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Proclamação da República mudou destino do ON
Durante a 69ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Museu de Astronomia e Ciências (MAST) realizou a palestra "Os acervos do MAST e da Biblioteca da Academia Brasileira de Ciência e o Ecletismo na Construção do Observatório Nacional do Rio de Janeiro", da pesquisadora Márcia Alves. A apresentação, que aconteceu na ExpoT&C, rendeu uma matéria no Jornal da Ciência, abordando o projeto arquitetônico do prédio e suas relações com outros observatórios também construídos no início do século XX.
Proclamação da República mudou o destino do Observatório Nacional, diz pesquisadora
“Em uma época em que o acesso se dava pelo mar, as autoridades poderiam enxergar o prédio ao chegar ao porto”, conta Márcia Alves, do Museu de Astronomia e Ciências Afins. Atividade aconteceu durante 69ª Reunião Anual da SBPC
As reformas urbanas da segunda metade do século 19 reconfiguraram o centro do Rio de Janeiro, onde, até então, se localizava o Observatório Nacional (ON), no morro do Castelo. Com isso, os astrônomos Emmanuel Liais e Louis Cruls encontraram na Fazenda Imperial de Santa Cruz o local ideal para as novas instalações do ON. Mas a Proclamação da República, em 1889, pode ter interrompido o projeto. A suposição está na pesquisa de doutorado da arquivista Márcia Cristina Alves, do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast).
Segundo ela, o então Imperial Observatório do Rio de Janeiro chegou a tirar do papel parte do projeto arquitetônico, em 1885, ao erguer uma construção destinada a pesquisas meteorológicas na área da fazenda. “Aí, quatro anos depois, descartou-se a ideia por conta da distância da capital, já que essa localização passou a ser importante para o Brasil se afirmar como república”, disse a arquivista, nesta quinta-feira (20), em palestra no pavilhão do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) na 69ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Belo Horizonte (MG).
A demolição da sede no morro do Castelo só viria a acontecer em 1922. O astrônomo Henrique Charles Morize liderou o processo de escolha do prédio atual do ON, sobre o morro de São Januário, no bairro de São Cristóvão. “Quando ele tomou a decisão, ressaltou que havia uma tendência mundial de que observatórios se afastassem das cidades por conta da luminosidade”, apontou. “São Januário ganhou preferência por ficar no alto, de frente para a baía, onde havia visibilidade. Dessa forma, em uma época em que o acesso se dava pelo mar, as autoridades poderiam enxergar o prédio ao chegar ao porto.”
De acordo com Márcia, o novo Observatório Nacional teve sua pedra fundamental lançada em 1911, em um descampado de São Januário. “A construção levou 11 anos porque houve burocracias na importação dos instrumentos e, além disso, a Europa se envolveu na Primeira Guerra Mundial”, explicou.
História
A pesquisa de Márcia estuda os projetos arquitetônicos adotados para o ON entre o fim do Império e o início da República, além de estabelecer relações com modelos de infraestrutura na Europa e nos Estados Unidos. Ela planeja analisar, ainda, outros centros astronômicos brasileiros construídos no período, como o Observatório da Escola Politécnica, já demolido, e o próprio Mast, ambos no Rio de Janeiro; a Torre Malakoff, no Recife; e os observatórios das universidades federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, e de Ouro Preto (Ufop) – a ser visitado ainda nesta semana –, no interior mineiro.
O projeto de mudança para a Fazenda Imperial se consolidou na segunda metade do século 19, após visitas do francês Emmanuel Liais e do belga Louis Cruls, diretores do ON. “Como é que se descobriu essa área? Eles já tinham visto vários locais e, um dia, o Cruls pegou um trem para Santa Cruz e, a partir dali, vislumbrou a região, sobre a qual descreveu em relatório: ‘Não há céu mais bonito para a astronomia no Rio de Janeiro.’ Era uma colina onde só passava a linha do trem. Na verdade, o modelo de observatório do século 19 não necessariamente precisava estar no alto”, descreveu Márcia.
A arquivista esclareceu que, na época, havia dois tipos predominantes de relevo para abrigar observatórios: plano, desde que distante das grandes cidades, a exemplo do que fazia a Alemanha; ou em maiores altitudes, ainda assim afastados da luminosidade urbana. A unidade de pesquisa inaugurada em 1922, no morro de São Cristóvão, teve como inspiração o Observatório da Côte d’Azur, em Nice, na França. “Inclusive, quando fui estudar, estranhei o fato de um observatório de modelo francês possuir instrumentos alemães. Acontece que a referência alemã era para Santa Cruz e eles aproveitaram.”
Padrão escolhido por Morize, então diretor, em 1911, o Observatório da Côte d’Azur era particular. “Um banqueiro francês resolveu construí-lo porque acreditava que poderia estar à frente de algo que lhe renderia muito dinheiro”, apontou. “Então, ele contratou dois dos melhores arquitetos de seu país no final do século 19, Charles Garnier e Gustave Eiffel, e uma equipe da Rússia especialista em montar equipamentos de astronomia. Na verdade, existiu uma corrida científica na época. Há registro de pelo menos dois outros casos nos Estados Unidos. Hoje, a infraestrutura de Nice pertence ao Estado francês.”
Em suas buscas, a pesquisadora identificou a localização prevista para o projeto inacabado do ON na Fazenda Imperial. “Partimos de uma planta [arquitetônica] de 1885 e encontramos as ruínas de uma cúpula e um espaço voltado à meteorologia”, informou.
Atualmente, o lugar está dentro do Ecomuseu de Santa Cruz, em uma área aberta a visitações, mas ainda não reconhecida como a “ex-futura sede” do observatório fundado em 1827 por Dom Pedro I.
Matéria publicada no Jornal da Ciência