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Relatório sobre mudanças do clima tem participação de cinco cientistas brasileiros
Documento técnico-científico do IPCC que aborda impactos da mudança do clima sobre as diferentes regiões do planeta enfatiza urgência na implementação de ações de adaptação
Publicado em
02/03/2022 16h13
Atualizado em
01/11/2022 16h26
A janela de oportunidade para implementar ações de adaptação à mudança do clima e reduzir as emissões de gases de efeito estufa que assegurem um futuro mais sustentável ao planeta está cada vez mais estreita. Essa é uma das principais mensagens do Sumário para Formuladores de Políticas sobre Impactos, Vulnerabilidade e Adaptação (IVA) publicado na segunda-feira (28/02) pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês). O documento está disponível neste link.
O trabalho é resultado de pesquisas do Grupo de Trabalho II do IPCC (entidade vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU) que reúne cientistas especializados de todo o mundo) e integra o Sexto Ciclo de Avaliação sobre Mudanças Climáticas. A íntegra do trabalho do GT-II tem cerca de 3 mil páginas, organizadas em 18 capítulos e outros sete transversais, que sistematizam o conhecimento científico atual sobre o tema. No total, 270 autores de 67 países participaram da elaboração, incluindo cinco cientistas brasileiros.
“A adaptação à mudança do clima é urgente e exige ações imediatas. Os impactos já estão ocorrendo e os cenários futuros apontam para o agravamento da situação, com impactos negativos predominantemente”, afirma Diogo Santos, especialista em IVA do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), sobre a principal mensagem que o documento apresenta. Santos acompanhou as sessões de revisão realizadas entre 14 e 25 de fevereiro, que resultaram na aprovação do documento por todos os países signatários, incluindo o Brasil.
O relatório do IPCC apresenta dados e análises em escala global e regional sobre os impactos já observados relacionados ao clima nos sistemas humanos e ecossistemas, e também as projeções e os riscos no curto (até 2040), médio (2060) e longo (2100) prazos, sob diferentes cenários de aquecimento global, ou seja, diferentes trajetórias de emissões que podem aumentar a temperatura média global em 1,5ºC, 2ºC ou mais graus, comparado aos níveis pré-industriais. Cabe destacar que o planeta está 1,1oC mais quente, conforme publicado pelo IPCC em setembro de 2021.
Entre os principais dados, o relatório mostra que, entre 2010 e 2020, as mortes provocadas por enchentes, secas e tempestades foi 15 vezes maior nos países mais vulneráveis. Outra conclusão é de que as consequências dos eventos extremos provocados pelo aquecimento global têm levado milhões de pessoas para a insegurança hídrica e alimentar, e indica aumento de doenças tropicais, como a dengue. O documento também afirma que, nos últimos 50 anos, o crescimento da produtividade agrícola está mais lento, especialmente nas regiões de média e baixa latitude, ou seja, nas áreas tropicais, e a população da América do Sul está entre as mais vulneráveis do planeta pela combinação de pobreza, acesso limitado a serviços básicos e recursos e modos de vida altamente expostos, além dos desafios de governança.
O documento ressalta que as lacunas de adaptação ainda são grandes e isso decorre de medidas fragmentadas, desenhadas para setores específicos ou da falta de ações em larga escala. Por isso, outra mensagem relevante apontada no documento envolve a necessidade de adotar uma perspectiva integrada de ação ao que se denominou de trajetórias de desenvolvimento resilientes ao clima. Isso quer dizer que para reduzir os riscos relacionados ao clima é necessário que a redução das emissões de gases de efeito estufa e as ações de adaptação à mudança do clima estejam em sinergia com vistas ao desenvolvimento sustentável.
Análises nacionais
As análises do relatório do IPCC 2022 possuem recorte global e regional. Na leitura da América do Sul, por exemplo, foram contemplados exemplos regionais. Os ciclos de avaliação realizados pelo IPCC têm contribuído para o aprimoramento de análises sob perspectivas nacionais, da mesma forma que consideram os avanços científicos promovidos pelos países, em um processo de retroalimentação.
Nesse sentido, a componente de Impactos, Vulnerabilidades e Adaptação que consta da Quarta Comunicação Nacional (4CN) do Brasil, submetida à UNFCCC em dezembro de 2020, apresenta análises sobre principais impactos e vulnerabilidades à mudança do clima no país e alinhadas com o que o IPCC vêm apresentando ao longo de seus relatórios. “Nesse documento temos mais detalhes e análises específicas para o contexto nacional”, detalha Santos que supervisionou a elaboração do capítulo dedicado à IVA.
Assim como o relatório do IPCC, a 4CN do Brasil adotou metodologia integradora que considerou os temas estratégicos das seguranças hídrica, energética, alimentar e socioambiental. Cada um dos temas abordados contempla uma linha do tempo com impactos relacionados ao clima já observados no território brasileiro, além de projeções de cenários futuros e análises acerca das principais vulnerabilidades do País e de opções de adaptação. “A 4CN valorizou a perspectiva multissetorial e multi-escalar, ou seja, a geração de conhecimento e a ação integrada entre diferentes setores e níveis de governança para potencializar a sua efetividade”, afirma Santos.
Acesse aqui e conheça em detalhes o reporte de Impactos, Vulnerabilidades e Adaptação à mudança do clima para o Brasil apresentados na Quarta Comunicação Nacional do Brasil à UNFCCC.
Dados contundentes
De acordo com o pesquisador Jean Ometto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE/MCTI), unidade de pesquisa vinculada ao ministério, que é um dos brasileiros autores do relatório do IPCC, a quantidade de informações científicas sobre impactos, riscos, efeitos em cascata das mudanças climáticas associadas a outros elementos de desenvolvimento e de desigualdade, por exemplo, cresceu muito em relação à versão anterior. “O avanço da informação científica com relação ao último relatório foi exponencial”, avalia. Além disso, Ometto destaca que o avanço do conhecimento científico do País permite que as análises das questões regionais e setoriais sejam feitas com mais robustez. “Esses são aspectos muito importantes de avanço nesse relatório”, complementa.
Diante de alertas científicos cada vez mais contundentes e da redução da janela de oportunidades para a nos colocarmos em trajetórias de desenvolvimento mais resilientes ao clima, Ometto destaca a necessidade de a sociedade como um todo, incluindo Estado e iniciativa privada, atuarem para incorporar efetivamente as informações científicas sobre a mudança no clima no planejamento do País. “Essas ações precisam considerar efetivamente as mudanças climáticas como reais, algo que está acontecendo e está se agravando”, enfatiza o pesquisador. “Cidades muito próximas ao mar precisam repensar sua questão territorial; em determinadas regiões, a produção agrícola precisa pensar em como manter a produção com espécies mais resistentes, por exemplo”, exemplifica.
Como cientistas brasileiros podem colaborar com o IPCC
Segundo Ometto, pela sua dimensão e importância na ciência e nas discussões globais, o Brasil poderia ter mais cientistas engajados nos trabalhos conduzidos pelo IPCC. “Isso é importante porque a participação de cientistas [de diferentes regiões] contribui com uma leitura do país e da região, por conhecerem as especificidades. E faz essa ponte entre as questões globais e as questões regionais e até locais”, explica o pesquisador, que destaca a preocupação do órgão para haver equilíbrio na representação das regiões, de gênero, entre outros aspectos. “Fica o convite para que a comunidade científica brasileira se envolva mais no próximo ciclo”, destaca Ometto.
Os cientistas participantes dos ciclos do IPCC são, atualmente, indicados pelos governos nacionais. A medida busca equilibrar a participação de todas as regiões do globo e também de gênero. Neste link do MCTI há mais informações sobre as diferentes possibilidades de contribuir com os trabalhos científicos promovidos pelo órgão.
Assista aqui ao vídeo sobre Impactos, Vulnerabilidade e Adaptação à Mudança do Clima da Quarta Comunicação Nacional do Brasil à UNFCCC.
Clique aqui e acesse o Sumário para Formuladores de Políticas sobre Mudança do Clima 2021 – A Base Científica, Contribuição do Grupo de Trabalho I ao Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, que foi traduzido para o português pelo governo brasileiro.