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70 anos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)
Uma trajetória que não é apenas temporal, mas política. Nascida em berço trabalhista e getulista, sobreviveu às tormentas de uma ditadura, redemocratização, virada do milênio e chega aos 70 anos num Brasil que tenta, ainda, conciliar a dualidade "preservação & desenvolvimento". Nos 70 anos de uma das mais importantes instituições de proteção e pesquisa amazônica no país, o INPA, a pesquisadora do MAST, Priscila Faulhaber, foi destacada para conduzir, num livro, a narrativa histórica dos meandros destas histórias. Além dela, a coordenadora de História da Ciência e Tecnologia do Museu, Larissa Medeiros, e a bolsista Elena Welper, contribuíram com sua experiência e conhecimento em três dos cinco capítulos do livro.
Comunicação - Qual o sentimento de poder traduzir a história e a importância do INPA em 137 páginas do livro comemorativo dos 70 anos da instituição: "INPA 70 anos -"Entre Preservação, Patrimônio e Práticas Científicas"?
Priscila Faulhaber - Na época da fundação do INPA, os gestores políticos acreditavam que ciência e desenvolvimento eram indissociáveis e não faltaram vozes que destacaram que o desenvolvimento econômico não iria progredir sem considerar o social e o científico. E que a Amazônia não podia ficar à margem das iniciativas nacionais.
C - Quais foram os principais obstáculos que o INPA enfrentou ao longo da sua implantação, maturação e chegada ao que parece ser a sua melhor idade, 70 anos?
PF - A criação e implementação do INPA estava associada à luta pela promoção do conhecimento científico na Amazônia para modificar as práticas historicamente enraizadas que implicavam a reprodução das desigualdades culturais e que excluem populações inteiras do acesso à educação e ao conhecimento letrado, discriminando também formas iletradas de apreensão do mundo. Obviamente, isso implica enormes obstáculos à proposta de promover a ciência numa região vista como atrasada. E, infelizmente, tais dificuldades persistem nos dias de hoje, quando a instituição completou 70 anos de sua instalação.
C- No primeiro capítulo, em que você divide a narrativa com a também pesquisadora Elena Welper, há um trecho que chega a ser emocionante. É quando um acompanhante do Rei Dom José, diante do esplendor amazônico, diz, em outras palavras: "bastava ao senhor ser Rei da Amazônia para já se tornar Rei de um grande império". Pergunto: É possível, na Amazônia do século XXI, tão visitada e vilipendiada por madeireiros, criadores de gado, garimpeiros e demais exploradores, encontrar aquele lugar que tanto encantou o intendente-geral em 1774/1775?
PF - A idéia de que a Amazônia é um mundo a desvendar e se assenhorear está sempre associada à ideia de fronteira, sendo, contudo, a exploração desmedida a outra face de um suposto paraíso na terra, ou seja, a utopia e a distopia sempre povoaram esse universo fronteiriço.
C - Ao criar o INPA, Getúlio Vargas vislumbrava o risco de a Amazônia tornar-se alvo da cobiça internacional. Haveria interesses no conhecimento e pesquisa nos campos da fauna, flora, bioquímica e antropologia. Você acredita que os esforços empreendidos nestas sete décadas foram suficientes?
PF - Infelizmente, ainda há muito que fazer, independente do que se produziu e acumulou de conhecimento sobre a região. Isso é fascinante, mas também extenuante.
C- No capítulo 3, escrito a quatro mãos com a também pesquisadora, doutora e Coordenadora da História da Ciência do MAST Larissa Medeiros, é exposto um número que sugere a grandeza do trabalho de pesquisa nos 70 anos do INPA: 1,2 milhão de cepas coletadas referentes a mais de 7 mil espécies. Diante da diversidade amazônica podemos considerar estes números suficientemente representativos ou apenas razoáveis diante das potencialidades da região e dos esforços do INPA?
PF - Diante dos mundos amazônicos e a prática científica deve ter consciência de seus limites. O que pode ser conhecido sempre será uma parcela ínfima do que se deve conhecer.
Larissa Medeiros, co-autora do capítulo, acrescentou que os números são representativos e tendem a crescer cada vez mais, "pois o trabalho dedicado da instituição continua". Larissa acrescentou: "De qualquer forma, esses números já posicionam o INPA como uma referência internacional em biodiversidade amazônica. Trata-se de um trabalho incrível, que merece reconhecimento, e espero que tenhamos conseguido retratar um pouco disso no livro. A atividade de coleta, identificação, conservação e proteção é realizada desde a fundação da instituição e conta com a colaboração não apenas de integrantes do próprio INPA, mas também da comunidade local, que possui um profundo conhecimento da Floresta. Juntos, eles apoiam os pesquisadores no processo de identificação e coleta de novas espécies. Além de ampliar o número de espécies catalogadas, o INPA desenvolve um trabalho super relevante ao disponibilizar os dados coletados em bancos de acesso público na internet, facilitando o trabalho de pesquisadores e auxiliando tomadores de decisão ao redor do mundo", explicou.
C - No campo antropológico e pesquisas arqueológicas, o quanto o INPA tem contribuído tendo em vista a riqueza da Amazônia, especialmente no que se refere à cultura indígena?
PF - O INPA vem progressivamente reconhecendo a importância do conhecimento indígena para a produção científica, como eu e a Dra Ana Carla Bruno, pesquisadora do INPA, procuramos demonstrar em um dos capítulos – até o último concurso era a única pesquisadora contratada como antropóloga. Neste ano foi selecionado mais um antropólogo social, o que é ainda muito pouco. Eu participei da banca para essa vaga no concurso de 2024 e conversamos que realmente esse campo carece de ampliação, devendo ser aberto espaço também para a contratação de taxionomistas e especialistas indígenas em um campo de saber infelizmente pouco reconhecido pelas instituições de ensino e pesquisa na região e, todavia, tão necessário. Lamentavelmente, os concursos incluem em seus critérios o manejo de planilhas Excel, mas inexistem indicadores que pontuem positivamente, só para dar um exemplo, a pessoa que sabe subir em árvores ou se orientar na floresta. E isso é imprescindível para as pesquisas biológicas que se fazem no INPA.
Priscila e Larissa concluíram que a garantia de investimento público na pesquisa em ciência e tecnologia é fator fundamental para o prosseguimento das atividades de instituições como INPA para as futuras gerações:
- Fica patente a necessidade de investimento público para a pesquisa em ciência e tecnologia, sobretudo na Amazônia, reconhecendo as vocações locais. Impõe-se também uma política de prevenção de risco para os acervos tão arduamente organizados - disse Priscila.
Na mesma linha, Larissa Medeiros reforçou: "O INPA, como todas as instituições de pesquisa brasileiras, sofre muito com os cortes e falta de apoio. Mas o trabalho não para e não pode parar", disse.