Santos Dumont: O brasileiro que abriu as asas perto do sol
Cientista e inventor de renome internacional, Alberto Santos Dumont é conhecido no Brasil como "O Pai da Aviação". Mas neste 2024, quando estamos a um ano e meio de completar 120 anos do dia em que fez voar o seu 14-bis, marcando em definitivo a Era da Aviação, vamos mostrar que este mineiro jamais poderá ser lembrado como um homem de um invento só.
A partir do primeiro texto de uma série de cinco, o leitor vai seguir passos evolutivos que levaram Santos Dumont à sua maior conquista, em 23 de outubro de 1906. Numa pesquisa do físico e cientista Luiz Henrique de Barros, ex-diretor do MAST e autor do livro "Santos Dumont, o homem que voa", o escritor e pesquisador vai descortinar, como numa viagem de balão, o gradativo desenvolvimento das aeronaves desenhadas e concluídas pelo inventor.
E com referência a acidentes e percalços. Intempéries que nos forçam mesmo a lembrar de Ícaro.
Nascido em 20 de julho de 1873, Santos Dumont, aos 59 anos, daria fim à própria existência três dias após o seu aniversário no ano de 1932. O gesto, capital, o humaniza e compõe de maneira indelevelmente histórica a trajetória singular de um homem da estatura de Alberto Santos Dumont.
PARTE I
Por Henrique Lins de Barros
Santos Dumont teve um papel central na história do vôo mecânico. Em 1901, ao ganhar o grande prêmio instituído pelo industrial do petróleo Deutsch de La Meurthe (1846-1919) e com a presença do Aeroclube da França, ele inaugura a Era da Navegação Aérea. Cinco anos depois, ao conseguir realizar o primeiro vôo completo em um avião, o 14-bis, ele demonstra ser possível fazer um aparelho mais pesado que o ar capaz de decolar e voar pelos seus próprios meios. Mas, para atingir sucesso, ele teve que enfrentar várias situações críticas. Sua história é repleta de acidentes. Desde o primeiro ano, quando ele inicia seus trabalhos em balões, em 1898, até seus anos finais no campo de provas quando voa com o Demoiselle 20, em 1910, ele experimenta a queda com sabedoria. Para ele, cair é uma fonte importante para estudar as causas do insucesso e permite procurar novas soluções. Por isso, apesar de tantos acidentes, ele sobrevive e avança.
Logo que retornou a Paris, em 1897, após quatro anos na cidade francesa estudando com um preceptor de origem espanhola, Santos Dumont inicia seus projetos aeronáuticos. Na época, o grande desafio era a dirigibilidade de balões, problema sem solução até então, embora tenha sido abordado desde que os irmãos Joseph-Michel (1740-1810) e Jacques-Étienne (1745-1799) Montgolfier, com balões de ar quente, e o físico Jacques Alexander Charles (1746-1823) com balões de hidrogênio realizaram os primeiros voos tripulados em 1783.
Santos Dumont, assim que retornou a Paris, projetou, patenteou e construiu um motor a combustão interna de dois cilindros em tandem (duplo) para ser usado no problema da dirigibilidade de balões. Testou-o em seu triciclo, estudou o desempenho com o motor pendurado no galho de uma árvore para estudar a vibração, e verificou que o novo motor era seguro. Com um motor, ele passou a investir no balão.
Em 1898 realizou o seu primeiro voo em balão livre e, após vários vôos, tornou-se um experiente balonista. Tendo o domínio da técnica, projetou o seu próprio balão.
Estudou a resistência da seda japonesa para usar no invólucro, utilizou cabos mais finos e resistentes e para isso mediu a resistência ao ar, reduziu o peso dos vários componentes, deslocou o centro de gravidade para bem abaixo do invólucro e construiu o menor balão até então: o Brasil, de 6 metros de diâmetro, 113 metros cúbicos de hidrogênio e pesava somente 27,5 kg. Em quatro de julho de 1908 decolou com sucesso, apesar de ouvir dos demais balconistas que o seu modelo não seria nem estável, nem seguro. Realizou vários vôos bem-sucedidos com ele.
Logo construiu um novo balão, maior, o América. Realizou diversos vôos com ele e com convidados bem como com outros balões até se tornar um balonista experiente e respeitado. Experimentou situações críticas, como tempestades, e sofreu alguns acidentes que serviram para analisar as causas dos problemas. Ainda em 1898, após testar a segurança de cada um dos elementos, projetou e construiu o seu primeiro dirigível, o Santos Dumont N-1 (continua...)
* Henrique Lins de Barros é pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas - CBPF/MCTI