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RADIODIFUSÃO
Rádio no Brasil: paixão transmitida em ondas radiofrequência
As recordações dos programas de auditório transmitidos pela rádio, na década de 1950, ainda balançam a musicista e arte-educadora Doroty Marques, 75. Sentada em uma mesa, embaixo de um pé de árvore na Vila de São Jorge, na Chapada dos Veadeiros (GO), ela volta ao passado e revive as memórias da época em que morou no Rio de Janeiro (RJ). Com sorriso largo no rosto, conta sobre como as ondas de radiofrequência a despertaram para o universo dos ritmos e sons.
“O primeiro programa que eu lembro ter participado foi Vovó Odilon, na Rádio Tupi. Era um programa infantil, a gente cantava, tocava, tinha que fazer um número de arte. Quem era poeta chegava e falava uma poesia. No rádio, eu aprendi a me comunicar com mais ritmos”, recorda a musicista. Doroty vivenciou a Era de Ouro do rádio brasileiro, que durou entre os anos de 1930 até o final dos anos de 1950. Esse foi o período em que o meio de comunicação se popularizou no Brasil, chegou aos lares levando entretenimento, com futebol, radionovelas e os famosos programas musicais.
Foi pelas ondas do rádio que Doroty Marques ouviu soar o gongo de Ary Barroso – temido por aspirantes à carreira musical. Esse som anunciava, por todo raio abrangido pela frequência, a reprovação e desclassificação do calouro. Era o fim – ou início – de um sonho. O gongo marcou Doroty. “Uma experiência que mudou minha vida? Foi quando Ary Barroso gongou a minha mãe! Eu tinha 7 anos e falei: juro para você que eu vou ser cantora, vou tocar meu tambor e você não vai me gongar”, relembra.
Não deu tempo de passar pelo rígido crivo de Ary Barroso, ele morreu em 1964. Já Doroty se apresentou em outros programas, seguiu os rumos da arte, da educação, da música e levou junto experiências e emoções que só o rádio é capaz de proporcionar. Passados tantos anos, essa caixinha que emite som segue presente na vida dela. No início da pandemia de covid-19, devido às medidas de isolamento social, decidiu levar para a Rádio Comunitária São Jorge as oficinas da “Turma que faz”, projeto de arte educação desenvolvido há 17 anos na vila por ela e pela Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge.
“Perguntaram qual era a forma que eu ia continuar a nossa escola da “Turma que faz” e eu falei: pelo rádio. A rádio é popular, a rádio está mais perto de mim, eu vou saber unir o tempo e os fatos”, conta Doroty Marques. Com apoio, conseguiram comprar 112 aparelhos de rádio para distribuir às crianças atendidas no distrito de São Jorge, pertencente ao município de Alto Paraíso (GO). O programa vai ar de segunda a sexta-feira, apresentado por jovens da própria comunidade que já passaram pelo projeto. A cada dia uma nova temática é debatida, com leveza e criatividade.
Sintonizadas na mesma frequência, crianças brincam de pintura, aprendem trava-línguas, fazem alongamentos e tocam instrumentos musicais. Por meio de aplicativos de mensagem, elas interagem, mandam áudios e vídeos. A troca de saberes acontece em tempo real com uso de tecnologias. Beatriz Preuss, 8 anos, é uma das crianças que participa da Turma e não perde por nada a programação da rádio comunitária. “Quando eu acordo, eu coloco a rádio para carregar e vou fazendo as outras tarefas. Às 9 horas eu já ligo rádio, não quero perder a oficina porque eu gosto de participar. É divertido”.
Além de levar encantamento às crianças, a rádio da vila de São Jorge une toda a comunidade, que tem aproximadamente 700 habitantes. Por meio da emissora, moradores obtêm informações importantes relacionadas à vacinação de covid-19, por exemplo, ou sobre a previsão do tempo na região. “As próprias pessoas da comunidade produzem conteúdo, o pessoal da saúde, do mercado, os pousadeiros, cada um vem aqui e conta a sua história. Assim, acontece a magia. É como se fosse uma grande reunião e todo mundo participasse. Todo mundo entrega por amor, por vontade, pela comunidade”, compartilha Luís Felipe, 32 anos, morador de São Jorge.
De acordo com o secretário de Radiodifusão do Ministério das Comunicações (MCom), Maximiliano Martinhão, as rádios comunitárias exercem um papel importante para democratizar o acesso à informação. “O Brasil tem mais de 5,5 mil municípios, com diversidade no tamanho dessas populações e características dessas cidades. Então, as rádios comunitárias preenchem uma lacuna que as comerciais e educativas não conseguem preencher”, afirma.
Há mais de 100 anos contando e criando histórias
Entender as razões pelas quais o rádio desperta tanto fascínio, a ponto de ser considerado por algumas pessoas uma paixão nacional, é algo difícil de explicar. Talvez nem mesmo o físico alemão Heinrich Rudolf Hertz, responsável por comprovar a existência das ondas eletromagnéticas, em 1888, poderia imaginar que a descoberta daria ao mundo um meio de comunicação tão relevante.
Atualmente, mais de 8,6 mil emissoras de rádio FM e AM no Brasil levam informação e entretenimento, de forma rápida e acessível à população. Assim, contribuem para promoção da cidadania e fortalecimento da democracia. De acordo com dados da Secretaria de Radiodifusão do MCom e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), das emissoras existentes 3,5 mil são comerciais, 322 educativas, 103 públicas e mais de 4,6 mil comunitárias.
Essas emissoras são acolhidas nos lares, nos carros e até no local de trabalho. Com os smartphones, é possível também levar a nossa programação predileta no bolso e ouvir em qualquer lugar. Uma pesquisa realizada pelo Kantar Ibope Media, divulgada em 2020, revela que o rádio é ouvido por 78% da população nas 13 regiões metropolitanas do país. Dos ouvintes, três a cada cinco escutam rádio todos os dias.
O encantamento do brasileiro por essa tecnologia é tão grande que um dos pioneiros nas pesquisas para invenção do rádio é um padre gaúcho, Landell de Moura. Alguns estudos indicam que ele realizou a primeira transmissão de sinais via rádio em 1893 e a primeira transmissão da voz humana em 1899. No entanto, não há registros e o mérito nunca foi reconhecido. Nos registros históricos, consta que o rádio foi inventado em 1896 pelo italino Gugliemo Marconi com equipamentos patenteados pelo norte-americano Nikola Tesla.
No Brasil, o título de “pai do rádio brasileiro” é atribuído ao cientista e educador Roquette Pinto que esteve à frente de uma das primeiras transmissões de rádio, realizada em 7 de setembro de 1922 no Rio de Janeiro. Na ocasião, foi transmitido o discurso do então presidente Epitáfio Pessoa. Os receptores estavam instalados em Niterói, Petrópolis e São Paulo.
Em 1923, Roquete Pinto fundou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, atual Rádio MEC. No entanto, anos antes, em 1919, a Rádio Club Pernambuco já realizava uma transmissão inédita, de forma experimental, mas sem grande repercussão.
No início dos anos de 1920, o rádio ainda estava em caráter experimental. Anos mais tarde começou a chegar à elite brasileira. Isso porque os aparelhos precisavam ser importados e os custos eram altos. Nem todos tinham condições de adquirir. “Existe até uma expressão que é rádio-vizinho. As pessoas que não tinham rádio iam para a casa dos vizinhos ou para as praças que tinham alto-falantes”, explica o jornalista e pesquisador da história do rádio, Pedro Vaz.
Mesmo com as dificuldades, educadores e radialistas já vislumbravam o potencial do rádio para educar as pessoas, considerando que 65% da população era analfabeta, segundo censo demográfico da época. “Apresentadores começaram a ler jornais, ler revistas, começaram a dar aulas, principalmente a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que fazia leitura para educar as pessoas”, explica o pesquisador Pedro Vaz. Conforme a análise, isso mostra o quanto o rádio foi um meio de comunicação importante para massificar o acesso à informação no Brasil e integrar as regiões do país.
O rádio começou a chegar à casa das pessoas a partir da década de 1930. Em 1932, o então presidente Getúlio Vargas sancionou uma lei que permitia a transmissão de propaganda pelas emissoras. As empresas, então, começaram a investir e os aparelhos de rádio se tornaram mais acessíveis. Nas rádios, a veiculação de música popular e os programas de entretenimento também começaram a ganhar espaço. “Nós vamos ter então um rádio popular, chegando à população, falando uma linguagem popular, com samba-canção, música da época e vai cair no gosto das pessoas”, observa o pesquisador Pedro Vaz.
Com a chegada televisão no Brasil, em 1950, houve a expectativa de que o rádio fosse perder a força e ficar apenas como uma lembrança do passado. Muitas atrações das emissoras foram transportadas para a TV, mas ainda sim o rádio resistiu, se adaptou e ainda hoje é um meio de comunicação presente.
Modernização das transmissões
As emissoras não apenas sobreviveram às novas tecnologias como também se modernizaram ao longo desses 100 anos. Um dos principais processos foi a mudança no modelo de transmissão de AM (Amplitude Modulada) para FM (Frequência Modulada), que ainda está em andamento. Para compreender, uma das diferenças entre as rádios AM e FM é o alcance. As transmissões em AM cobrem uma área maior, no entanto estão também mais sujeitas à interferência e ruídos. Enquanto as rádios FM cobrem uma área menor, mas com aumento significativo da qualidade.
“O AM e o FM são técnicas de modulação para transmitir o sinal via rádio. O AM opera em uma frequência muito baixa e o FM em uma frequência mais alta. Isso define a cobertura do sinal. O AM normalmente é associado a cobertura muito grande e o FM a uma cobertura mais urbana”, explica o secretário de Radiodifusão (Serad) do MCom, Maximiliano Martinhão.
O objetivo da migração, conduzida pelo Ministério das Comunicações (MCom) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), é otimizar as transmissões, com menos ruídos e possibilitar que as emissoras tenham mais audiência, pois alguns aparelhos, como celulares e tablets não sintonizam AM. Além disso, as rádios FM geram economia, com custos menores para manter as estações e redução no consumo de energia elétrica dos equipamentos.
Segundo o secretário Maximiliano Martinhão, esse processo impacta principalmente nas emissoras AM que estavam em áreas urbanas. “Nessas regiões, há muito problema de interferência no AM – interferência do motor de carro e de aparelhos elétricos - e isso prejudica a experiência do usuário, cai a audiência e o interesse econômico pela atividade AM”, esclarece.
O objetivo da política de migração é garantir que as emissoras possam continuar os serviços no FM, o que aumenta diversidade de conteúdo FM, aumenta a competição e melhora o serviço para o cidadão, afirma o secretário de Radiodifusão, Maximiliano Martinhão
O decreto que determinou a migração das rádios AM foi publicado em 2013. Neste ano, o MCom publicou novas regras para que as emissoras de rádio façam o pedido de migração. O objetivo do Decreto nº 10.664 é facilitar o procedimento e assegurar que as rádios possam dar continuidade ao serviço de radiodifusão.
Conforme os dados da pasta, há 1,6 mil pedidos de migração AM-FM válidos. Mais de 1,2 mil canais já foram incluídos no Plano Básico de Distribuições de Canais de Radiodifusão Sonora em Frequência Modulada (PBFM). Desse total, mais de 850 já realizaram a migração. A meta é concluir todo o processo até 2022.
Para mudar de AM para a FM, as emissoras devem fazer um requerimento ao MCom. Em seguida, a Anatel realiza estudo de viabilidade e verifica a habilitação jurídica. Cumpridos todos os requisitos, as emissoras recebem notificação e devem realizar pagamento para adaptação da outorga.
No entanto, Martinhão ressalta que esse processo de migração não tem o objetivo extinguir as emissoras AM. O secretário destaca a importância desse tipo de transmissão para o país. “Eu não acho que o Brasil possa abrir mão de uma transmissão AM porque é um país grande, quase um continente. Ter acesso a essa tecnologia que é capaz de cobrir grandes áreas é muito importante para levar comunicação a todos os brasileiros”, reitera.
Banda FM estendida
As outorgas das rádios estão sujeitas a disponibilidade de faixas. Para garantir que todas possam realizar a migração, MCom e Anatel estão empenhados e realizam uma série de ações conjuntas. Uma das principais iniciativas é a chamada “Banda Estendida”, que libera canais nas frequências 76,1 FM e 87,5 FM. “Aqui no Brasil a gente alongou a rádio de FM. Com essa inclusão de novos canais no espectro FM, a gente deixa de ter as limitações que tínhamos para fazer a migração, principalmente nas regiões metropolitanas”, explica Maximiliano Martinhão.
Essas novas frequências eram ocupadas pelos canais 5 e 6 da televisão analógica. Para liberar esses canais da TV, há esforço do MCom para acelerar o processo de digitalização da TV brasileira. As faixas, atualmente ocupadas, podem ser disponibilizadas para o sinal de internet 4G e também para rádios FM.
Em preparação para o início da operação da faixa estendida, a indústria começou a produzir nos últimos anos receptores compatíveis com os novos canais. Em 2020, por exemplo, cerca de 2 milhões e quinhentos mil equipamentos de recepção em FM foram fabricados no Brasil preparados para a faixa estendida. “Junto a política industrial do governo federal, atuamos para prever que os carros e equipamentos receptores que forem produzidos já venham com rádio na faixa estendida. Tudo isso foi planejado pelo governo”, pontua o secretário Maximiliano Martinhão.
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Texto: Ascom/Ministério das Comunicações
Fotos: Ascom/Ministério das Comunicações