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PONTO MEMÓRIA: PROTAGONISMO DE CIENTISTAS NEGROS
Em 21 de março é celebrado o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial instituído pela ONU, que marca o reconhecimento das lutas e conquistas da população negra, resguardando o exercício dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais.
Sobre o protagonismo de cientistas negros, é importante destacar que a cultura negra contribuiu e contribui com a ciência, a tecnologia e a inovação, cujo registro histórico data de 3.000 anos a.C.
Em Descolonizando o pensamento: Ciência e Tecnologia Africana e Afrodescendente, artigo escrito por Carlos Eduardo Dias Machado e Ana Carolina dos Santos Ferreira, os pesquisadores ressaltam que “começando por volta de 3000 a.C, os antigos africanos desenvolveram um inovador sistema de numeração de caráter decimal e orientaram seu conhecimento de geometria para resolver problemas práticos, como os de topógrafos e construtores. Desenvolveram um calendário oficial que continha 12 meses, 30 dias cada e 5 dias no final do ano, base do calendário gregoriano ocidental. Com base nos papiros médicos escritos entre 2500-1200 a.C. os antigos norte-africanos acreditavam que a doença exigia tratamentos com drogas, terapias de cura, cirurgias e rituais.” (SESC, 2022, on line )
Do Egito antigo herdamos: “linguagem, escrita, pecuária criação de burro e cavalo, bois e vacas, em agricultura o hábito de fazer pão usando fermento, bebidas fermentadas, plantação de uva, fabricação de vinho, queijo, cerveja e churrasco; na astronomia o calendário utilizado até os dias atuais, matemática de base 10; geometria, na engenharia a rampa, origem da química derivada da palavra kemet; medicina mumificação e origem da moderna neurociência e empirismo”; ressalta o pesquisador Carlos Eduardo Dias Machado, mestre em História Social pelo departamento de História da Universidade de São Paulo (USP)
Em um breve apanhado geral, o Prof. Machado lista “Notáveis Cientistas Africanos e Afrodescendentes”, tais como : “ Hesy Re (~ 3000 a.C.), egípcio, o primeiro dentista da história e o primeiro a estudar a diabetes; Merit Ptah (2700 a.C.), cientista egípcia, considerada a primeira médica registrada do mundo; Imhotep (2650-2600 a.C.), polímata egípcio, especialista em diversas áreas, construtor da primeira pirâmide, engenheiro, primeiro filósofo da história, médico, estadista sacerdote, foi elevado a deus da inteligência, o primeiro humano no panteão dos deuses egípcios e foi adorado por milênios; André Rebouças (1838-1898), engenheiro brasileiro, professor da área e responsável pela construção de estradas de ferro, portos, docas, obras de saneamento. Como engenheiro militar inventou o torpedo, foi abolicionista e é considerado o pai da engenharia brasileira; Granville Tailer Woods (1856-1910), engenheiro elétrico e mecânico autodidata afroamericano com mais de 50 patentes. É responsável pela invenção do transmissor de telefone, sistema ferroviários, sistema de metrô, montanha-russa dentre outras invenções. Em sua época era chamado de “O Thomas Edison negro”. George Washington Carver (1865-1943), botânico estadunidense desenvolveu centenas de produtos baseado na noz pecã, batata doce, soja e amendoim; Jane Cooke Wright , (1919-2013) foi uma oncologista estadunidense pioneira que ajudou a elevar a quimioterapia como opção de tratamento para pacientes com câncer; Bertin Nahoun (1969-), engenheiro beninense e empresário da Medtech especialista em robótica cirúrgica criou o robô Rosa especializado em cirurgias cerebrais; Sonia Guimarães , primeira mulher negra PhD em física do Brasil e especialista em mísseis no ITA em São José dos Campos; Joana D´Arc Félix de Souza, pós-doutora em química orgânica de Harvard, trabalha na ETEC de Franca e desenvolveu pele humana artificial a partir da pele de porco a preço acessível e é especialista em resíduos sólidos”.
Protagonismo de Cientistas Negros
Distorções nas narrativas da trajetória da humanidade, ainda ofuscam o reconhecimento do protagonismo negro na ciência, tecnologia e inovação, em função dos valores eurocêntricos fortemente arraigados.
Dada a importância em ressaltar a representatividade negra na ciência, e aproximando às áreas do conhecimento do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), lembramos das contribuições da pesquisadora Katherine Johnson, Matemática, Física e cientista americana que atuou como “computador humano” da NASA (National Aeronautics and Space Administration) e auxiliou em projetos que levaram astronautas à órbita da Terra e à lua, realizando cálculos matemáticos a mão para os pesquisadores daquela organização; e de Phillip Emeagwali, cientista nigeriano, matemático e doutor em computação científica, responsável pelo experimento em utilizar 65 mil processadores para inventar o computador mais rápido do mundo, capaz de realizar 3,1 bilhões de cálculos por segundo.
No LNCC, destacamos os pesquisadores Roberto Pinto Souto , Doutor em Computação Aplicada pelo INPE e Marcelo Trindade dos Santos, Doutor em Física pela USP, que nos trazem suas contribuições sobre o protagonismo negro na ciência, de acordo com suas vivências.
Observadas as linhas de pesquisa e os projetos em desenvolvimento, destaca-se que o Prof. Marcelo Trindade atua em Modelagem Computacional em Biologia de Sistemas, vem desempenhando atividades de pesquisa em diversos projetos colaborativos, tais como: Modelagem da rede de regulação gênica em Staphylococcus aureus, em colaboração com a profa. Marisa Nicolás e a bolsista do nosso PCI Maiana Costa; Planejamento de novos fármacos contra patógenos clínicos, coordenado pelo prof. Laurent Dardenne; Análise dos ciclos em redes metabólicas, em colaboração com o prof. Maurício Kritz; Modelagem de bactérias multirresistentes, projeto multi-institucional, coordenado pelo prof. Fabrício Silva da FIOCRUZ – RJ; e Estudo das bases moleculares das comorbidades associadas ao desenvolvimento de COVID-19 grave, projeto multi-institucional, coordenado pelo prof. Fabrício Silva da FIOCRUZ - RJ.
O Prof. Roberto Souto, atua na área de Computação, especificamente em Processamento de Alto Desempenho (PAD), com atividades relacionadas a melhoria no tempo de execução de softwares científicos. Atualmente, destaca seu envolvimento em um projeto relacionado à área de óleo e gás, e de outro voltado para um novo modelo numérico para previsão do tempo e clima. Em ambos os projetos, o enfoque é na pesquisa para obtenção de eficiente desempenho computacional.
Racismo no campo científico: diálogo e enfrentamento
O diálogo permanente é um dos principais caminhos para combater o racismo no campo científico, além de estimular o enfrentamento ao preconceito e a discriminação em sociedade.
Como reflexão para o reconhecimento e a permanência de diversos grupos étnico-raciais em várias áreas do conhecimento, em especial relacionado às ciências, o pesquisador Marcelo Trindade, traz elementos importantes à discussão ao mencionar o racismo como um fenômeno histórico.
Na sua opinião, “o Racismo Científico estabeleceu-se no pensamento ocidental no período em que floresceu o Iluminismo. Naquele tempo, a escravidão era um dos pilares da economia, da política e da vida social. A crença na superioridade intelectual, moral e cultural da raça branca em relação à raça negra era uma convicção plenamente estabelecida entre os pensadores e cientistas, que elaboraram, durante os séculos XVII e XIX, um sem-número de teorias justificando o que consideravam ser um fato da natureza (pesquise na internet por citações racistas de importantes pensadores do Iluminismo, como Immanuel Kant, David Hume e Voltaire, por exemplo. O resultado costuma ser instrutivo) .
O Racismo Científico contribuiu fortemente para a segregação racial estabelecer suas raízes extremamente profundas na nossa sociedade. Hoje, o racismo se manifesta de maneira mais camuflada, mas nem sempre menos efetiva. Na minha opinião, o combate ao racismo deve ser feito de maneira sistêmica, através de políticas públicas que minimizem a segregação e cerceamento da população negra, garantindo sua inclusão, uma vez que no Brasil, esta segregação se estabeleceu também através de políticas públicas, como a proibição, por força de lei, para negros se alfabetizarem ou adquirirem terras. É uma questão de reparação histórica.
Lançar luz sobre este assunto, como estamos fazendo neste “Ponto Memória”, já é um fato localmente relevante. Trazer à tona o racismo camuflado no nosso dia a dia e tirar os véus que o escondem é uma iniciativa importante. Falar sobre ele é sempre importante: Deixar de tratar o racismo como se ele não existisse é um primeiro passo para combatê-lo.”
Para o Prof. Roberto Souto, a questão está também nas raízes sociais, mencionando que “na realidade, o campo científico padece com o racismo estrutural da sociedade como um todo, onde aí sim ocorre a dificuldade da enorme maioria dos negros em ter acesso a uma educação de qualidade, que permita o ingresso às melhores universidades e, consequentemente, a um ambiente acadêmico onde se produz e se “respira” ciência. Felizmente, eu pude estudar em escola da (na época) excelente rede pública de ensino estadual na minha cidade natal, Porto Alegre, o que me proporcionou acesso a uma educação formal de muita qualidade.”
Aumento do número de pesquisadores negros em C, T &I
Dados sobre raça e cor só começaram a ser coletados pela CAPES a partir de 2017 . Em um levantamento realizado em 2020, foram coletados dados relacionados aos titulados em instituições públicas e privadas pela plataforma Sucupira. Conforme autodeclaração de raça e cor, nos programas de pós-graduação stricto sensu, dos 80.1115 diplomados, foi possível identificar que: 2.746 de cor preta; 9.909 de cor parda; 508 de cor amarela; 154 da raça indígena e 30.818 de cor branca, 10.772 não declararam e 25.208 não há informação. ( FAPESP , on line)
Sobre a observação de aumento no número de pesquisadores negros em C,T&I, ainda que abaixo do desejado face a desigualdade racial, o Prof. Roberto ressalta que “as políticas públicas de ações afirmativas, como as cotas em universidades pública, tiveram papel relevante para isso”, alterando o perfil dos estudantes nas universidades ampliando o percentual de alunos pretos, pardos, indígenas e de baixa renda.
“Nas últimas duas décadas, estamos vendo, nas Universidades públicas, um aumento significativo no número de estudantes negros, devido à reserva de cotas para estudantes egressos do ensino médio das escolas públicas. Vale ressaltar que o estudante cotista, verifica-se, não tem desempenho acadêmico inferior ao estudante que ingressa pela ampla concorrência, além de ser menos propenso à evasão escolar. Acredito que a médio ou longo prazo este aumento no número de estudantes negros deva impactar também o número de pessoas negras nas carreiras de C, T & I. Mas, por enquanto, ainda não vi isso acontecer”; complementa Prof. Marcelo Trindade.
Desigualdade no número de cientistas negros em C,T&I: ações que podem ser realizadas
Para o Prof. Marcelo Trindade, “este problema deve ser tratado pela base, na formação dos estudantes das escolas públicas do ensino fundamental até o ensino médio. No ensino superior, ele acredita que expor para os estudantes, de maneira mais veemente, a possibilidade de seguir a carreira acadêmica, pode ter algum impacto. Até muito pouco tempo a carreira de C, T & I não seria nem vislumbrada, pela maioria da população negra no Brasil. Hoje, com mais amplo acesso à Universidade pública, já ter perspectivas diferentes.”
“É muito importante promover a melhoria constante na qualidade da escola pública. Este é o caminho. E ampliar a divulgação científica no país, fazendo chegar ao maior número de pessoas a excelente ciência produzida pelos pesquisadores brasileiros, popularizando de fato a ciência em todos os estratos sociais”, destaca o Prof. Souto. O pesquisador reforça ainda que, “a diversidade e representatividade são valores que cada vez mais vem se consolidando como pilares essenciais para a evolução sustentável da sociedade, tornando-a mais justa e igualitária, no sentido de haver oportunidades iguais para todos. E a sociedade científica pode, e deve, ser um exemplo e fomentador deste ideal, o que a deixará ainda mais forte, pujante e, por que não, popular.”
Para concluir, sem esgotar o tema em debate, o pesquisador Marcelo Trindade, pontua que “o racismo no Brasil não é uma questão que contrapõe negros e brancos, tampouco trata-se apenas um desvio de caráter do indivíduo racista. É uma questão muito mais fundamental, o racismo é um elemento estruturante da nossa sociedade (ver “Racismo Estrutural” - Silvio Almeida). Uma de suas características mais perniciosas, além de estar via de regra camuflado, é que o indivíduo negro aprende desde a mais tenra infância, por todos os meios que a vida social permite, que seus valores como pessoa são depreciados em relação aos valores do indivíduo branco. Os padrões de referência para o bom intelecto, beleza física, pureza e retidão moral, religiosidade, bom caráter e a nobre arte são os do indivíduo branco. Ao negro, desde muito pequeno, é ensinada (sem que ele se dê conta disso) a sua inferioridade, o que traz consequências nefastas para a sua subjetividade. Acredito que levantar este assunto e discuti-lo publicamente, fazendo-o ser observado, já é uma ação bastante relevante.”
Recomendamos a leitura:
Cientistas Negros: https://www.geledes.org.br/tag/cientistas-negros/
Ciência, Tecnologia e Inovação africana e afrodescendente:
https://www.portalafro.com.br/ciencia-tecnologia-e-inovacao-africana-e-afrodescendente/
Para crianças e jovens :
Identificamos o projeto da Revista em Quadrinhos “Entrevistas Além do Tempo” pela USP Acesse: Entrevistas Além do Tempo
Entrevistas além do tempo [livro eletrônico] / Roteiro Carlos Antonio. Teixeira, Vicente de Paulo Granieri. - São Paulo, SP: Relevos. Borges, 2021. 56 p. : il.
Meninas e Mulheres na Ciência , Revista em Quadrinhos; Projeto de Carlos Antonio Teixeira, Vicente de Paulo Granieri e Waldomiro de castro Santos Vergueiro, São Paulo, SP. Relevos Borges, 2021.
Sobre : A história de uma garota negra que sonha em ser cientista. A personagem debate com os colegas a presença feminina no campo da ciência nacional e destaca nomes, como o de Enedina Alves Marques, primeira mulher negra formada em engenharia civil no país.
Acesse: https://educapes.capes.gov.br/handle/capes/597144
Créditos
Anmily Paula Martins (CM-LNCC), Genilda Machado Roli (CM-LNCC), Simone Santana Elias (CM-LNCC) com a participação dos pesquisadores Marcelo Trindade dos Santos(LNCC) e Roberto Pinto Souto(LNCC).
Colaboração
Graziele Soares (SECIN-LNCC), Tathiana Tapajós (SECIN-LNCC)
O Ponto Memória, pontuando ciência , é uma divulgação do Centro de Memória do LNCC
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