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Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão
Se não é tarefa fácil definir em poucas linhas um homem como o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, então recorramos ao vernáculo: ele era um inventor contumaz, criativo, corajoso e, acima de tudo, apaixonado pela própria capacidade de surpreender. Sim. Ele tinha um quê de vaidade que o levaria a fazer demonstrações públicas destes inventos para encantar a corte portuguesa de D. João V, Rei de Portugal, naquele século XVIII, base do Iluminismo.
Nascido em 1685, em Santos, no Brasil, morreria 39 anos depois, no dia 18 de novembro de 1724, na cidade de Toledo, na Espanha, consumido por desgastante fuga empreendida a pé, desde Portugal, para escapar dos soldados da Inquisição Católica. Os acusados, mesmo sem provas, por magia, bruxaria ou pouca fé, como diziam, eram submetidos a variadas modalidades de sevícias que culminavam na tortura e morte: na fogueira ou guilhotina.
Mas enquanto esteve neste mundo, Bartolomeu fez história. Na figura de inventor, de alguém que não temeu colocar a assinatura em projetos que mudariam os rumos da humanidade, ele desenvolveu um balão que subia e deslizava pelo ar movido a calor - invento que mais de um século depois seria retomado e aperfeiçoado por outro grandes brasileiro: Alberto Santos Dumont.
E o invento foi precedido da própria observação: ainda menino no litoral santista, notou que as bolhas de sabão "voavam" por serem mais leves que o ar. E o mesmo ocorria com a folhas das árvores, papéis ou cascas de árvore quando lançadas ao fogo. Assim, compreendeu, a possibilidade de desenvolver um objeto capaz de voar, e transportar pessoas, era uma possibilidade real e acessível. No futuro? E por que não no presente?
E foi assim que, em 1709, aos 24 anos, já um missionário católico vivendo em terras portuguesas, antecedido pela fama de inventor brasileiro, reuniu a corte em torno de si, nos pomposos salões do Paço da Ribeira, e deixou boquiaberto D. João V e seus súditos: um balão feito por ele, aquecido por uma bola de fogo, sobrevoou o salão real sem que estivesse preso a qualquer estrutura.
A notícia espalhou-se. A partir daí a sociedade lisboeta começou a pressioná-lo a espera de mais e mais desenvolvimento para o invento "português". Mas se de um lado a fama crescia, do outro a inveja caminhava ao lado. Acusavam-no, a boca pequena, de bruxaria, ligações com "cientistas" (eufemismo para ateísmo), e até uma carta em que supostamente renunciaria ao catolicismo para abraçar o judaísmo circulou na corte como prova da pouca ou nenhuma fé.
Antes da viagem
Mas voltemos no tempo: ainda no século XVII, vivendo no Brasil, Bartolomeu, então um estudante eclesiástico na Bahia, deu sinais da sua vocação científica - para muitos, maior que a religiosa. Foi ele o primeiro brasileiro a patentear um invento. E o fez por necessidade de outrem: vendo a dificuldade de seminaristas de carregar água da nascente até o colégio dos padres, construiu uma bomba elevatória. Assim, sem esforço, tornou possível abastecer a caixa d'água que ficava a 100 metros acima do nível do mar.
Na viagem à Portugal, ouviu que as naus que atravessavam o Atlântico naufragavam, na maioria das vezes, por causa do excesso de água que invadia os porões. Depois de muito estudo, Bartolomeu de Gusmão inventou um sistema que esvaziava o compartimento a partir do próprio jogo das marés.
E estudo teórico não era pouca coisa na vida de um homem simultaneamente sábio e prático: em Portugal, no seminário, debruçava-se sobre as cadeiras de Ciência, Matemática, Astronomia, Física, Química e Filologia.
Mal Passado
A fama de Bartolomeu crescia e atravessava fronteiras. Dez anos depois, a convite, migrou para a Holanda para apresentar uma nova criação: um jogo de lentes de vidro que, aquecidas pelo sol, assava a carne disposta sobre mesa metálica dando ao comensal a consistência e o ponto desejado. Sucesso. Mas sua ida escondeu uma outra razão: na Corte acusavam-no de estar envolvido com uma bela freira, Irmã Maria Paula, que por acaso também era a preferida do Rei D. João.
Ao retornar à Portugal, o clima em torno de seu nome evoluíra para o ódio. Dedos indicativos apontavam-no como um multi- traidor: da fé, da corte e finalmente de D. João - e deste, queria até roubar o amor. Temendo a morte, inevitável, fugiu de Lisboa em direção à Espanha esperando chegar à Paris - onde residiam inventores.
Mas o trajeto lhe foi perverso demais. Cansado, mortificado pela dor e cansaço, não tinha condições de prosseguir. Reconhecido, foi levado a um hospital, onde morreu.
Reconhecimento
Quase dois século depois, em 1912, na mesma Toledo, na Igreja de San Roman, antiga capital do Reino de Castela, foi colocada uma lápide com a seguinte inscrição:
"Neste templo de São Mártir Romano repousam os restos mortais de Dom Bartolomeu Lourenço de Gusmão, presbítero português nascido na cidade de Santos, no Brasil, no ano de 1685, primeiro inventor dos aeróstatos (objetos mais leves que o ar). Faleceu nesta capital em 19 de novembro de 1724. A Prefeitura de Toledo lhe dedica esta memória".
Em 2004, após acordo do qual participaram a diplomacia brasileira e a Igreja Católica, seus restos mortais foram finalmente trazidos de volta ao Brasil. Hoje, repousam na cripta da Catedral da Sé, em São Paulo.
Bartolomeu Lourenço de Gusmão é conhecido e reconhecido pelos aficionados por inventos aeronáuticos como "o padre voador".
E, como um balão, nasceu para voar.