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Encontro da SIAC na tríplice fronteira pode garantir planetário na Amazônia
Entre os dias 29 de julho e 03 de agosto, terá início a reunião da Sociedade Interamericana de Astronomia na Cultura (SIAC), que ocorrerá na tríplice fronteira amazônica na cidade de Letícia, na Colômbia, e Benjamin Constant, no Brasil. A coordenadora do evento é a pesquisadora e professora do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), Priscila Faulhaber, com quem conversamos sobre a atividade.
Um dos resultados previstos do evento é que as instituições locais se mobilizem para a instalação de um planetário na região da tríplice fronteira na Amazônia Ocidental. Qual a importância deste projeto para a cultura Astronômica da região?
Na região existe grande interesse em que haja um planetário. Em evento de 2023, organizado pelo museu etnográfico do Centro Cultural de Letícia, do Banco da República da Colômbia, muitas escolas e estudantes se inscreveram e houve muita procura para as atividades de observação do céu. No entanto, trata-se de uma obra custosa e para viabilizá-la será preciso muito investimento público. O presidente dos Planetários de Lima e Nasca (Perú) teria interesse em reunir esforços inicialmente, para levar à área um planetário digital, mas mesmo isso depende de muita articulação entre as instituições estaduais e nacionais de cidades como Tabatinga e Benjamin Constant (Brasil) e Letícia (Colômbia).
Você estudas as relações céu /terra dos povos originários do Brasil. Há correlações entre as cartas celestes de diferentes povos da região? Exemplifique.
Cada povo pode ver figuras muito diferentes nas áreas do céu, mas compõem essas figuras conforme o seu repertório cultural, que inclui os animais e os artefatos como cestos ou instrumentos de caça ou pesca. Ocorre que há áreas do céu mais marcantes por seus asterismos. Por exemplo, durante a estiagem, que ocorre entre maio e setembro, ficam visíveis no céu as estrelas entre o que chamamos “constelação do Escorpião” e “Cruzeiro do Sul”. Os Tikuna veem aí a briga da onça e do Tamanduá, que, segundo eles, ocorre para impedir o eclipse. Nesta mesma área, os povos relacionados à língua Macro Tupi veem a Ema. Também existem coincidências, visto que a chamada língua geral – aparentada com o Tupi – foi emprestada por vários povos, e muitos veem o que chamamos Via Láctea como o Caminho da Anta (Tapirapé) chamada de Tapir em Tupi, e vários povos, inclusive nas proximidades dos Andes, relatam que os animais subiram ao céu por esse caminho e assim formaram as constelações que eles veem hoje. O Stellarium, um software de livre acesso de simulação do céu, permite inserir e reconstituir o movimento de culturas estelares de diferentes povos, que correspondem às suas cosmovisões. No evento, teremos uma oficina de Stellarium. na qual participarão indígenas de diferentes etnias amazônicas (Tikuna, Marubo, Baniwa, Tariana, Conibo), os astrônomos Barthelémy d”Ans (Perú), Ricardo Garcia (México) e uma professora do Museu de Arte Contemporânea da USP, Fernanda Pitta. O objetivo é elaborar grafismos e orientá-los a inseri-los no Stellarium. Aprendendo a manejar o Stellarium, esses representantes indígenas poderão eles mesmos fazer experimentos incorporando ao Stellarium o resultado de observações sistemáticas que vêm sendo realizadas pelos membros dessas etnias sem o uso desses instrumentos.
Qual a importância de aa Astronomia expandir esta observação a partir das variadas culturas? Você acha que durante muito tempo ela ficou fechada em si mesmo?
A Astronomia sempre foi considerada a “mãe das ciências”, mas a partir da resoluções da reunião da União Internacional de Astronomia de 2009, que enfatizaram a importância da democratização do conhecimento astronômico por meios educacionais pela cooperação científica internacional e a necessidade de reconhecer como diferentes culturas percebem o céu, tem pautado maior abertura para as ciências humanas e o reconhecimento da astronomia cultural como um campo interdisciplinar, abrigando diferentes disciplinas, como antropologia, linguística, filosofia e história nos estudos etno e arqueoastrômicos. Embora difícil, essa tentativa de diálogo certamente tem ampliado as colaborações entre disciplinas com premissas e abordagens muito diferentes.
Os simbolismos que os povos identificam na leitura das cartas celestes encontram mais convergências ou divergências entre si?
Quando se trata de povos amazônicos e andinos, é inegável a existência de um repertório cultural comum, ainda que haja diferenças marcantes. Por exemplo, os Tikuna veem cosmos como um “ninho de abelhas” e os Shipibo como um “ovo cósmico”. No entanto, é possível estabelecer correlações. Por exemplo, enquanto os Tikuna veem a briga da onça e do Tamanduá, os Shipibo falam de uma constelação configurada com a briga da Onça e do Veado. Na carta celeste elaborada pela bolsista Rafaela Rocha, vê-se as constelações Tikuna de janeiro (estação chuvosa) e julho (estação de estiagem). As pesquisas com os Tikuna até agora permitiram identificar constelações mais relacionadas à sazonalidade, contudo se espera que com o evento e a capacitação de especialistas indígenas, esse conhecimento possa ser ampliado e poderemos ter uma noção mais ampla da relação entre constelações, cosmologia e estratégias de subsistência face a mudanças climáticas globais.
Os povos originários andinos ou amazônicos despertaram para a leitura astronômica no mesmo período? Quando foi e por que razão?
Os povos originários sempre observaram as estrelas por vários motivos, destacando-se a busca de orientação no mundo para caça, pesca, ou a busca de saber prever o que irá ocorrer para desenvolver estratégias de subsistência. A observação sistemática do céu leva a detectar a passagem do tempo das chuvas por exemplo, para a estiagem. Nas jornadas SIAC participam arqueólogos que fazem datações arqueoastronômicas, mas é preciso observar caso a caso e tenho minhas dúvidas de que possa haver um tempo de origem comum a todos. Por exemplo, as civilizações Maia, Inca e Nasca ou Rapa Nui floresceram em momentos diferentes do tempo e a perda de seu poderio se deu devido a razões diferentes, entre eles a mudança de clima, mas também a guerras e isso variou muito conforme o contexto.
A Astronomia moderna admite, por exemplo, que fenômenos astronômicos possam influir ter influências em temas como enchentes, mudanças climáticas e até outros fenômenos? La Niña e El Niño foram previstos nas observações desses povos originários?
Conversando com especialistas indígenas na viagem de maio para organização do evento da SIAC, eles disseram que têm observado as mudanças no que vem acontecendo ao longo dos anos. Lembram bem que 2011-2012, entre a seca e a cheia do Rio Amazonas, houve uma variação de 20 metros. E comentaram que já sabiam que em 2024 a cheia não seria tão grande, porque o rio já havia parado de encher em maio. Eles têm interesse em participar da reunião, para aprender como lidar com essas mudanças, porque dizem que nos últimos tempos têem ocorrido eventos bastante incomuns, fora do esperado por suas observações. No livro de resumos do evento há trabalhos que analisam mudanças climáticas em diferentes países e poderemos discutir isso durante os seminários.
Em algumas culturas admite-se, por exemplo, uma maior ocorrência de nascimentos de mais bebês em decorrência do ciclo lunar - a lua cheia, por esta ótica, seria um estímulo a este processo biológico. A Astronomia admite este fenômeno ou ele é visto como superstição?
Eu não tenho conhecimento para opinar sobre isso, mas sabemos que a proximidade ou distância da lua da terra altera as marés e muitas vezes o conhecimento tácito de quem observa a passagem do tempo sem uso de instrumentos pode ser mais preciso do que as estimativas em larga escala.
Clique aqui para acessar o livro de resumos do SIAC.
Veja as Cartas Celestes
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