Geral
Plantas têm diferentes estratégias para enfrentar a seca
Flavia Natércia, para jbrj.gov.br
A escassez de água que caracteriza a estação seca das regiões onde o clima é sazonal representa uma fonte de estresse para as plantas. Espécies decíduas de planta, que perdem suas folhas no outono ou no inverno, evitam a seca, ao passo que as espécies sempre verdes têm uma série de características que lhes possibilitam tolerar a escassez de água. É o que verificaram pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, da Universidade Estadual de Campinas e da Universidade Federal Rural de Pernambuco em um fragmento florestal em Pentecoste (CE). O estudo foi publicado na
Rodriguésia Revista do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, volume 66 nº 1
, de 2015.
O fragmento estudado fica na caatinga, ambiente sazonalmente seco. Os pesquisadores mediram e analisaram em 22 espécies de arbustos e árvores (17 decíduas e 5 sempre verdes) nada menos que 17 traços funcionais de suas folhas, que duram de cinco a seis meses nas primeiras e mais de 11 meses nas últimas. Esses traços são características desses vegetais consideradas importantes para as maneiras como respondem ao ambiente e/ou influenciam o funcionamento da comunidade onde vivem. Dentre eles, 12 eram de caráter morfofuncional (relativos à forma/função), quatro fisiológicos (referentes ao funcionamento do organismo das plantas) e um fenológico, ou seja, referente a eventos que acontecem sazonalmente e à relação desses eventos com fatores ambientais.
Tanto nas decíduas quanto nas sempre verdes houve um conflito entre as demandas impostas por duas necessidades fisiológicas: tolerar/evitar a seca e fazer fotossíntese para produzir energia. A longevidade foliar se correlacionou negativamente com a taxa de fotossíntese por unidade de massa. Isso significa que quanto maior a intensidade da atividade fotossintética, menor é a duração das folhas.
Nas espécies decíduas, a equipe verificou maior taxa de fotossíntese por massa, menor longevidade foliar e menor massa foliar específica do que nas sempre verdes. Assim, esses traços foram considerados chave para prever o tipo de estratégia que as plantas usam contra a seca. Os pesquisadores esperavam que as plantas decíduas fossem menos conservativas no uso da água do que as sempre verdes, por combinarem crescimento rápido com uma assimilação de carbono elevada e uma alta taxa de transpiração. Mas, para surpresa da equipe, nas espécies sempre verdes também foi alta a assimilação de carbono em relação à área das folhas. "No entanto, quando observamos essa assimilação de carbono por unidade de massa foliar, fica claro que a assimilação de carbono é muito maior nas espécies decíduas com folhas maiores e pouco espessas do que nas espécies sempre verdes com folhas pequenas e muito espessas", conta Bruno Cruz de Souza, biólogo e doutorando em Ecologia pela Universidade Federal do Ceará e autor principal do artigo. "Essa diferença na quantidade de carbono investido nas folhas fornece a evidência necessária para compreendermos que espécies sempre verdes assimilam menor quantidade de carbono do que espécies decíduas."
O estudo constatou que espécies decíduas e sempre verdes só diferem quanto à eficiência no uso da água durante o período seco, com as decíduas evitando e as sempre verdes somente tolerando a escassez de água. "Essas espécies, durante a estação chuvosa, consomem as mesmas quantidades de água para manterem suas taxas de assimilação de carbono", afirma o pesquisador.
Os resultados podem ter implicações para o reflorestamento de áreas degradadas na caatinga, ainda que uma série de variáveis relevantes para tal finalidade não tenham sido analisadas. "Observando a composição florística da caatinga, espécies decíduas são invariavelmente dominantes, ocorrendo em áreas com diferentes estados de conservação", afirma Souza. A equipe acredita que pode existir uma relação direta entre as estratégias de resposta à seca e o sucesso reprodutivo das espécies. Se essa suposição for verdadeira, as espécies decíduas são potencialmente mais indicadas para a recuperação de áreas degradadas.
Tampouco é possível dizer com certeza qual dos dois tipos fenológicos é capaz de estocar maior quantidade de carbono. Por um lado, conforme explica Souza, as espécies decíduas sofrem uma perda considerável do carbono fixado durante a estação chuvosa, que dura de três a quatro meses. Além da queda foliar, os pesquisadores observaram que a morte de ramos e galhos durante a estação contribuem para a diminuição do estoque de carbono das espécies decíduas. Por outro lado, as sempre verdes fixam carbono ao longo de períodos mais longos, que se estendem de nove a onze meses. Elas também perdem folhas, mas em um curto intervalo de tempo, no final da estação seca. E logo rebrotam novas folhas. "Outros estudos exibem dados empíricos de que espécies decíduas em ambientes sazonalmente secos possuem uma estratégia de crescimento rápido (fast growing) e, mesmo só fixando carbono por um curto período de tempo, parecem exibir uma taxa relativa de crescimento anual maior do que as espécies sempre verdes", acrescenta o autor.
O estudo levantou duas perguntas importantes para a equipe. A primeira diz respeito às respostas dos estômatos aos efeitos negativos da seca: seriam observadas igualmente em espécies decíduas e sempre verdes? A segunda se refere à manutenção do estado hídrico das plantas durante a seca: as estratégias de evitação e tolerância mantêm, de fato, as plantas hidratadas nesse momento de estresse? "Essas questões foram respondidas em um estudo posterior a esse. Brevemente estará publicado em um periódico internacional que demonstra grande interesse por essa temática", conclui Souza.