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Pesquisadores explicam a relação entre mudança do clima e crise hídrica no Brasil
Nos últimos quarenta anos, aumentou a quantidade de períodos secos no Brasil. A conclusão é de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) que analisaram dados do Monitor Global de Secas (SPEI Global Drought Monitor), que utiliza o índice de Evapotranspiração de Precipitação Padronizado (Standardised Precipitation Evapotranspiration Index – SPEI) para indicar a severidade das secas, e comparam os anos de 1991 a 2020 com o período de referência, de 1981 a 2010.
“Tem-se observado que a quantidade de períodos secos com diferentes graus de intensidade, nas últimas décadas, aumentou cerca de 10% na região Sudeste do Brasil”, explica o pesquisador Lincoln Alves, responsável pelas análises.
Os dados históricos de precipitação das últimas quatro décadas revelam que o número de períodos secos tem aumentado em grande parte do Brasil, em particular nas regiões Centro-Oeste, sudeste da Amazônia e no Sudeste. Um retrospecto indica que secas prolongadas e suas consequências foram registradas na Amazônia em 2005 e 2010, no Nordeste em 2012-2015 e no Sudeste em 2001, 2014/2015 e 2020/2021. Mas em uma análise detalhada da região Sudeste, o gráfico demonstra que, a partir da metade dos anos de 1980, os períodos de secas predominam, ou seja, há índices negativos de chuvas. A partir de 2010, fica visível a intensificação desses fenômenos, com redução cada vez mais acentuada das chuvas na região.
“Estudos sobre o clima no futuro, considerando a emissão de diferentes gases de efeito estufa, corroboram que haverá um aumento contínuo na frequência desses eventos e sobre essas regiões”, explica o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Jean Ometto, que coordena o desenvolvimento da plataforma AdaptaBrasil MCTI, ferramenta de apoio à gestão pública e privada que apresenta cenários dos impactos causados pela mudança do clima.
Série de 1950 a 2020 do Índice Padronizado de Precipitação-Evapotranspiração (SPEI, sigla em inglês) para a região Sudeste do Brasil. Os ciclos úmidos, definidos a cada 12 meses, consideram valores positivos maiores que 0,5; normais entre 0,5 e -0,5; e secos valores maiores que -0,5. Fonte dos dados: SPEI Global Drought Monitor
Os primeiros relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no final da década de 1990, evidenciaram os impactos da mudança do clima no ciclo hidrometeorológico, apontando possíveis alterações no padrão de chuvas nas escalas regional e global. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, a temperatura média global já se encontra em torno de 1,2oC mais alta, em comparação aos níveis pré-industriais, e o que os pesquisadores apontam é que a variação do clima está assumindo novos contornos. Elementos factuais, com os dados do monitor de secas, corroborados pela ciência, indicam que os padrões climáticos do planeta estão mudando em um compasso acelerado, o que requer medidas de mitigação e adaptação em diferentes territórios e setores em igual velocidade. “Esse aspecto torna ainda mais evidente e crítico o planejamento do uso de recursos naturais, como a água”, afirma o pesquisador.
Na escala regional e local, o aquecimento pode perpassar os níveis globais, levando a condições climáticas mais severas, o que inclui alterações de precipitação, eventos extremos, nível do mar etc. Nas regiões tropicais, em especial, onde encontra-se a maior parte do território brasileiro, o impacto do excesso ou da falta de chuvas podem provocar prejuízos nos diversos setores da sociedade. No Brasil, em particular, para a produção de energia, cerca de 61,1% da geração de energia elétrica, segundo dados de 2019, é proveniente de hidroelétricas.
De acordo com dados da Agência Nacional de Águas, a região central do País, em especial na bacia do rio Paraná, onde concentra-se cerca de 35% da geração de energia hidroelétrica, entra no período tradicional de estiagem em 2021 com o menor nível dos reservatórios dos últimos 91 anos. “O País não pode, portanto, se furtar de incluir em suas estratégias de desenvolvimento os cenários de mudanças climáticas e os elementos da sociedade e dos ambientes naturais que elucidam a vulnerabilidade e o nível de risco da sociedade e dos ecossistemas do país”, avalia Ometto.
AdaptaBrasil MCTI
- Na esteira da importância da consolidação de informações sociais e ambientais para o planejamento do País, considerando as variações climáticas correntes e as projeções futuras, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) desenvolve, em conjunto com o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE/MCTI) e a Rede Nacional de Pesquisas (RNP/MCTI), a plataforma AdaptaBrasil MCTI (https://adaptabrasil.mcti.gov.br/).
De acordo com o Plano Nacional de Adaptação, que é conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente, é responsabilidade do MCTI monitorar os impactos da mudança do clima no Brasil. Por isso, a plataforma AdaptaBrasil MCTI oferece uma série de informações embasadas em dados técnico-científicos robustos que são extremamente importantes para a tomada de decisão sobre os impactos da mudança do clima no Brasil.
O principal objetivo dessa ferramenta é consolidar, integrar e disseminar informações robustas e com embasamento científico que possibilitem o avanço das análises dos impactos da mudança do clima, a partir de eventos observados e de projeções climáticas para todo o território nacional. A plataforma provê um total de 85 indicadores associados a três áreas estratégicas, que são tratadas sob o conceito de segurança: hídrica, alimentar e energética.
A partir de agosto deste ano, será possível visualizar como os modelos climáticos projetam mudanças para todos os 5.570 municípios de todas as unidades da federação, incluindo questões estratégicas, como a água. No primeiro passo trabalhou-se a região do Semiárido, que engloba 1,262 mil municípios de dez estados do País. “Essa é a contribuição da ciência com subsídios às autoridades competentes, do setor público e privado, pelas ações de adaptação. Todas as informações disponíveis nessa plataforma são de livre acesso, dispostas de uma maneira acessível e permitindo visualização de dados para regiões ou municípios, buscando contribuir com a gestão em diversos setores da sociedade”, avalia o pesquisador.