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Parte II
Santos Dumont: O brasileiro que abriu as asas perto do sol
Santos Dumont: inventividade, pioneirismos e a indefectível moldura do chapéu panamá. Crédito: álbum de família.
Na segunda parte do texto biográfico elaborado pelo pesquisador Henrique Lins de Barros sobre o inventor, o autor revela os efeitos que a mudança para Paris, em 1891, teve sobre a vida de Santos Dumont. O brasileiro iniciaria um ciclo de criações de novos balões até chegar, 15 anos depois, ao seu apogeu: o 14-bis. O invento que permitiria que um aparelho "mais pesado que o ar" deixasse o chão e contornasse a Torre Eiffel, em 1906.
Mas o seu percurso criativo em terra e no ar começou muito antes: em setembro de 1898, Santos Dumont faz decolar o N-1. Diante de centenas de pessoas, o balão com 25 metros de comprimento, construído com seda japonesa e cordas resistentes para suportar o cesto, impressionou uma plateia ávida pela expectativa de fazer algo até então restrito aos pássaros: voar.
Nesta reportagem, de quatro capítulos, Henrique Lins de Barros, especialista em Santos Dumont, revela detalhes de como o inventor brasileiro doou parte da vida a desvendar os segredos que levariam o ser humano a "andar no céu" - expressão usada por Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685/1724) outro brasileiro que também alimentou o Sonho de Ícaro.
PARTE II
Por Henrique Lins de Barros*
O N-1 foi uma revolução. Com uma forma alongada para reduzir o arrasto, usou pela primeira vez o motor a petróleo, e mudou todos os demais elementos até então usados:
Invólucro – seda japonesa, mais leve e com boa resistência. “Para não exceder, com o verniz, o limite de peso calculado, recorri, forçosamente, à minha seda japonesa que tanta solidez havia provado no ‘Brasil’. (Santos Dumont. 1973. p.112)
Os primeiros dirigíveis de Santos Dumont eram muito alongados para reduzir a resistência ao ar. O N-1, por exemplo, tinha 25 metros de comprimento com um diâmetro de somente 3,5 metros e 186 m3 de H2. Cuidadoso com a segurança, Santos Dumont preparou-se para o voo: “Garantida a confecção do invólucro, cuidei da barquinha, do motor, do propulsor, do leme e da maquinaria. Quando tudo ficou pronto, submeti-o a diversas experiências, suspendendo por meio de cordas o sistema por meio de uma corda às traves da oficina. Pus o motor em ação e medi a força do movimento de impulsão que determinava o propulsor batendo no ar. Opus-me a este movimento por meio de uma corda fixa ao dinamômetro, e constatei que a força de tração desenvolvida pelo motor no propulsor, com dois braços medindo, cada um, um metro, atingia vinte e cinco libras, ou seja, onze quilos e meio”. (Santos Dumont. 1973. p. 112-113)
Com todo o sistema testado, foi para o campo do Jardim de Aclimação no bosque de Bolonha, Paris. O dirigível estava estendido na relva, entre as árvores do jardim.
No dia 18 de setembro de 1898 tentou subir com o seu novo invento. Dando ouvido aos balonistas, errou. Posicionou o dirigível a favor do vento. “Parti do local que eles indicaram e, no mesmo segundo, tal como receava, meu navio aéreo foi rasgar-se contra as árvores”. (Santos Dumont. 1973. p 117)
Dois dias depois, já com o dirigível consertado, levantou voo, elevou-se a mais de 300 metros e conseguiu controlar a aeronave. Na descida, porém, o balão perdeu a rigidez e o “longo cilindro começou a dobrar-se pelo meio, como um canivete” (Santos Dumont. 1973. p 118). Caindo, viu uns meninos que empinavam papagaios de papel. Santos Dumont pediu que eles segurassem a corda guia e que corressem contra o vento. Com isso conseguiu atenuar a queda. A causa do acidente foi, por um lado, a falha da válvula para manter a pressão interna e, por outro lado, o formato alongado do invólucro. Santos Dumont analisou a causa, identificando o problema da válvula, e construiu o N-2 mantendo basicamente a mesma forma. “Antes de subir, eu havia minuciosamente ensaiado as válvulas, trabalho a que dedico atento cuidado sempre que tenho de voar” (Santos Dumont. 1973. P 132). “Minhas válvulas têm sido, desde a primeira experiência, de todos os tipos: algumas muito engenhosas e de ação recíproca; outras, extremamente simples... Fácil é, pois, compreender que, se as válvulas recusam a funcionar bem, o perigo de arrebentamento existe” (Santos Dumont. 1973. p-133)
O N-2 com 26,5 metros de comprimento e um diâmetro de 3.5 metros e um volume de 200 m³, ainda era bastante alongado. “Eu havia notado a insuficiência da bomba de ar, que quase me fora fatal, e acrescentara um pequeno ventilador de alumínio para assegurar ao balão a conservação de sua forma”. (Santos Dumont. 1973. p 138)
No dia 11 de maio de 1899 o N-2 foi cheio de gás no Jardim da Aclimação num dia chuvoso. O invólucro ficou molhado e muito pesado. Ainda assim Santos Dumont decidiu voar: “Mal, porém, me elevei, o mau tempo determinou uma grande contração do gás. E antes que a bomba de ar acudisse ao inconveniente, dobrado pelo forte golpe de vento e pior do que acontecera no N-1, minha aeronave foi-se atirar sobre as árvores próximas” (Santos Dumont. 1973. p 139)
Os acidentes foram fonte essencial para o desenvolvimento dos futuros projetos. Após cada acidente, Santos Dumont fazia uma análise das causas e buscava uma nova solução.
O interesse pelo voo contagiou a imaginação do final do século XIX. O uso de motores a explosão na aeronáutica chamou a atenção dos empresários do petróleo e Henri Deutsh de La Meurthe instituiu um prêmio de 100.000 francos para aquele que, saindo de Saint Cloud, realizasse um voo de ida e volta até a torre Eiffel, símbolo da modernidade industrial, em menos de 30 minutos. Um voo de 11 km, ora com vento a favor, ora com vento contra.
Para poder concorrer ao prêmio, embora fosse o único a conseguir navegar pelo ar, Santos Dumont teve que aumentar a potência do motor, o que implicava num aumento do volume. O N-4 de 1900 tinha 39 metros de comprimento e um diâmetro de 5,1 metros, com um volume de 420 metros cúbicos. Após várias experiências, Santos Dumont abandonou o N-4 e construiu o N-5, introduzindo algumas inovações. Usou o lastro líquido. Passou a utilizar “cordas de piano” de 0,8 mm de diâmetro em substituição das cordas e cabos utilizados até então. “De fato, constatou-se que as cordas de suspensão opõem ao ar quase tanta resistência quanto o próprio balão”. (Santos Dumont. 1973. p 151)
O N-5 aparece no início de 1901. Um dirigível mais robusto que o anterior. Em julho, realiza vários voos de teste. Tem problemas no ar. Mas sentiu-se seguro para se inscrever no prêmio Deutsch de La Meurthe, o maior desafio da época. Tentou sem sucesso no dia 13 de julho. “A aeronave entrou a declinar e foi-se arriar sobre o mais alto castanheiro do parque do Sr. Edmond de Rothschild”. (Santos Dumont. 1973. p 162).
Em 8 de agosto de 1901 tenta novamente, mas logo que decolou ele verificou que uma das válvulas automáticas estava com a mola fraca e o balão perdia hidrogênio. Ainda assim, continuou o voo. Em pouco tempo o N-5 estava caindo no hotel Trocadero. O balão explodiu. Após o acidente, ele analisou as causas e concluiu que o verniz do balão interno não havia secado convenientemente. “Eis o que se ganha com as pressas excessivas!” (Santos Dumont. 1973. p 168). Imediatamente iniciou a construção de um novo dirigível.
(continua em 16 de julho de 2024)
Referência bibliográfica: Santos Dumont, Alberto. 1973. Os Meus Balões. (Tradução do Dans l’Air). RJ. Biblioteca do Exército editora.
* Henrique Lins de Barros é pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas - CBPF/MCTI