Geral
Um conhecimento construído ao longo de 200 anos
Na terceira palestra do Simpósio Von Martius, a pesquisadora Rafaela Forzza mostrou como são constituídas as coleções botânicas e por que são importantes.
Um trabalho minucioso, que exige longas viagens e esforço físico, mas que é recompensado por descobertas científicas e pela oportunidade de conhecer as paisagens e as pessoas do "Brasil profundo". No que concerne às expedições, a vida dos naturalistas há 200 anos, quando Carl Von Martius chegou ao nosso país, não é muito diferente da que levam os botânicos nos dias de hoje. Foi isso que o público presente no Museu do Meio Ambiente, em 1 de novembro, pôde constatar.
Na palestra Martius, do campo ao herbário: patrimônio científico, patrimônio nacional, a pesquisadora do JBRJ Rafaela Campostrini Forzza falou sobre o cotidiano dos pesquisadores nas expedições de coleta de amostras da biodiversidade brasileira. Ela fez uma comparação entre o exercício dessa atividade hoje e no Século XIX, apresentando relatos e ilustrações presentes nos livros e anotações de Martius e Spix, bem como suas próprias fotos, memórias, anotações de campo e objetos utilizados nas expedições.
Se agora os botânicos podem contar com aviões e carros para as distâncias maiores, em vez de viajar montados em mulas, por outro lado, as longas caminhadas para coletar as amostras de plantas, os acampamentos, o contato com os habitantes locais, as travessias de barco pelos rios amazônicos, os insetos, as técnicas de tratamento das amostras a serem transportadas e, sobretudo, o encantamento, são fundamentalmente os mesmos. "Muito do que Martius viu, muito do Brasil profundo, continua lá e nós ainda podemos encontrá-lo, principalmente na Amazônia, apesar do rápido processo de destruição que ocorre hoje", disse Rafaela.
E para que serve todo esse esforço e investimento de coletar? "Gestores desde a antiguidade sabem que conhecimento é poder", observou a palestrante, lembrando que as expedições realizadas no Brasil antes do Século XX eram financiadas por governos estrangeiros: "fazer coleções com fins de conhecimento é prática comum no hemisfério norte há muito tempo".
O resultado disso é que os maiores acervos sobre plantas de todo o mundo se encontram em herbários europeus e nos EUA. O herbário de Kew, na Inglaterra, por exemplo, tem mais de 8 milhões de exsicatas (amostras de plantas secas). O Brasil tinha 115 herbários no final do século XX e atualmente conta com 200. Os mais antigos são o Herbário R, do Museu Nacional, e o Herbário RB, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, este último o maior do país, com cerca de 750 mil amostras.
O material recolhido nas expedições e armazenado nos herbários respondem a várias questões sobre as plantas: qual o nome científico correto a ser aplicado a uma espécie, que espécies ocorrem em dado território, qual o seu padrão de distribuição, qual o seu grau de endemismo, que áreas são prioritárias para conservá-las, entre outras perguntas que os pesquisadores de diferentes áreas, os tomadores de decisão e o público podem se fazer.
Em sua viagem pelo Brasil, Martius coletou quase 6 mil amostras de plantas e, graças a seu contato com outros naturalistas, levou daqui 12 mil amostras. Seu herbário pessoal chegou a contar com 300 mil exsicatas de diferentes países, a maior parte obtida por meio de doações. Quando ele morreu, a maior parte dessa coleção foi para o herbário do Jardim Botânico de Munique e outra parte foi vendida para o herbário de Bruxelas. Mas as duplicatas estão espalhadas pelo mundo todo, inclusive no RB.
Essa coleção permitiu a Martius organizar, com colaboradores, a primeira flora de todas as espécies brasileiras conhecidas até então, a Flora brasiliensis, com as descrições de 22 mil espécies, e que levou 66 anos para ficar pronta, sendo publicada após a morte do naturalista. Mas o esforço de gerações de botânicos para ampliar o conhecimento sobre a diversidade florística brasileira continua.
Já no Século XXI, o Herbário Virtual Reflora, projeto do CNPq coordenado pelo JBRJ, repatriou digitalmente as imagens e dados de mais de 1 milhão de amostras de plantas brasileiras que estão em herbários no exterior. O projeto está digitalizando e disponibilizando online também as exsicatas de 57 instituições brasileiras. Isso está possibilitando a elaboração da Flora do Brasil 2020, projeto que deve, até o fim desta década, publicar online as descrições, chaves de identificação e imagens das agora mais de 40 mil espécies de plantas brasileiras conhecidas.