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Fundamentais para regular o clima do planeta, oceanos já sofrem os impactos do aquecimento global
Gráficos do Sumário para Formuladores de Políticas do IPCC apresentam cenários de aumento do nível médio do mar e acidificação da água marinha de acordo com trajetória de emissões de GEE.
“Se não tivéssemos tanta área de oceano, é provável que teríamos um planeta muito mais quente. O oceano tem papel importantíssimo para a regulação do clima, não apenas para quem vive nas zonas costeiras, mas para o planeta inteiro”. É com essa afirmação que a oceanógrafa, Letícia Cotrim da Cunha, destaca a necessidade de mais atenção às consequências da mudança do clima para o oceano. A cientista brasileira, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e colaboradora da Quarta Comunicação Nacional do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), integrou o grupo de autores-líderes do capítulo 5, que abordou os ciclos do carbono e outros ciclos biogeoquímicos, do Grupo de Trabalho 1 do Sexto Ciclo de Revisão (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima.
“A ciência fez a parte dela que é informar”, comenta Cotrim
De acordo com o relatório do IPCC, o oceano, que cobre 70% da superfície da Terra, foi responsável por absorver 91% do aquecimento do planeta, ou seja, do excesso de energia na forma de calor acumulado na atmosfera provocada pelos gases de efeito estufa. A temperatura média global já aumentou 1,1oC comparado aos níveis pré-industriais. Porém, os sistemas naturais apresentam limitações tanto para absorver carbono excedente da atmosfera quanto vulnerabilidades aos efeitos da mudança do clima.
Com uma das maiores zonas costeiras do mundo, tendo mais de 8,5mil km de costa atlântica, e na qual vive 26,6% da população, o que representa cerca de 50,7 milhões de pessoas de acordo com dados do IBGE que constam na Quarta Comunicação Nacional, incluindo a localização de dez das maiores cidades e 13 das 27 capitais, dois processos que, até o momento, a ciência aponta como irreversíveis, são muito importantes para o Brasil: o aumento do nível do mar e a acidificação da água do mar.
“A região costeira é muito populosa. Quando nível do mar sobe, há perda de território. Isso afeta as pessoas diretamente”, analisa a pesquisadora.
Além do derretimento das geleiras de altas latitudes e mantos de gelo, como Antártida, Groenlândia, norte do Canadá e Sibéria, que contribuiu com 42% para o aumento do nível do mar até então, é preciso considerar um conceito básico da física: a água ao aquecer se expande. Mesmo que seja uma alteração lenta, o impacto volumétrico é da ordem de sextilhões de litros, porque é muita água. De acordo com o relatório, esse processo foi responsável por 50% do aumento do nível do mar no período de 1971-2018. Segundo o documento, o aumento do nível do mar observado foi de cerca de 20cm no período entre 1901 e 2018. Por ano, o aumento médio foi de 1,3mm entre 1901 e 2018, 1,9mm entre 1971 e 2006, e 3,7mm entre 2006 e 2018, demonstrando a aceleração do impacto da mudança do clima.
“A água demora para ferver, quanto maior a quantidade de água mais tempo para atingir o ponto de ebulição, e uma vez quente, demora a perder calor”, faz uma analogia. “Isso explica a dificuldade em prever com segurança se um dia o nível do mar vai voltar por causa dessas alterações”, resume.
Por meio de uma ferramenta produzida em parceria entre o IPCC e a Agência Espacial Americana (NASA) é possível analisar os dados das últimas décadas relacionados ao nível do mar em todo o planeta. Além dos marégrafos, relevantes para a medição constante do nível do mar para termos séries históricas, a cientista aponta que a tecnologia de satélites disponível atualmente tem contribuído para aumentar o nível de confiabilidade dos dados e dos modelos matemáticos utilizados para elaborar os cenários futuros. “Os modelos estão cada vez mais eficientes e hoje há mais estabilidade computacional que consegue rodar com resolução melhor. Esse conjunto levou a essa segurança maior nas previsões e em afirmar que é resultado da atribuição da atividade humana”, analisa.
Acidificação - O outro fator relevante destacado por Cotrim é que as moléculas de dióxido de carbono (CO2) desencadeiam uma reação química ao se diluírem na água, alterando o pH, que fica mais ácido. Esse processo também é lento e irreversível.
“Há uma série de mudanças sutis na composição química da água que afetam os pequenos organismos que têm importância ecológica muito grande, principalmente porque criam estruturas de carbonato de cálcio, como recifes, zooplâncton, fitoplanctons, que vão alimentar a cadeia e o equilíbrio oceânico. E isso afeta a segurança alimentar”, explica a pesquisadora.
A costa brasileira, em especial a região Nordeste, apresenta espécies endêmicas de corais. Sensíveis à mudança da temperatura e à acidificação dos oceanos, caso esse processo não seja revertido, o país vai perder uma biodiversidade que ainda não conhece. “É como se queimasse uma biblioteca sem ter sido lida”, compara.
Autor-líder - O lançamento dos resultados do Grupo de Trabalho I indica que o sexto ciclo de avaliação do IPCC está se encerrando. Por ser um painel intergovernamental, ou seja, composto pelos países signatários da Convenção do Clima, a cada novo ciclo são abertas chamadas para que os cientistas de todo o mundo possam se inscrever para contribuir. “Em 2017 eu enviei minha candidatura, preenchendo um formulário no qual descrevi minha experiência, as minhas publicações e o meu interesse. Eu já havia participado dos ciclos AR4 e AR5 como revisora externa”, descreve Cotrim.
A construção do relatório do WG-I contou com a participação de 234 autores de 65 países e foram citados 14 mil artigos científicos. Cada um dos 12 capítulos e um Atlas desse Grupo de Trabalho contou com cerca de 12 cientistas no papel de autor-líder. Seis cientistas brasileiros participaram como autores-líderes do WGI, incluindo Cotrim. O trabalho de cada capítulo foi supervisionado por dois cientistas autores-coordenadores. “O papel dos autores líderes e dos coordenadores é revisar a literatura, avaliar o conhecimento sobre o tema do capítulo, ou seja, participar ativamente da elaboração do texto do capítulo do relatório”, explica a pesquisadora. O documento é avaliado por editores-revisores.
Paralelo à elaboração do relatório do WGI/AR6, a pesquisadora também contribuiu com a elaboração da Quarta Comunicação Nacional do Brasil. Enquanto um aborda a temática do clima no âmbito global, o outro é focado nos aspectos regionais. “Foi importante para mim ter trabalhado na Comunicação Nacional, em especial porque temos que considerar o tamanho do Brasil, linha de costa, tamanho da zona econômica exclusiva, traz também pontos relevantes do aspecto regional para o painel global. Esse trabalho dos cientistas para a elaboração dos documentos, com o esforço para avaliar a literatura, enriqueceu tanto um quanto outro[documento]”, avalia a professora.
Em fevereiro de 2022 está previsto o lançamento do relatório com as conclusões do Grupo de Trabalho II do IPCC, que aborda os impactos causados pela mudança do clima.
Sobre o IPCC: O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) foi estabelecido em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês) para oferecer aos líderes políticos atualizações científicas periódicas sobre mudança do clima, seus riscos e implicações, assim como disponibilizar estratégias de adaptação e mitigação. O IPCC possui 195 países membros, entre eles o Brasil, e dispõe de três grupos de trabalho (WG): o WG I lida com a base da ciência física da mudança do clima; o WG II aborda impactos, adaptação e vulnerabilidade; o WG III tem como foco a mitigação da mudança do clima. Também há uma Força Tarefa para Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa, que desenvolve metodologias para mensurar emissões e remoções.
Acesse aqui o documento da Quarta Comunicação Nacional do Brasil à Convenção do Clima e conheça em detalhes as análises de Impactos, Vulnerabilidade e Adaptação à mudança do clima que envolvem as zonas costeiras.