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SPIRou examina um jovem rebelde: o sistema planetário AU Mic
SPIRou, o novo espectropolarímetro / velocímetro de alta precisão recentemente instalado no Telescópio Canadá-França-Havaí (CFHT) de 3,6 m, permitiu medir a massa e a densidade de um planeta do tamanho de Netuno em órbita ao redor da estrela jovem e extremamente ativa denominada AU Microscopii (AU Mic). As medições também mostraram que este planeta quente, denominado AU Mic b, encontra-se em uma órbita alinhada com o eixo de rotação de sua estrela. Esta é a primeira vez em que mediram-se a massa e a densidade de um planeta tão jovem. Estes resultados fazem parte de um esforço internacional para desvendar as propriedades deste sistema planetário jovem recém-descoberto, envolvendo em particular o IRAP / CNRS, IAP / CNRS, IPAG / CNRS e CFHT.
O instrumento SPIRou permitiu medir pela primeira vez a massa do planeta em torno da estrela jovem AU Mic, descoberto pela sonda espacial TESS / NASA através da observação de eclipses regulares que este planeta quente (~ 300 ° C) do tipo Netuno realiza a cada 8,46 dias, causando uma redução do brilho da estrela ao passar na frente do disco estelar. A partir destas novas medidas da massa planetária (de ~ 17 vezes a massa terrestre) realizadas com o SPIRou, e do raio do planeta (de ~ 4 vezes o raio da Terra) obtido a partir dos trânsitos observados pelo TESS, a equipe foi capaz de estimar a densidade do planeta, sendo um pouco maior do que a densidade da água, ou seja, cerca de 4x menor do que a da Terra e surpreendentemente semelhante à densidade do planeta Netuno. No entanto, este sistema planetário possui apenas 22 milhões de anos, representando um bebê de alguns meses se colocarmos este tempo na escala do tempo de vida de um ser humano. Estes novos resultados impõem fortes restrições aos tempos característicos de evolução nos modelos de formação e migração planetária.
Legenda: Ilustração artística da anã vermelha jovem eruptiva AU Mic (à esquerda) e de seu recém-descoberto planeta AU Mic b (à direita) com o disco de detritos que deu origem ao planeta ao fundo.
Credito : NASA-JPL/Caltech
https://exoplanets.nasa.gov/resources/2237/flares-of-fury-poster/
Por ser muito jovem, a anã vermelha de baixa massa AU Mic é extremamente ativa, com manchas gigantes em sua superfície em comparação aos seus análogos solares, abrigando campos magnéticos intensos. Em tal contexto, detectar o pequeno sinal induzido pelo planeta imerso em um ruído causado pela atividade estelar, que pode ser mais de dez vezes mais intenso, torna-se um desafio instrumental e observacional, que o SPIRou foi capaz de enfrentar com brilhantismo graças às suas capacidades velocimétricas e polarimétricas únicas. Essa façanha exigiu uma análise detalhada dos dados do SPIRou com técnicas numéricas complexas que revelaram o sinal planetário por meio de modelagem precisa dos fenômenos magnéticos que operam na superfície da estrela jovem. AU Mic b torna-se assim o primeiro planeta cuja massa e densidade média são medidas de forma confiável com SPIRou, e o primeiro planeta jovem para o qual essas quantidades são conhecidas.
Ao observar AU Mic durante a passagem do planeta em frente ao disco estelar, o SPIRou também foi capaz de estimar a inclinação da órbita planetária, que mostrou-se bem alinhada com o plano equatorial de sua estrela hospedeira (um resultado também confirmado por outros instrumentos como o ESPRESSO no VLT / ESO). A órbita alinhada de AU Mic b é uma ilustração perfeita do que a teoria prevê: planetas gigantes se formam longe da estrela e migram rapidamente para suas proximidades por interação gravitacional entre o planeta em formação e o disco de detritos. Medidas do campo magnético estelar obtidas com o SPIRou durante o trânsito permitiu, notavelmente, uma confiabilidade maior na determinação da inclinação da órbita planetária.
Legenda: Para entender melhor a formação das estrelas e seus planetas, é fundamental descobrir se a órbita do planeta está alinhada com relação ao plano equatorial de rotação da sua estrela hospedeira. Nossos novos resultados mostram que esta inclinação é pequena no caso do planeta gigante AU Mic b, em acordo com modelos recentes de formação planetária em discos protoplanetários.
Credit : R Cardoso Reis (IA/UPorto)
https://phys.org/news/2016-09-stellar-mimic-misaligned-exoplanets.html
O sistema AU Mic:
AU Mic é uma estrela jovem localizada a apenas 32 anos-luz da Terra, na constelação do Microscópio. Com a metade da massa do Sol e uma temperatura de apenas 3.500 ° C (em comparação aos 5.500 ° C do Sol) é classificada como uma "anã vermelha". AU Mic tem 22 milhões de anos, apenas alguns meses se você comparar a vida de uma estrela (cerca de 10 bilhões de anos) com a de um ser humano. Em 2018 e 2020, a sonda espacial TESS / NASA detectou variações periódicas no fluxo luminoso de AU Mic, o que foi atribuído à presença de um planeta em trânsito na frente do disco estelar. Este planeta tem um diâmetro cerca de 4 vezes maior do que o da Terra e leva apenas 8,46 dias para completar uma órbita em torno de sua estrela. A estrela AU Mic também é conhecida por possuir um disco de detritos em órbitas bem mais distantes do que a órbita do planeta, representando vestígios do disco protoplanetário que deu origem à esse planeta. Estruturas móveis neste disco foram detectadas e atribuídas à presença de outros planetas no sistema AU Mic. Devido à sua idade jovem, a estrela hospedeira gira 5 vezes mais rápido do que o Sol, o que a torna extremamente ativa e magnética, com frequentes erupções extremamente energéticas. Devido ao seu brilho intenso no infravermelho observado pelo SPIRou, AU Mic oferece grandes perspectivas no que diz respeito a futuras observações para investigar planetas orbitando estrelas ativas, sendo este um laboratório ideal para testar novos métodos de detecção.
SPIRou no CFHT:
SPIRou é o novo espectropolarímetro e velocímetro de alta precisão recentemente instalado no telescópio CFHT de 3,6 m, localizado no topo do vulcão Maunakea no Havaí. Utilizando a mesma técnica velocimétrica que já propiciou a descoberta de centenas de exoplanetas, o SPIRou é capaz de detectar sinais periódicos induzidos por planetas orbitando suas estrelas hospedeiras e, assim, medir as massas dos planetas detectados. O SPIRou também é capaz de realizar ao mesmo tempo uma análise polarimétrica da luz estelar, permitindo aos astrônomos detectar e caracterizar o campo magnético das estrelas hospedeiras e medir os níveis de atividade estelar que poluem os dados velocimétricos. Operando no infravermelho próximo (de 0,95 a 2,55 µm), o SPIRou foi otimizado para detectar planetas e mapear campos magnéticos de estrelas jovens e maduras de baixa massa, que são mais brilhantes neste domínio espectral. Os desempenhos instrumentais e as capacidades científicas do SPIRou foram apresentados em 2 artigos recentes do consórcio científico internacional (Donati et al 2020, Moutou et al 2020) com base no comissionamento inicial do instrumento e em dados científicos do SPIRou.
Legenda: Foto do espectrógrafo / espectropolarímetro SPIRou, instrumento utilizado para os resultados dessa pesquisa, sendo instalado no telescópio Canadá-França-Havaí em 2018. O SPIRou é um instrumento criogênico resfriado a -200 ° C que precisa ser termicamente regulado a um nível de estabilidade extrema de 0,001 ° C para ser capaz de detectar planetas como AU Mic b.
Credit : SPIRou team / S Chastanet (CNRS / OMP)
http://spirou.irap.omp.eu/Gallery2/Photos
Detectando planetas com SPIRou:
Velocimetria é uma técnica que mede a velocidade radial das estrelas (que é a velocidade das estrelas ao longo da linha de visada do observador), usando o efeito Doppler de uma forma semelhante àquela utilizada em radares de velocidade. O objetivo é detectar flutuações periódicas na velocidade radial das estrelas, com a amplitude das flutuações dependendo particularmente da relação de massa entre o planeta e a estrela, das suas respectivas distâncias e da inclinação e forma da órbita do planeta. AU Mic b induz uma velocidade radial na estrela com amplitude de ± 8,5 m / s, em uma escala de tempo regular de 8,46 dias. Ao mesmo tempo, a atividade magnética na superfície de AU Mic induz mudanças na velocidade radial aparente de até ± 80 m / s em intervalos de poucos dias.
A equipe de descoberta:
A equipe que desenvolveu essa pesquisa inclui cientistas do IRAP / CNRS (B Klein, JF Donati, C Moutou), do IAP / CNRS e LNA / MCTI (E Martioli, G Hébrard, S Dalal), do IPAG / CNRS (X Delfosse, X Bonfils) e de vários outros países / parceiros envolvidos no projeto SPIRou (em particular Canadá e CFHT), muitos dos quais também participaram na construção, validação e comissionamento do instrumento SPIRou. Estes estudos se beneficiaram de financiamento do ERC (European Research Council, projeto número # 740651 NewWorlds) e do ANR (Agence Nationale de la Recherche, projeto número ANR-18-CE31-0019 SPlaSH). O SPIRou foi financiado por um consórcio internacional envolvendo a França, Canadá, CFHT, Suíça, Brasil, Taiwan e Portugal.
Referências:
- Klein, Donati, Moutou et al, 2020, MNRAS in press
- Martioli, Hébrard, Moutou et al, 2020, A&A 641, L1
- Donati, Kouach, Moutou et al, 2020, MNRAS 498, 5684
- Moutou, Dalal, Donati et al, 2020, A&A 642, 72
Contatos :
CNRS/INSU : B Klein, JF Donati & C Moutou (IRAP), E Martioli (IAP/LNA) & G Hébrard (IAP)
Contato no CFHT: mary@cfht.hawaii.edu
SPIRou web site @ IRAP/OMP : http://spirou.irap.omp.eu
Material complementar da descoberta de AU Mic b: