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Os 70 anos do CBPF e os institutos de pesquisa do MCTIC
O Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), completou 70 anos de existência em 15 janeiro deste ano, e sua comunidade celebrará essa efeméride em 18 de outubro próximo. Portanto, é um bom momento para refletir sobre os sucessos e reveses da ciência brasileira.
Os sucessos são visíveis e têm grande impacto na qualidade de vida de nossa população. Portanto, é fácil saudá-los. Mas, talvez, seja tão ou mais importante examinar as fragilidades de nosso sistema de Ciência e Tecnologia (C&T), pois, enfrentando-as, poderemos adequar nossa infraestrutura para dar um salto qualitativo em nossa produção científica e tecnológica.
Desnecessário ressaltar, neste momento, a dificuldade de o Estado brasileiro aportar recursos para a C&T, pois o problema é real e bem visível. Isso ameaça nossa C&T, que ‒ apesar disso e por causa de um esforço de décadas ‒ segue competitiva, hoje, em nível internacional. Nosso desafio é ‒ e sempre será ‒ apontar rumos para que ela siga fazendo pelo Brasil o que fez até este momento.
O CBPF foi fundado por um grupo de pessoas preocupadas em modernizar a infraestrutura do Brasil e inspiradas pelo ideal de que ter um parque de C&T robusto seria vital tanto para a expansão econômica do país quanto servir à sociedade. O papel dos cientistas na Segunda Guerra Mundial, bem como o advento da energia nuclear como um tipo de panaceia, foram o motor da fundação do CBPF.
É interessante observar o perfil dos fundadores desta instituição: eram um grupo expressivo das lideranças do país. Nele, encontramos empresários, como César Guinle, Francesco Matarazzo e Euvaldo Lodi; políticos da estirpe de Santiago Dantas e Osvaldo Aranha; militares de alta patente, como Álvaro Alberto da Mota e Silva, Henry Lins de Barros, Edmundo de Macedo Soares e Armando Dubois; intelectuais, do calibre de Augusto Frederico Schmidt e Anísio Teixeira.
E, claro, cientistas, como Joaquim da Costa Ribeiro, Luís Cintra do Prado e os jovens César Lattes, José Leite Lopes e Jayme Tiomno. Mulheres cientistas também estão lá: Maria Laura Mouzinho e Branca Fialho, por exemplo. No quadro dos primeiros integrantes, estavam também, por exemplo, o antropólogo Darcy Ribeiro, o político e ex-militar Renato Archer, o físico Ugo Camerini e nosso grande amigo e matemático Lindolpho de Carvalho Dias.
Ambição e ilustres
O programa inicial do CBPF era ambicioso e incluía, por exemplo, a operação de aceleradores de partículas, equipamentos que passavam a ser parte integrante da física de fronteira à época. Algumas dessas máquinas, por falta de expertise local, foram importadas; outras, projetadas e construídas aqui.
Aquela ambição pode ser ilustrada com base no renome de visitantes que tivemos, por exemplo, em 1953, apenas quatro anos depois da fundação, quando já ocupávamos um edifício no campus da praia Vermelha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (então, Universidade do Brasil). A lista incluía nomes como Richard Feynman, que descreve esse período em sua autobiografia, “Só pode ser brincadeira, Sr. Feynman!”. Outros visitantes não menos ilustres: Robert Oppenheimer, Isidor Rabi, Cecile De Witt, Giuseppe Occhialini e Leon Rosenfeld.
Os fundadores do CBPF seriam, nos anos seguintes, agentes da transformação do cenário científico brasileiro, ao participarem, direta ou indiretamente, da criação de instituições que até hoje são parte da estrutura político-administrativa da ciência no país. Assim, logo depois do CBPF, vieram, por exemplo, o CNPq, a Capes, a CNEN, para ficar em poucos exemplos.
O ponto-chave para essa transformação ‒ até então sem precedentes ‒ foi a percepção de que era preciso criar os alicerces da infraestrutura que, dali em diante, iriam gerenciar e planejar as atividades de nosso cenário de C&T, que já incluía instituições mais antigas que o CBPF, como o Observatório Nacional, o INT e institutos agrícolas e biológicos ‒ estes últimos iriam induzir a criação da Embrapa.
Porém, é a fundação do CBPF que sinaliza tanto a modernização de nossa infraestrutura científica quanto os primeiros passos rumo à expansão do sistema universitário federal, que ganhou momento a partir da década de 1960. No período que se inicia na década de 1950 e se estende pelas duas décadas seguintes, o Brasil é um dos países com maior crescimento econômico no mundo, fenômeno que tem correlação direta com a expansão das universidades e dos institutos de pesquisas.
Agora, 70 anos depois, quando olhamos em retrospecto, podemos identificar o que, em minha opinião, é o calcanhar de Aquiles da C&T brasileira: o crescimento da infraestrutura dos institutos de pesquisas não acompanhou a expansão da pesquisa na universidade, e essa disparidade levou a uma situação que cada vez mais se agrava. Gostaria primeiramente de expor onde está o problema; depois, argumentar sobre o porquê de essa situação ser problemática.
Enfatizando proporções
Costumo ver, em apresentações de colegas cientistas, gráficos que mostram que um dos problemas da C&T brasileira é a falta de pesquisa nas empresas. Esse material, comumente, exibe a proporção entre pesquisadores nas universidades e na iniciativa privada.
O gráfico acima ‒ extraído de Indicadores nacionais de ciência, tecnologia e inovação 2018, do MCTIC ‒ é um exemplo. Nele, pode-se ver que, no Brasil, em 2000, 52% dos pesquisadores estavam nas universidades. Na China, no mesmo ano, esse percentual era de 11%, com 51% deles nas empresas. Em 2014, no Brasil, tínhamos 70% de pesquisadores nas universidades versus 26% nas empresas. Para a China, naquele ano, esses percentuais eram, respectivamente, 19% e 62%.
Mas, em nosso país, o baixo número de pesquisadores nas empresas tem pouco a ver com C&T. Está mais relacionado com coisas que parecem mais complicadas que a mecânica quântica. Aquele baixo número tem a ver com alta taxa dos juros, impostos, custo e qualidade da mão de obra, retorno de investimento etc. Portanto, coisas mais ligadas à política econômica do que à pesquisa científica.
Outro problema daqueles gráficos: neles, nunca é enfatizada a proporção de pesquisadores nas universidades e nos institutos de pesquisas. No Brasil, em 2000, tínhamos mais de sete pesquisadores nas universidades para cada um deles em institutos de pesquisas. De lá para cá, a situação tornou-se muito mais dramática: 23 para um, respectivamente. Na China, onde essa razão mantém-se constante, ela é um para um. Na Alemanha, também em 2000, era de 1,7 e, em 2016, baixou para 1,3.
Mas a China é socialista, país com decisões centralizadas, e a Alemanha tem uma economia muito superior à nossa, diriam alguns. Certo, vamos, então, comparar com uma economia mais similar à nossa. Na Coreia do Sul, aquela proporção é um mero 1,38. Obviamente, não estou dizendo que há excesso de pesquisas nas universidades. Repito meu argumento: o calcanhar de Aquiles é haver um número ridiculamente pequeno de pesquisadores em institutos de pesquisas no Brasil.
Fazemos bem
Dito isso, procede perguntar: quais as diferenças entre fazer pesquisa nas universidades e nos institutos de pesquisas? A maior delas está na característica dessa atividade. Na universidade, ela é feita sob a égide da liberdade acadêmica e tem como objetivo formar gente; nos institutos, ela deve cumprir uma missão e formar gente para poder atender a esse propósito. Há, claramente, alguma superposição, mas essa redundância é saudável.
Essa missão é acordada em seu Plano Diretor e tem vida longa, perpassando governos. Os institutos têm como missões resolver desafios científicos e tecnológicos com que se defronta o país, o que foge ao ethos tanto das universidades, por suas características, quanto das empresas, por não disporem de capacidade humana para tal.
Para abordar esses desafios, é necessário, com frequência, desenvolver tecnologias e processos que não estão disponíveis no mercado. Essa atividade é um excelente mecanismo para o treinamento avançado de jovens pesquisadores e engenheiros, os quais, mais tarde, irão trabalhar no setor privado ou mesmo público, em atividades em que a formação científica e tecnológica é essencial. Essa é a experiência de países com parques tecnológicos avançados e produtivos.
O CBPF tem como padrões de comparação instituições internacionais e renomadas e, nesse universo, tem se saído razoavelmente bem. Nossa produtividade científica está entre as mais altas do Brasil na área de física. Somos o ponto fulcral (backbone) de toda a rede de internet do Rio de Janeiro, atendendo a universidades, outros institutos, agências de fomento, hospitais, serviços públicos e privados, forças armadas. Damos apoio logístico e administrativo a outros institutos. Temos vários laboratórios abertos para uso da comunidade científica. Somos a sede da Rede Nacional para a Física de Altas Energias, do Centro Latino-Americano de Física, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Sistemas Complexos. Nossa pós-graduação ‒ que foi a primeira em física no Brasil e está entre as mais bem avaliadas pela Capes e por outros institutos ‒ já formou mestres e doutores de todas as regiões do país e de grande parte dos países latino-americanos. Promovemos o Mestrado Profissional em Física, com ênfase em instrumentação científica, único no país. Somos um instituto nacional, com ramificações internacionais e convênios com a indústria, como Petrobras, Vale, FIT etc.
Nossa missão é realizar pesquisa básica ‒ e esse é nosso foco principal ‒, mas sediamos e coordenamos o Núcleo de Inovação Tecnológica dos institutos da regional do Rio de Janeiro (NIT-Rio). Nossos estudantes têm sido muito bem-sucedidos em vários hackathons pelo país e ‒ o que talvez surpreenda puristas ‒ organizamos cursos de empreendedorismo para nossos alunos.
Essa excelência é fruto do trabalho de gerações e gerações de cientistas, tecnologistas, técnicos e pessoal administrativo. Ou seja, não surgiu da noite para o dia.
Fazemos bem o que temos que fazer!
Problema alarmante
No entanto, temos um problema bem alarmante que põe em risco até mesmo a existência de nossa instituição: somos pequenos. Já fomos, pelo menos, duas vezes maiores do que somos hoje. Pior: nosso quadro humano tem idade média bastante alta. Traduzindo: podemos perder parte significativa de nossos recursos humanos, pois quase metade dos servidores do CBPF já pode se aposentar. E não há perspectiva de substituí-los e, menos ainda, de expandir nosso quadro, para adequá-lo às necessidades de competitividade internacional da economia brasileira.
Falo do CBPF, mas poderia usar argumentos semelhantes em relação a todos os outros institutos associados ao MCTIC. Temos todos virtudes e problemas, mas estes últimos podem ser facilmente corrigidos com pessoal novo e jovem, bem como com parte de nossas missões mais bem delineada.
Porém, mais do que em outras épocas, vemos, hoje, quadros jovens, com formação sofisticada, indo trabalhar em outros países, e poucos deles com planos de voltar. No passado, o vai e vem de pesquisadores (sempre saudável para uma comunidade científica) incluía muitos estrangeiros. Estamos, agora, numa época de ‘vai’ apenas. Precisamos reverter essa situação.
Mesmo em meio a dificuldades, o CBPF e os outros institutos têm tido apoio do MCTIC.
Mas o tanto o problema quanto a solução residem em outro canto de Brasília.
Apelamos, então, para as lideranças políticas e empresariais de todo o Brasil para que observem o que ocorre nos países desenvolvidos e convençam os economistas, aqueles com responsabilidades no governo, de que ciência não é gasto, é investimento.
Entender a mecânica quântica, talvez, seja mais fácil do que induzir o crescimento do país!
Ronald Cintra Shellard
Diretor
CBPF