Notícias
Ponto Memória: Ciência e Folia
É fascinante observar como o carnaval, uma festa tão ligada à expressão artística e cultural, pode ser um veículo para a divulgação científica e a reflexão sobre a presença da ciência em nossas vidas cotidianas. Através dos enredos das escolas de samba, baseados em conteúdos científicos, o carnaval pode proporcionar uma oportunidade única para educar e conscientizar o público sobre temas científicos importantes.
Ao incorporar elementos da ciência em seus desfiles, as escolas de samba não apenas apresentam um espetáculo visualmente deslumbrante, mas também oferecem uma plataforma para discutir questões relevantes, como mudanças climáticas, preservação ambiental, avanços tecnológicos, entre outros temas científicos. Essa abordagem pode despertar o interesse e a curiosidade do público em relação à ciência, incentivando uma maior conscientização e entendimento sobre o papel que a ciência desempenha em nossas vidas.
Além disso, o carnaval, sendo uma festa popular e altamente participativa, tem o poder de alcançar uma ampla audiência, incluindo pessoas de diferentes origens socioeconômicas e níveis de educação. Isso significa que a divulgação científica durante o carnaval tem o potencial de atingir um público diversificado e promover uma cultura científica mais inclusiva e acessível.
A história do carnaval começa lá atrás, cerca de 600 a 520 a.C., quando os gregos realizavam cultos para os deuses em agradecimento pela fertilidade do solo e produção dos alimentos. Esses momentos de festividade inspiraram o carnaval e foi sofrendo adaptações, segundo os moldes da igreja católica como um ritual festivo de preparação à Quaresma até a Páscoa, fazendo parte do calendário religioso cristão em memória à crucificação e à ressurreição de Jesus Cristo.
No Brasil, a primeira manifestação carnavalesca foi o Entrudo (século XVI), um conjunto de brincadeiras típicas das aldeias da Península Ibérica ligado a práticas socioculturais da Europa pré-cristã. Os Entrudos resumiam-se em três dias de festas que antecediam a quaresma.
O carnaval foi sofrendo influências políticas, sociais e econômicas até ter a estrutura atual, que começou a ser lapidada no início do século XX, com a expansão urbana e a criação de novos bairros nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. As novas ruas largas foram os palcos escolhidos para os desfiles carnavalescos e muitos foliões já se divertiam pelas ruas, cantando músicas que falavam de temas de saúde, descobertas científicas, inovações tecnológicas, corpos celestes e histórias de grandes cientistas.
Em relação aos temas de saúde, no início do século XX, doenças como a peste bubônica, a varíola e a febre amarela eram um problema no Rio de Janeiro, e para combater as epidemias, foram instituídas campanhas sanitárias que pregavam várias medidas, entre elas, a eliminação dos ratos. E a situação virou versos no carnaval de 1904, composta pelo músico da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro Casimiro da Rocha e letra de Claudino Costa, que satirizava a campanha de desratização da cidade do Rio de Janeiro, implantada por Osvaldo Cruz, entre 1903 e 1907, para erradicar a peste bubônica - doença transmitida por meio das pulgas alojadas nos roedores.
A ciência chegou também à avenida nos grandiosos desfiles das escolas de samba no carnaval de 1947. Uma das primeiras escolas a trazer o tema para o seu desfile foi a Estação Primeira de Mangueira com o samba-enredo “Brasil, ciências e artes” de Carlos Cachaça e Cartola. Um dos homenageados na música foi o físico brasileiro César Lattes (1924-2005), codescobridor do méson-π (méson pi) que deu início a estudos que ajudaram a entender melhor o mundo dos átomos (unidade básica da matéria).
Nos desfiles das escolas de samba, sabemos que várias vezes temas científicos se tornaram enredos e, em 2000, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) comemorou cem anos de existência e seu fundador, o médico-sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917), foi homenageado pela escola de samba Em Cima da Hora, do Rio de Janeiro, com o enredo “Oswaldo Cruz, a saga de um herói brasileiro” dos compositores Marcos, Julio César, Antonio da Primavera e Sérgio, e interpretada por Tiãozinho Cruz.
Ao longo do século XX, a ciência foi inspiração por muitos anos e os desfiles tratavam de temáticas variadas até que, em 2004, a escola de samba Unidos da Tijuca, do Rio de Janeiro, levou para a avenida o enredo “O sonho da criação e a criação do sonho: a arte da ciência no tempo do impossível”, dos compositores Jurandir, Wanderlei, Sereno e Enilson, e interpretação de Wantuir. O carnavalesco Paulo Barros trouxe para o desfile um enredo que falava dos avanços da ciência, destacando-se a alegoria, cuja atração era a presença de bailarinos que formavam uma espiral, representando o DNA. E o desfile contou ainda com a participação de pesquisadores e cientistas como, por exemplo, o físico Marcelo Gleiser e Roald Hoffmann, Prêmio Nobel de Química, e Antonio Carlos Pavão, químico e diretor do Espaço Ciência de Pernambuco.
A composição “Vou te passar a Zika!”, de Carlos Fernando Cunha, foi tema sobre a epidemia de zika em 2016. A doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti foi identificada em 2015 no país, sendo declarado estado de emergência em saúde pública na ocasião.
No campo da pesquisa científica, uma vacina contra o vírus da Zika foi desenvolvida com o auxílio do supercomputador Santos Dumont, instalado na sede do LNCC, em Petrópolis (RJ). O trabalho de simulação computacional foi desenvolvido pelo estudante de doutorado em Química, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Danilo Fernandes Coêlho, sob a supervisão do pesquisador Roberto Lins, do Departamento de Virologia do Instituto Aggeu Magalhães (IAM) da Fundação Oswaldo Cruz em Pernambuco (Fiocruz Pernambuco), que também coordenou o projeto de alocação computacional intitulado “Engenharia de Proteínas e Biomiméticos com Potencial em Diagnóstico e Vacinal para os Vírus Dengue e Zika”. O trabalho foi publicado no periódico Nature Communications com o título Rational Zika vaccine design via the modulation of antigen membrane anchors in chimpanzee adenoviral vectors
A ciência continua sendo pauta de muitas canções carnavalescas e o bloco Discípulos de Oswaldo, formado por trabalhadores da Fiocruz, cantavam a marchinha de carnaval em conscientização contra a Covid-19 “Xô Covid” que no seu verso diz “vai no posto vacinar”, composta por Barata, Tadeu, Dé, Pessanha, Júlio Lucena e Cristiano Pescador.
No meio científico, o Laboratório de Bioinformática do LNCC publica um artigo que propõe o uso de uma ferramenta desenvolvida para analisar dados da COVID-19, denominada EpiCurator, para a seleção mais acurada de epítopos, a partir das informações genéticas do novo coronavírus. Epítopos são fragmentos das proteínas virais que podem aumentar a imunidade do indivíduo, ajudando no combate à COVID-19.
Além das escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo que já trouxeram diversos enredos com pitadas científicas, o bloco carnavalesco “Com Ciência na Cabeça e Frevo no Pé”, de Recife (PE), desde 2005, desfila pelas ruas de Olinda e Recife, homenageando com boneco gigantes cientistas ilustres, tais como o físico alemão Albert Einstein (1879-1955), o inventor brasileiro Alberto Santos Dumont (1873-1932), o físico pernambucano José Leite Lopes (1918-2006) e o naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), estimulando o contato dos foliões com representantes da história da ciência.
No país, algumas experiências fazem uso da mistura da ciência e da arte. O carnaval é uma delas, assim como também o teatro, a música, a dança etc. O objetivo principal do carnaval é proporcionar diversão aos foliões, e nestes últimos anos, os carnavalescos têm contado com o apoio de cientistas que consideram a divulgação científica fundamental, trazendo à tona questões que dão mais visibilidade à ciência.
Ao reconhecer a presença da ciência no carnaval e aproveitar essa oportunidade para promover a divulgação científica, podemos fortalecer o vínculo entre arte e ciência, demonstrando que esses dois campos aparentemente distintos podem se complementar e enriquecer mutuamente.
No carnaval, fique de olho nos enredos, pois podem trazer algumas referências às pesquisas científicas.
Divirta-se e caia na folia com ciência!
Esta divulgação conta com informações do InVivo do Museu da Vida Fiocruz: https://www.invivo.fiocruz.br/historia/marchinhas-ciencia-no-samba/
Para saber mais sobre o tema, acesse o artigo “O carnaval populariza a ciência?”: https://revistas.iel.unicamp.br/index.php/edicc/article/view/4079
Créditos
Anmily Paula Martins (CM-LNCC), Genilda Machado Roli (CM-LNCC), Graziele Soares (SECIN-LNCC), Tathiana Tapajóz (SECIN-LNCC)
O Ponto Memória é uma divulgação do Centro de Memória do LNCC
Faça parte da memória da instituição! Tem algum material e quer compartilhar? Navegue pelo site do Centro de Memória e veja como: https://memorialncc.com/
Imagem
O Globo
Serviço de Comunicação Institucional
secin@lncc.br