Processo de revisão de propostas duplamente anônimo
Até o dia de hoje, o processo de revisão das propostas submetidas à Comissão Brasileira de Programas do Gemini (CBPG) tem sido realizado da forma tradicional. Nesse esquema, os solicitantes enviam seus projetos durante a chamada regular de submissão de propostas e na reunião semestral da CBPG, o, mérito científico/técnico das diferentes propostas são avaliadas por revisores anônimos. Isso significa que os autores das propostas não conhecem os nomes dos seus avaliadores. Esse anonimato é em uma única direção, já que os avaliadores, desde o primeiro momento, conhecem a identidade dos seus avaliados.
Diversos trabalhos e estudos prévios têm analisado a classificação de propostas de vários observatórios identificando efeitos sistemáticos (nível de experiência, filiação e gênero do PI ou da equipe proponente) no processo de revisão (Carpenter, 2020, PASP, 132, 024503; Reid, 2014, PASP, 126, 923; Patat, 2016, arXiv:1610.00920). Para garantir que o processo de avaliação dos diferentes projetos seja o mais justo e imparcial possível, a maior parte dos grandes observatórios (i.e., ESO, Chandra, HST, ALMA) tem adotado o processo de revisão duplamente anônimo (DARP, do inglês dual anonymous review process). Nesse esquema, a equipe que elaborou a proposta não conhece a identidade dos revisores assim como os revisores não conhecem a identidade da equipe autora do projeto. Embora os proponentes precisem inserir seus nomes e afiliações na proposta, essa informação não aparecerá na folha de rosto do pedido de tempo nem nos questionários de avaliação usados pelos revisores. Portanto, é responsabilidade dos proponentes garantir que o anonimato seja preservado ao redigir suas propostas.
O Observatório Gemini está fortemente empenhado em garantir que o processo de revisão de propostas seja o mais justo e imparcial possível. Por isso, a partir do próximo semestre (2022A), vários parceiros (Argentina, Brasil, Canadá e EUA) confirmaram a adoção do DARP como parte do mecanismo de avaliação das propostas enviadas aos seus respectivos escritórios. No caso do Brasil, o semestre 2022A será de teste, já com planos de implementação plena em 2022B.
A revisão duplamente anônima não significa a aceitação de propostas de equipes anônimas. Como nos semestres anteriores, os proponentes ainda devem inserir os nomes e afiliações de todos os investigadores no formulário de proposta de Fase I (PIT). No entanto, nomes e afiliações não estarão visíveis nas versões geradas para a primeira fase da revisão da proposta. Para tornar este primeiro estágio anônimo, os proponentes devem aderir aos seguintes requisitos nas seções de texto da proposta (resumo, justificativa científica, desenho experimental e desenho técnico).
1. Não reivindicar propriedade de trabalhos anteriores, por exemplo, "meu trabalho anterior detectou (Fulano de tal) ..." ou "Nosso trabalho (Fulano de tal et al.)".
2. Não incluir os nomes dos membros da equipe associada à proposta ou suas afiliações. Isso inclui, mas não está restrito a cabeçalhos de página, rodapés, diagramas, figuras ou marcas d'água. Referências a trabalhos anteriores devem ser incluídos sempre que relevante (ver abaixo).
3. As citações são uma parte essencial da demonstração de conhecimento do campo e do seu progresso.
Ao citar referências dentro da proposta, use a terceira pessoa neutra na redação. Por exemplo, substitua frases do tipo "como mostramos em nosso trabalho [17], …" por "como mostrado anteriormente [17], …” Esse exemplo se aplica especialmente a autoreferências. Ainda, não faça referências a campanhas prévias de observação realizadas no Gemini ou em outros observatórios por você ou pela equipe que permitam a identificação dos autores. Por exemplo, em vez de escrever "Pretendemos observar outro agrupamento, semelhante àquele proposto no programa #XXXXX," escreva " O programa #XXXXX observou este alvo no passado ... ".
4. Dependendo do projeto, pode ser importante citar conjuntos de dados de acesso exclusivo, software não público, dados não publicados ou descobertas que foram apresentadas previamente em palestras,mas não possuem uma referência bibliográfica oficial. No esquema convencional, a sua citação pode revelar os investigadores na proposta. Nesses casos, os proponentes devem usar a linguagem tal como "obtida em comunicação privada" ou "de consulta privada" quando se refere a tal trabalho.
5. Não inclua agradecimentos ou o número do projeto sob o qual obteve financiamento.
6. Exemplos de textos escritos em forma anônima são apresentados no final deste texto.
É necessário esforço dos autores para tornar anônimos seus pedidos de tempo. Como os exemplos acima mostram (veja mais exemplos abaixo), a gramática e a estrutura devem ser diferentes daquelas utilizadas em submissões anteriores da mesma proposta. Dedique tempo suficiente para preparar o caso científico e o desenho experimental, especialmente se você planeja reenviar uma proposta de um semestre anterior. Nesse caso, os proponentes devem redigir frases que descrevam trabalhos prévios realizados na área e como isso irá melhorar ou concluir o trabalho anterior com o novo conjunto de dados.
Exemplos de textos para propostas duplamente anônimas
Texto escrito no modo antigo, não-anônimo de uma proposta:
“Over the last five years, we have used infrared photometry from 2MASS to compile a census of nearby ultracool M and L dwarfs (Cruz et al, 2003; 2006). We have identified 87 L dwarfs in 80 systems with nominal distances less than 20 parsecs from the Sun. This is the first true L dwarf census – a large-scale, volume-limited sample. Most distances are based on spectroscopic parallaxes, accurate to 20%, which is adequate for present purposes. Fifty systems already have high-resolution imaging, including our Cycle 9 and 13 snapshot programs, #8581 and #10143; nine are in binary or multiple systems, including six new discoveries. We propose to target the remaining sources via the current proposal.”
Abaixo, o mesmo texto, redigido seguindo as diretrizes de texto anônimo:
“Over the last five years, 2MASS infrared photometry has been used to compile a census of nearby ultracool M and L dwarfs [6,7]. 87 L dwarfs in 80 systems have been identified with nominal distances less than 20 parsecs from the Sun. This is the first true L dwarf census – a large-scale, volume-limited sample. Most distances are based on spectroscopic parallaxes, accurate to 20%, which is adequate for present purposes. Fifty systems already have high-resolution imaging, including the Cycle 9 and 13 snapshot programs, #8581 and #10143; nine are in binary or multiple systems, including six new discoveries. We propose to target the remaining sources via the current proposal.”
Um outro exemplo de texto extraído de uma proposta convencional:
“In Rogers et al. (2014), we concluded that the best explanation for the dynamics of the shockwave and the spectra from both the forward-shocked ISM and the reverse-shocked ejecta is that a Type Ia supernova exploded into a preexisting wind-blown cavity. This object is the only known example of such a phenomenon, and it thus provides a unique opportunity to illuminate the nature of Type Ia supernovae and the progenitors. If our model from Rogers et al. (2014) is correct, then the singledegenerate channel for SNe Ia production must exist. We propose here for a second epoch of observations which we will compare with our first epoch obtained in 2007 to measure the proper motion of the shock wave.”
A seguir, o mesmo texto, reformulado de acordo às normas de anonimato:
“Prior work [12] concluded that the best explanation for the dynamics of the shockwave and the spectra from both the forward-shocked ISM and the reverse-shocked ejecta is that a Type Ia supernova exploded into a preexisting wind-blown cavity. This object is the only known example of such a phenomenon, and it thus provides a unique opportunity to illuminate the nature of Type Ia supernovae and the progenitors. If the model from [12] is correct, then the single-degenerate channel for SNe Ia production must exist. We propose here for a second epoch of observations which we will compare with a first epoch obtained in 2007 to measure the proper motion of the shock wave.”
Informação sobre a equipe e dados relevantes
Para 2022A, o formato do anexo pdf que os autores carregam no PIT com o caso científico, desenho experimental, justificativa técnica, etc, não sofrerá mudança. Igualmente, a informação sobre o PI (nome, afiliação) e dos co-autores que é adicionada no PIT pelos autores da proposta permanece na mesma posição inicial dos semestres anteriores. De fato, quando o PI gerar o pdf, a capa da proposta será similar àquela dos semestres anteriores. Contudo, no Escritório Nacional do Gemini será utilizado um script nos arquivos .xml das propostas submetidas de modo que o pdf gerado tira da folha de rosto a informação sobre o PI e a equipe autora da proposta. Esse será o pdf que vai ser repasado aos avaliadores da parte técnica e científica.
Portanto, mesmo que o PIT e o anexo pdf com o caso científico e técnico não tenha mudanças, a equipe autora da proposta deve redigir a proposta em terceira pessoa neutra, mantendo o nome do PI e da equipe no anonimato, conforme explicado nas seções anteriores e nos exemplos a seguir.
Normas para joint-proposals submetidas a partir de 2022A
Astrônomos brasileiros que pretendam submeter joint-proposals em 2022A devem ter especial cuidado na hora de redigir suas propostas já que alguns parceiros não serão tolerantes em relação às regras de anonimato das propostas. Esse é o caso do Canadá, que rejeitará propostas que não sigam rigorosamente o novo esquema. Por exemplo, um pedido de tempo elaborado por um PI brasileiro que inclua um colaborador canadense e solicite tempo de observação do Canadá deverá estar plenamente adaptado ao DARP estabelecido por esse país. Caso contrário, a sua proposta será rejeitada pelo TAC do Canadá. Os Estados Unidos podem ser lenientes com propostas que não se ajustam completamente ao novo esquema, mas de modo geral, não aceitarão propostas que não sigam as regras de anonimato. Argentina, assim como o Brasil, testará o DARP em 2022A. Ambos os países são cientes que será um semestre de treinamento e podem ser lenientes com eventuais falhas na redação das propostas. Nesse caso, o parecer final mencionará explicitamente os erros de redação encontrados para evitar repetir as falhas em submissões futuras. Porém, o entendimento é que autores que não mostrem nenhum esforço na redação em terceira pessoa dos projetos submetidos podem ter seus pedidos de tempo penalizados no ranking de classificação.
É importante mencionar que o DARP já foi implementado no Gemini no caso de propostas enviadas no modo Fast Turnaround. Pesquisadores brasileiros que desejem obter tempo de observação no contextodas chamadas mensais do FT devem submeter seus pedidos completamente anônimos para garantir que estes possam ser analisados. Outros observatórios internacionais tais como HST, Chandra, ALMA e SOFIA têm adotado também este sistema. Ainda, empresas editoras tais como a IOP Publishing, que publica o The Astrophysical Journal, The Astrophysical Journal Supplement Series e The Astronomical Journal, estão no processo de adoção do DARP. O grupo editorial Elsevier já está igualmente utilizando esse processo em vários dos seus periódicos. O motor principal dessa mudança é sempre o mesmo: garantir aos autores que o processo de revisão por pares está focado na ciência e não na equipe autora do pedido de tempo ou artigo.
Se você deseja saber mais sobre o DARP
Listamos, a seguir, informações adicionais sobre o DARP. Mais exemplos para a redação de textos anônimos podem ser encontrados nesse material on-line.
https://help.almascience.org/kb/articles/what-is-dual-anonymous-peer-review-and-how-do-i-adhere-toit
https://publishingsupport.iopscience.iop.org/double-anonymous-faqs/