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José Bonifácio e a ciência no Brasil
A imagem de José Bonifácio é atrelada, fundamentalmente, ao processo de independência do Brasil. Seu lado menos conhecido, no entanto, é igualmente relevante para a história do Brasil e para o desenvolvimento das ciências no país. De acordo com o professor de História do Brasil da UFRJ e um dos coordenadores do grupo de pesquisa Laboratório História e Natureza, José Augusto Pádua, José Bonifácio é fundamentalmente um homem de ciência. Com um conhecimento teórico que era único no Brasil, formou-se na Universidade de Coimbra e percorreu diferentes centros acadêmicos europeus por mais dez anos, financiado pela Academia de Ciência de Lisboa, estudando, principalmente, mineralogia. A entrevista foi concedida à historiadora Maria Gabriela Bernardino.
Na avaliação do pesquisador, um dos grandes destaques na atuação de Bonifácio é o uso do conhecimento científico na discussão política e na formulação de projetos políticos. “A grande questão na aproximação entre ciência e política era o manejo do mundo natural, o uso inteligente e ilustrado dos recursos da natureza. Porque ele considerava que a riqueza do território brasileiro, a riqueza natural, era o grande trunfo que o país poderia utilizar para um processo acelerado e marcante de progresso naquele século”, justifica.
Outra preocupação de José Bonifácio era com o desmatamento. “Ele dizia que se desflorestamento continuasse, em menos de dois séculos, o Brasil ficaria reduzido aos desertos áridos da Líbia. E você fala isso em 1823... Não é que ele estivesse à frente do seu tempo, eu acho que ele era um homem profundamente do seu tempo. Do conhecimento iluminista da natureza no seu tempo. Mas ele era, dentro do contexto da sua geração, especialmente perspicaz e inteligente”, analisa Pádua.
Bonifácio também estabeleceu uma causalidade entre a escravidão a questão ambiental. “Não só critica a escravidão e a destruição do mundo natural, mas consegue articular as duas. Segundo ele, com a associação entre disponibilidade de terras florestadas e escravos, os proprietários deixavam terra destruídas para trás e continuavam avançando, queimando novas florestas, utilizando o trabalho dos escravizados”, explica.
Diversos foram os temas dos quais Bonifácio se ocupou: a crítica a maneira predatória e ignorante como a caça às baleias era executada; a descrição do que considerava o miserável estado do rio Tietê, em 1820; o tipo de agricultura, que deveria priorizar a economia de terras e recursos; e também as mudanças climáticas, causadas pelo desflorestamento, que diminuia a umidade e, no limite, levava a uma desertificação do território. “Ele não tinha uma visão romântica de preservação, mas tinha uma visão do uso correto, inteligente. Para que o mundo natural pudesse ser utilizado e não faltasse recursos no futuro, não houvesse desperdício e devastação, que era a sua grande preocupação”, conclui.