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QUERO-QUERO CIÊNCIA: Trabalho de Pesquisa do CNPEM utiliza recursos computacionais do Supercomputador Santos Dumont
Um importante trabalho desenvolvido por pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização supervisionada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), publicado como artigo de capa no periódico Nanoscale , que descreve experimento inédito e aprofunda o conhecimento sobre a interação entre celulose e lignina, contou com os recursos computacionais do Supercomputador Santos Dumont do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC).
O CNPEM , organização privada sob supervisão do Ministério da Ciência, tecnologia e inovação (MCTI) opera quatro Laboratórios Nacionais e é o berço do projeto mais complexo da ciência brasileira – Sirius – uma das fontes de luz síncrotron mais avançadas do mundo. Reúne equipes multitemáticas altamente especializadas, infraestruturas laboratoriais globalmente competitivas e abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores em parceria com o setor produtivo e formação de investigadores e estudantes.
A equipe do Serviço de Comunicação Institucional do LNCC esteve em contato com a equipe de comunicação e os pesquisadores do CNPEM que participaram do estudo para entender mais sobre a pesquisa realizada.
Vem com a gente!
Pode nos contar o que motivou a realização da pesquisa?
A biomassa vegetal é um recurso renovável muito abundante, principalmente o tipo de biomassa que chamamos de lignocelulósica. Celulose e lignina são os principais componentes dessa biomassa, a qual constitui a fração estrutural e não comestível das plantas, incluindo todos os tipos de madeiras além de resíduos agrícolas como o bagaço e a palha da cana-de-açúcar, dentre tantos outros. Nós buscamos desconstruir essa biomassa para obtenção de biocombustíveis, bioquímicos e biomateriais. Mas a transformação dessa biomassa é dificultada pela característica que se conhece como recalcitrância.
Em resumo, a recalcitrância deriva de uma série de artimanhas que a natureza desenvolveu para dificultar a degradação da biomassa. Afinal, por ser uma biomassa estrutural, a sobrevivência das plantas depende de manter essa biomassa íntegra, dificultando, por exemplo, ataques por pragas. As origens da recalcitrância estão nas interações que ocorrem na escala nanométrica e molecular, e as interações entre celulose e lignina são peça central desse quebra-cabeças. Para compreender essas interações, equipes do Laboratórios Nacionais de Nanotecnologia (LNNano) e de Biorrenováveis (LNBR) do CNPEM se uniram para realizar esse estudo inédito, aliando experimento, análises por aprendizado de máquina e simulações computacionais para entender a recalcitrância da biomassa vegetal. Dados de microscopia de força atômica (AFM) mostraram diferentes padrões de força de adesão entre a lignina e a celulose e entendê-los é um passo importante para que as etapas de processamento da biomassa e conversão em moléculas de interesse possam ser realizadas com maior eficiência.
A lignina presente na biomassa é uma macromolécula com alta complexidade estrutural, apresentando diferentes blocos de construção unidos entre si por diferentes tipos de ligação. A celulose, embora seja um homopolímero no qual o mesmo tipo de ligação se repete, possui uma estrutura cristalina que, a depender do ambiente químico, pode ter exposta diferentes faces, cada qual com diferentes grupos funcionais, que vão interagir de maneira diferente com outras moléculas.
Neste contexto, as simulações computacionais são ferramentas importantes que nos permitem estudar o arranjo e as interações relevantes entre as moléculas estudadas, a evolução temporal dos sistemas em solução (em determinadas condições termodinâmicas) e também os perfis de energia livre associados à aproximação da lignina às diferentes faces da celulose, que podem ser relacionados às forças de adesão obtidas experimentalmente.
Como foi feito o estudo em questão?
Primeiramente, foi desenvolvido um método para recobrir pontas de microscopia de força atômica (AFM) com lignina. A etapa seguinte consistiu em realizar testes de adesão dessa ponta recoberta incidindo sobre um filme de celulose microfibrilada. Importante destacar que esse experimento é feito em água, reproduzindo as condições aquosas presentes na natureza e no processamento da biomassa. Ao longo dos ensaios, percebemos que havia uma grande variabilidade nos padrões de adesão entre lignina e celulose revelados pelas curvas força-distância.
Essa observação de variabilidade nos motivou a buscar experimentos massivos em dados e análise dos dados com técnicas de aprendizado de máquina. Foram medidas mais de sete mil curvas força-distância e desenvolvemos algoritmos para analisar e dar sentido a totalidade das curvas medidas. Essa abordagem permitiu agrupar as curvas em diferentes padrões de força de adesão. Entender a origem desses diferentes padrões nos levou à etapa seguinte, de simulação das interações celulose-lignina por dinâmica molecular.
O conjunto de simulações foi realizado no LNCC e empregou métodos de dinâmica molecular clássica, que permitem apreciar detalhes atomísticos das interações entre lignina e celulose. Construímos um modelo de lignina contendo 40 monômeros e formando um glóbulo. Para celulose, construímos modelos com quatro diferentes faces cristalográficas expostas ao solvente, cada face com um grau diferente de hidrofilicidade. O glóbulo de lignina foi posicionado a cerca de 4 nm de distância da celulose e cada sistema foi solvatado por 30000 moléculas de água. A aproximação entre celulose e lignina foi estudada com a metodologia Umbrella Sampling, que consiste em realizar várias simulações ao longo da aproximação. O trabalho computacional totalizou 12,8 microssegundos de dinâmica molecular e revelou que a interação da lignina com as diferentes faces da celulose gera padrões de adesão consistentes com o que fora observado experimentalmente.
Quais foram os desafios encontrados no estudo?
O grande desafio do trabalho foi saber lidar com a complexidade do sistema, tanto do ponto de vista do experimento, da análise dos dados e da simulação computacional. Compreender que a partir da variabilidade experimental emergem padrões que podem ser explicados foi um salto não trivial.
Do ponto de vista da simulação por dinâmica molecular, ainda que nosso modelo seja algumas ordens de grandeza menor do que a escala experimental, as estruturas utilizadas possuem elevado grau de complexidade e número de átomos (quase 100 mil). A quantidade de átomos e o tempo de simulação impuseram o uso de métodos baseados em potenciais clássicos que necessitam de parâmetros confiáveis para representar as moléculas e suas interações. A construção inicial das estruturas e a implementação de tais parâmetros foi uma etapa difícil no início do projeto. Dada a necessidade de se utilizar um método de amostragem avançado, outro grande desafio foi encontrar um número de simulações ao longo da coordenada que nos fornecesse perfis de energia livre menos ruidosos, sem que o custo computacional fosse exagerado.
Qual é a importância da pesquisa para a sociedade?
Há uma demanda crescente por energias e materiais renováveis. A utilização da biomassa lignocelulósica que é tão abundante em nosso país é uma oportunidade ímpar de contribuir para um futuro mais sustentável, com redução de impactos ambientais associada à geração de emprego e renda. Ao desvendar os mecanismos moleculares das interações entre celulose e lignina, estamos abrindo novas possibilidade para transformação da biomassa para agregação de valor.
Em particular, o processamento da biomassa emprega etapas de fracionamento, que busca separar seus componentes individuais. O fracionamento por vezes apresenta dificuldades como, por exemplo, a redeposição da lignina na superfície de celulose, que dificulta a conversão enzimática da celulose. O entendimento de como ocorrem essas forças de adesão permite que métodos mais eficientes sejam desenhados e desenvolvidos para aplicação industrial.
A utilização dos recursos computacionais do Supercomputador SD do LNCC foi importante para a realização da pesquisa?
A utilização dos recursos do Supercomputador Santos Dumont foi de extrema importância para a realização do trabalho. As simulações realizadas tiveram alto custo computacional devido à complexidade do problema e dos modelos estudados. De maneira geral, para cada simulação individual, pudemos contar com a utilização de 192 CPUs (o equivalente a 8 nós computacionais), o que viabilizou as simulações em tempo hábil para análise e interpretação dos resultados em harmonia com os trabalhos experimentais. A estrutura e o poder computacional do SDumont permitem que diversos grupos do Brasil realizem trabalhos com alto grau de complexidade em um tempo viável.
Para conhecer mais sobre o estudo: https://cnpem.br/microscopia-avancada-analise-de-dados-e-simulacoes-de-dinamica-molecular-revelam-detalhes-ineditos-da-adesao-de-lignina-a-celulose/
Autores
Diego M. Nascimento, Felippe M. Colombari, Bruno Focassio, Gabriel R. Schleder, Carlos A. R. Costa, Cleyton A. Biffe, Liu Y. Ling, Rubia F. Gouveia, Mathias Strauss, George J. M. Rocha, Edson Leite, Adalberto Fazzio, Rodrigo B. Capaz, Carlos Driemeier e Juliana S. Bernardes
Créditos
Anmily Paula Martins (SECIN-LNCC) com a participação de Equipe do CNPEM, Gustavo Martins Moreno, assessoria de comunicação; e os pesquisadores Diego M. Nascimento, Felippe M. Colombari, Bruno Focassio, Gabriel R. Schleder, Carlos A. R. Costa, Cleyton A. Biffe, Liu Y. Ling, Rubia F. Gouveia, Mathias Strauss, George J. M. Rocha, Edson Leite, Adalberto Fazzio, Rodrigo B. Capaz, Carlos Driemeier e Juliana S. Bernardes; colaboração de Graziele Soares (SECIN-LNCC) e Tathiana Tapajós (SECIN-LNCC)
O Quero-Quero Ciência é um ciclo de entrevistas que faz parte das ações de divulgação científica do LNCC
Curiosidade: O pássaro Quero-Quero, ave da família dos Charadriidae, tem os gramados do campus do LNCC como habitat natural
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