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Pesquisa financiada pelo MCTI aponta como a pandemia afetou entregadores de comida e produtores artísticos
A pandemia foi um catalizador ou potencializador de problemas que pareciam invisíveis. Esta é uma das principais conclusões entre os resultados parciais da primeira fase da pesquisa liderada pela Rede Covid-19 Humanidades MCTI. A rede dedicada à pesquisa dos efeitos sociais da pandemia integra as estratégias adotadas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) para o enfrentamento da doença no país.
Ao longo de 18 meses quase 100 pesquisadores multidisciplinares que acompanharam diferentes grupos sociais, incluindo entregadores de comida e artistas não consagrados, conforme se autodenominam. Os resultados parciais da pesquisa podem ser acessados nos informes disponíveis neste link. O relatório final em formato de livro e audiovisual com as entrevistas realizadas devem ser publicados ainda neste semestre em português e inglês.
“São dois eixos bem abrangentes: profissionais de saúde e população em isolamento”, explica o coordenador da Rede, Jean Segata, sobre os grupos envolvidos no estudo que coletou narrativas. O antropólogo explica que a pesquisa etnográfica precisou ser adaptada para a coleta dos dados, por isso a maior parte das entrevistas foram realizadas de modo remoto. “Tivemos que adaptar”, analisa o professor sobre os registros das vivências.
Os informes mais recentes de resultados parciais revelam os relatos colhidos junto à dois grupos que foram diretamente afetados desde o início da declaração de período pandêmico. Os grupos de entregadores foram ouvidos nas capitais e outras cidades da região Sul, sendo que em Florianópolis (SC) a pesquisa teve um recorte que enfatizou o público feminino. O universo é representativo por retratar um universo semelhante em outras regiões do país.
A hipótese inicial dos pesquisadores era de que os entregadores de comida seriam um grupo altamente exposto ao vírus, por estarem em constante contato com diferentes pessoas para realizar as entregas. No entanto, a coleta de relatos mostrou que para o grupo a Covid-19 era só mais uma preocupação que se juntava à rotina que incluía violência, roubos, desrespeito no trânsito ao trafegarem de bicicletas, assédio às entregadoras mulheres, dificuldade de acesso a serviços, e conflito de identidade laboral entre serem empreendedores individuais e almejarem a segurança dos benefícios sociais do trabalho formal. Para mulheres entregadoras, o período de fechamento, foi observado como pior por se sentirem vulneráveis nas ruas desertas. “A pandemia não trouxe riscos em terreno livre de problemas, mas intensificou outras situações”, analisa Segata.
O período de acompanhamento também permitiu detectar diferentes fases com relação ao modelo de trabalho que inclui jornadas de 12 a 15 horas por dia. Inicialmente, cerca de três meses a partir do início da pandemia, houve uma alta demanda pelos serviços para entrega de comida pronta. Com o desemprego em alta, o cenário mudou para uma alta oferta de entregadores. À medida que bares e restaurantes foram reabrindo, os profissionais que tinham outra ocupação antes de buscarem a sobrevivência como entregadores conseguiram recolocação no mercado de trabalho. Quem era entregador antes continuou na função. A precarização do trabalho também foi evidenciada em falas nas quais os profissionais não se permitem adoecer. “Escancara a fragilidade dos modelos de capitalismo de plataformas e aplicativos. A ideia ufanista que ouvíamos há alguns anos de ser empreendedor mostrou-se frágil”, analisa Segata.
Artistas não consagrados – A autodenominação foi acolhida para denominar os profissionais do mundo artístico que envolvem músicos de bares, DJ’s e produtores de espetáculos de teatro. Quando bares, casas noturnas e de espetáculos fecharam para atender as regras sanitárias, esses profissionais ficaram sem a renda que advém de shows e espetáculos. “Muitas vezes para uma pessoa estar no palco há 40 nos bastidores”, exemplifica Segata sobre os profissionais que atuam nos bastidores, como produtores, por exemplo. “O artista em si ainda conseguia fazer as transmissões. Mas os produtores o que fariam?”, complementa.
Os pesquisadores promoveram três encontros ao longo do período estudado. As queixas frequentes estavam relacionadas à ausência de infraestrutura, disponível aos grandes artistas e que mantém a qualidade das obras durante as transmissões para migrar os espetáculos para o modo virtual. “Falta iluminação, microfone, sinal suficiente de internet que dê conta de áudio e vídeo, ruídos ambiente”, detalha. Muitos profissionais buscaram apoio em outras atividades como aulas de música online.
Por outro lado, no caso do teatro, algumas companhias adaptaram os espetáculos para o meio virtual, criando novas habilidade e funções. “Foi muito interessante ver esse processo de aprendizado para fazer os espetáculos com transmissão online e que são relatados como positivos pelos artistas”, afirma o antropólogo sobre as novas tarefas relatadas como criar, produzir e dirigir um espetáculo virtual.
A retomada tardia da reabertura das casas de espetáculos, comparado a outros eventos públicos, como jogos de futebol, é vista pelos artistas como falta de apoio à arte por meio de órgãos que reivindicassem o retorno ao trabalho. Os artistas autônomos se sentem desprivilegiados em relação aos incentivos, não sendo reconhecidos muitas vezes para o recebimento de benefícios. “Eles se queixam como a arte no Brasil não é vista como trabalho, como processo histórico de afirmação”, relata o professor. “A arte poderia ter ajudado em um momento de desesperança, poderia ter tido mais transmissões que pudessem entreter positivamente”, conclui.