE), Recife (PE), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS) e Porto Velho (RO).
Sobre a Rede de Monitoramento de Covid-19 em Águas Residuais MCTI – A Rede de Monitoramento de Covid-19 em Águas Residuais é uma iniciativa conjunta do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Ministério da Saúde (MS). A rede de monitoramento integra a RedeVírus MCTI.
Atualmente, integram a Rede de pesquisa mais de 50 pesquisadores de 12 diferentes instituições.
A Rede tem por missão integrar e promover, de forma interdisciplinar, a produção e divulgação de conhecimentos científicos e tecnológicos nas ações de vigilância epidemiológica baseadas no monitoramento de águas residuais, como alternativa de detecção precoce de surtos virais; e definir prioridades de pesquisa nesta área de conhecimento, tendo como visão a busca da excelência do saneamento básico e promoção da saúde em todo território nacional.