Museus das favelas da Maré e Rocinha
Quando há 18 anos o cenógrafo Marcelo Vieira chegou ao galpão abandonado da Avenida Guilherme Maxwell 26, no Complexo da Maré, antiga sede de uma fábrica de equipamentos navais, carregando um velho quadro com a fotografia dos seus avós maternos, não imaginava que a partir dali os nomes de Maria Francisca do Nascimento e Joaquim do Nascimento, imigrantes da localidade de Sapé, na Paraíba, nos idos de 1947, estariam eternizados.
O quadro, exposto no Museu da Maré, é parte integrante do acervo e é uma marca indissociável da favela. Orna a parede de uma palafita cenográfica - tipo de construção comum àquela comunidade. Tais moradias ficaram no passado e hoje só existem representadas no museu.
Visitar este espaço cultural da comunidade instalada à margem da Avenida Brasil, com 124 mil moradores, segundo o IBGE de 2022, requer tempo e uma dose extra de curiosidade. Nas paredes, varais, prateleiras e assoalho de cimento cru, está exposto um acervo diversificado doado espontaneamente por moradores - convencidos da importância da preservação da memória:
- Tivemos reuniões com os mais antigos e falamos da intenção de criar um espaço onde a história e cultura da Maré ficassem registradas. Logo, surgiram
doações de objetos pessoais de arte, trabalho e lazer. E doaram principalmente fotografias que remetem a meados do século passado - revelou Marli Damasceno, co-fundadora do museu.
Ela acrescentou que ao final da primeira exposição, ainda em 2008, os moradores foram chamados para pegar de volta os objetos. E veio uma surpresa:
- Eles não quiseram. Demonstraram orgulho ao saber que as relíquias que contavam a história da família estariam preservadas para posteridade no Museu da Maré.
Segundo Marli, são aproximadamente 6 mil objetos, mas apenas uma parcela deles, cerca de mil peças, foram catalogadas: falta espaço e mãos para trabalhar - disse, num museu que tem 12 funcionários e é mantido pelo Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM).
Sankofa
Apoio popular semelhante foi observado em outro museu a 20 quilômetros dali. Organizado, entre outras pessoas, por Antonio Carlos Firmino, o Museu Sankofa, da Rocinha, não tem uma sede física, mas nem por isso é menos visitado:
- É muito difícil construirmos um museu em uma região tão íngreme como a Rocinha ou mesmo arredores. Numa comunidade com milhares de moradores
(70 mil segundo o último censo), são muitas ruas e vielas onde carros e transporte público não entram. E isso dificultaria visitas presenciais - justificou.
O nome, Sankofa, remete a uma ave da África Ocidental que caminha para a frente, mas mantém o olhar atento para trás para não repetir velhos erros.
A quantidade de documentos à disposição do grupo ultrapassa a casa dos 20 mil. Só uma das organizadoras do museu, a antropóloga Lígia Segalla, que coleta documentos há mais de uma década, doou 19 mil peças para a instituição. São fotografias que remetem desde o século XIX (um período
anterior ao processo de ocupação da encosta do Morro de São Conrado à época integrante do bairro da Gávea), até ações contemporâneas como a chegada do Metrô.
Mas Firmino crê que um dia será possível colocar boa parte deste acervo em um espaço físico para visitação:
- Está no nosso radar. Mas não podemos esquecer que a Rocinha precisa mesmo é de muito investimento em infraestrutura, saneamento e mobilidade
urbana.
Para visitar virtualmente ao museu Sankofa, da Rocinha, clique aqui.
Mudanças Climáticas
Marli Damasceno e Antonio Firmino são dois dos convidados a participar do encontro no próximo dia 22, às 14 horas, no auditório Ronaldo Mourão, no
Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST). Eles vão compartilhar as experiências em seus territórios que culminaram na criação da exposição
“Memória Climática das Favelas do Rio de Janeiro” que terá a mediação de Giovana de Souza Silva, educadora museal do MAST.
A palestra é parte integrante do Mast Colloquia, um ciclo de palestras que o MAST realiza desde 2004 e, neste ano, tem como tema "Museus, educação e mudanças climáticas ".
Organizado pela coordenação de Educação em Ciências (COEDU/MAST), foram convidados educadores, profissionais de museus, pesquisadores das
mais diversas áreas para debater sobre o papel da educação e dos museus na transformação social necessária para o real enfrentamento às mudanças
climáticas.
No curso deste ano, diferentes aspectos científicos, práticos e políticos são explorados por meio de perspectivas e experiências variadas de especialistas no assunto e museus que já aceitaram o desafio de trabalhar com o tema.
Para acompanhar a palestra no canal do MAST no Youtube no dia 22, às 14 horas, você deverá clicar aqui.