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Equipe brasileira formada por pesquisadores das unidades de pesquisa do MCTI faz as primeiras observações que podem melhorar a compreensão dos astrônomos sobre os buracos negros e a evolução das galáxias em que se encontram
Denimara Dias dos Santos, estudante de doutorado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), sob a orientação de Alberto Rodriguez-Ardila e em colaboração com Swayamtrupta Panda, Murilo Marinello, pesquisadores do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), faz a primeira detecção inequívoca de um disco de acréscimo ao redor de um buraco negro supermassivo. Essas observações expandem a compreensão dos astrônomos sobre os fascinantes buracos negros e as galáxias em que se encontram.
Ao olhar para a imagem de uma galáxia, pode-se ter a falsa impressão que essas estruturas sejam bastante serenas. Mas, na verdade, o centro de muitas galáxias é um ambiente turbulento, com um buraco negro supermassivo que se alimenta ativamente. Ao redor desses objetos incompreensivelmente densos encontra-se um disco de acréscimo em rotação formado pelo gás, que alimenta o buraco negro e que emite grandes quantidades de energia ao longo de todo o espectro eletromagnético.
No entanto, é impossível obter imagens diretas dos discos de acréscimo, devido às distâncias extremas entre si e seus tamanhos relativamente pequenos. Para obter essas imagens, os astrônomos usam os espectros de luz emitidos de dentro do disco para caracterizar seu tamanho e comportamento. Usando essa abordagem, os pesquisadores fizeram a primeira detecção de duas linhas de emissão no infravermelho próximo no disco de acréscimo da galáxia III Zw 002, colocando um novo limite para o tamanho dessas magníficas estruturas.
Os astrônomos usaram o telescópio Gemini Norte, do Observatório Gemini, consórcio internacional em que o MCTI é o signatário brasileiro.
O telescópio Gemini Norte, localizado perto do cume de Maunakea, no Havaí, com suas portas de ventilação abertas enquanto se prepara para observações noturnas.
Crédito: Observatório Internacional Gemini/NOIRLab/AURA/J da NSF. Pollard
Para compreender essas observações, é preciso primeiro estabelecer o que são as linhas de emissão e o que elas dizem sobre as regiões em torno dos buracos negros supermassivos.
As linhas de emissão ocorrem quando um átomo em estado excitado cai para um nível de energia mais baixo, liberando luz no processo. Como cada átomo possui um conjunto único de níveis de energia, a luz emitida possui um comprimento de onda discreto que atua como uma impressão digital identificando sua origem. As linhas de emissão geralmente aparecem nos espectros como riscos verticais finos e nítidos. Mas no vórtice rodopiante de um disco de acréscimo, onde o gás excitado está sob a influência gravitacional do buraco negro supermassivo e se movimenta a velocidades de milhares de quilómetros por segundo, as linhas de emissão se alargam consideralmente. A região do disco de acréscimo onde essas linhas se originam é chamada de região de linhas largas (BLR, do Inglês Broad Line Region).
Como afirmado anteriormente, é extremamente difícil obter imagens diretas dos discos de acréscimo, sendo que em apenas duas fontes tem sido possível fotografar esse ambiente graças à alta capacidade de resolução angular do Event Horizon Telescope. Sendo assim, salvo o acesso a uma rede global de radiotelescópios, como é que os astrónomos sabem quando um buraco negro supermassivo tem um disco à sua volta? A evidência de um disco de acréscimo pode ser encontrada em um padrão específico de linhas largas em emissão chamado perfil de duplo pico.
Como o disco está girando, o gás de um lado se afasta do observador, enquanto o gás do outro lado se move em direção ao observador. Esses movimentos relativos esticam e comprimem as linhas de emissão em comprimentos de onda mais longos e mais curtos, respectivamente. O resultado é uma linha ampliada com dois picos distintos, um originando-se de cada lado do disco girando rapidamente.
Desenho artístico de um buraco negro supermassivo com um disco de acréscimo orbitando-o. As anotações mostram um perfil hipotético de duplo pico com setas indicando onde se origina cada pico na BLR.
Crédito: NOIRLab/NSF/AURA/P. Marenfeld
Esses perfis de duplo pico são um fenómeno raro, uma vez que a sua ocorrência é limitada a fontes que podem ser observadas quase de frente. Nas poucas fontes em que foi observado, o duplo pico foi encontrado nas linhas H-alfa e H-beta – duas linhas de emissão de átomos de hidrogênio que aparecem na faixa de comprimento de onda visível. Originárias da região interna da região da BLR perto do buraco negro supermassivo, essas linhas não fornecem nenhuma evidência sobre o tamanho do disco de acréscimo na sua totalidade. Mas observações recentes no infravermelho próximo revelaram a porção externa da BLR que nunca tinha sido vista antes.
A equipe brasileira fez a primeira detecção inequívoca de dois perfis de duplo pico no infravermelho próximo na BLR de III Zw 002. A linha Paschen-alfa (hidrogênio) se origina na região interna BLR, e a linha de O I (oxigênio neutro) tem origem na periferia da BLR, região nunca observada antes. Esses são os primeiros perfis de duplo pico encontrados no infravermelho próximo e detectados durante as observações com o espectrógrafo GNIRS (do Inglês Gemini Near-Infrared Spectrograph).
Vista lateral do GNIRS montado no telescópio Gemini Norte.
Crédito: Observatório Gemini/NOIRLab/AURA/J NSF. Pollard
Observações realizadas em 2003 de III Zw 002 no visível revelaram evidências de um disco de acréscimo, e um estudo de 2012 encontrou resultados semelhantes. Em 2021, Rodriguez-Ardila e sua equipe decidiram complementar essas descobertas com observações no infravermelho próximo usando o GNIRS, que é capaz de observar todo o espectro do infravermelho próximo (800–2500 nanômetros) de uma só vez. Outros instrumentos exigem que o usuário alterne entre vários filtros para cobrir a mesma faixa, o que pode ser demorado e potencialmente introduzir incertezas à medida que as condições atmosféricas e as calibrações mudam entre as observações.
Como o GNIRS é capaz de fazer observações simultâneas em múltiplas bandas de luz, a equipe conseguiu capturar um único espectro limpo e calibrado de forma consistente, no qual foram revelados vários perfis de duplo pico. “Não sabíamos anteriormente que o III Zw 002 tinha esse perfil de duplo pico, mas quando reduzimos os dados vimos o duplo pico muito claramente”, disse Rodriguez-Ardila. “Na verdade, reduzimos os dados muitas vezes pensando que poderia ser um erro, mas sempre vimos o mesmo resultado emocionante.”
Essas observações não só confirmam a previsão teórica de um disco de acréscimo, mas também avançam a compreensão dos astrônomos sobre a BLR.
“ Pela primeira vez, a detecção de tais perfis de duplo pico impõe restrições firmes à geometria de uma região que de outra forma não seria possível resolver”, disse Rodriguez-Ardila. “E agora temos evidências claras do processo de alimentação e da estrutura interna de uma galáxia ativa.”
Ao comparar essas observações com modelos teóricos existentes de discos de acréscimo, a equipe conseguiu extrair parâmetros que fornecem uma imagem mais clara do buraco negro supermassivo e da BLR da galáxia III Zw 002.
O modelo indica que a linha Paschen-alfa se origina em um raio de 16,77 dias-luz (a distância que a luz percorre em um dia terrestre medida a partir do buraco negro supermassivo), e a linha de O I se origina em um raio de 18,86 dias-luz. Também prevê que o raio externo da BLR é de 52,43 dias-luz. O modelo também indica que a BLR da III Zw 002 tem um ângulo de inclinação de 18 graus em relação aos observadores na Terra, e o buraco negro supermassivo no seu centro tem 400-900 milhões de vezes a massa do nosso Sol.
“ Esta descoberta nos dá informações valiosas sobre a estrutura e o comportamento da BLR nessa galáxia em particular, lançando luz sobre os fenômenos fascinantes que acontecem em torno de buracos negros supermassivos em galáxias ativas,” disse Rodriguez-Ardila.
Após essa descoberta, Denimara Dias dos Santos, Alberto Rodríguez-Ardila, Swayamtrupta Panda e Murilo Marinello monitoram a III Zw 002, uma vez que se espera que o seu disco de acréscimo siga um padrão de precessão em torno do buraco negro supermassivo. Eles querem ver como os perfis das linhas mudam com o tempo, uma vez que a precessão causa intensidades diferentes nos picos azuis e vermelhos. Até agora, o modelo permanece consistente com as suas observações. Esses resultados também abrem a possibilidade de usar a detecção no infravermelho próximo para estudar outras galáxias semelhantes.
Traduzido e adaptado de FENSKE, Josie. Accretion Disks: How Big Are They Really? Disponível em: < https://noirlab.edu/public/blog/accretion-disks/ >.