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Os 60 anos do golpe civil-militar foi tema de debate no MAST
O evento, intitulado "60 anos do Golpe de 1964 - Ciência em tempos de ditadura", contou com debates, palestras e um mergulho naquele período quando o país caiu no obscurantismo. A abertura do evento contou com a participação do diretor do MAST, Marcio Rangel, e foi mediado pela pesquisadora Moema Vergara, do MAST e a coordenadora de História da Ciência e Tecnologia, Larissa Medeiros. Rangel falou sobre a importância de espaços públicos, de cultura e pesquisa, estarem abertos e sensíveis para tocar em temas como a ditadura. Também estavam presentes a deputada estadual Dani Balbi (PCdoB), e o Professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC, Luis Manuel Fernandes.
Os anos que antecederam a ditadura penalizaram trabalhadores e o conjunto da população mais pobre e principalmente negra. Este particular foi lembrado e coube a deputada estadual, Dani Balbi. Ela reforçou o quanto a ditadura ampliou as dificuldades sociais no país.
— Havia uma política de entrega de bens nacionais. Das nossas riquezas. Uma hiper exploração do trabalho com prejuízo principalmente para mulheres pretas alijadas das salas de aula e do mercado formal de trabalho - disse a parlamentar.
Luis Manuel Fernandes, disse que não há razão quando parte do público que segue o Museu de Astronomia nas redes sociais manifesta perplexidade por conta da abordagem do tema golpe e ditadura neste debate:
— A gente precisa lembrar que a liberdade acadêmica é um pressuposto da Democracia. E quando cientistas, professores e pesquisadores são boicotados, como ocorreu em 1964 e anos seguintes, este pressuposto é ferido - lembrou.
Luis Fernandes afirmou que há no momento uma tentativa de fazer com que narrativas que condenam o golpe de 1964 se sobreponham à realidade histórica:
— A gente não pode esmorecer. É importante que defendamos sempre o princípio que norteia a democracia para não experimentarmos, novamente, problemas como os vividos durante 21 anos.
O físico e professor de História das Ciências, Ildeu Moreira apresentou imagens e documentos que revelam a identidade de pesquisadores que sofreram perseguição política e administrativa durante a Ditadura Militar. Professor e pesquisador da UFRJ, ele lembrou que a Sociedade Brasileira de Física tentou, sem sucesso, capacitar jovens engenheiros brasileiros para que pudessem trabalhar e desenvolver uma tecnologia própria na área da Energia Nuclear. As tentativas fracassaram porque as gestões iam de encontro com os interesses dos militares.
Doutora em História, Angélica Muller falou sobre a importância da Casa do Brasil, na França, durante a ditadura militar. Centro de debates políticos e efervescência cultural para brasileiros que estudavam ou haviam buscado abrigo no país por conta da ditadura. Angélica lembrou que o clima de liberdade que se vivia naquele espaço tornou-se uma grande preocupação para o governo ditatorial que tentou, por meios diplomáticos, o seu fechamento. Tantas foram as tentativas de interferência do governo militar que, nos anos 1970, a direção da Casa Brasil passou a ser ocupada por dirigentes franceses.
Daniel Elian, coordenador de Gestão do Acervo do Arquivo Público do Estado do Rio, lembrou do "Massacre de Manguinhos", ocorrido no Instituto Oswaldo Cruz, em abril de 1970, quando uma dezena de renomados pesquisadores e cientistas foram perseguidos e demitidos pela ditadura. Elian exibiu documentos que confirmavam a preocupação latente com os projetos desenvolvidos e cientistas no Instituto Oswaldo Cruz (IOC) desde antes do golpe de 1964.
— Foram sucessivos cortes de recursos para inibir a realização de projetos, afastamento de cientistas e a acusação de "práticas subversivas", disse.
O "Massacre de Manguinhos" privou aquele que é um dos mais importantes Institutos de pesquisa científica do país, não apenas de dez cientistas, mas também de 168 professores.
Paulo César Gomes, professor da UFF, defendeu a importância de democratizar a divulgação científica na área da História. Ele desenvolveu um site onde disponibiliza gratuitamente histórias e imagens da ditadura militar no Brasil. Segundo ele, a instalação da Comissão da Verdade, em 2014, foi um marco na disseminação de informações de qualidade sobre a Ditadura Militar:
— Diariamente o Jornal Nacional abria o noticiário falando sobre eventos desvendados ou reproduzidos na Comissão da Verdade, em Brasília.
Para ele, falar sobre o que aconteceu ao Brasil, especialmente aos mais jovens, é fundamental: "a gente estará combatendo o negacionismo e o desconhecimento".
Alfredo Tolmasquim, historiador da ciência do MAST, lembrou do elevado número de cientistas, pesquisadores e professores perseguidos, torturados ou mortos na ditadura. Ele citou nominalmente o caso da professora da USP, Ana Rosa Kocinski, e do seu marido, Wilson Silva, ambos sequestrados, torturados e mortos na Casa de Petrópolis, ou Casa da Morte, como ficou conhecida.
Outro episódio lembrado foi o do jurista e educador Anísio Teixeira, um dos pensadores da Universidade do Distrito Federal, em 1971: ele estava em campanha para ingressar na Academia Brasileira de Letras quando foi morto. O corpo foi deixado no poço do elevador do edifício onde morava o lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda - a quem pediria voto. O abandono do corpo era uma tentativa de simular uma morte acidental. Mas testemunhas afirmaram que Teixeira havia sido sequestrado e torturado no Quartel da Aeronáutica, na Ilha do Governador.
Num balanço sobre o evento, as organizadoras Larissa Medeiros e Moema Vergara avaliaram que ficou a importância de se falar sempre sobre a relação entre ciência e política, por mais difícil que isso seja. Além disso, enfatiza-se o compromisso da Coordenação de História da Ciência e Tecnologia do MAST em contribuir na resistência ao negacionismo histórico em suas ações.