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Aula inaugural da ENBT tematiza a voz e o lugar da ciência para a conservação
Para que se faz ciência? A professora doutora Blandina Felipe Viana, do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFB), cedo decidiu que queria produzir conhecimento científico para o bem comum. Mas também descobriu que esse conhecimento por si só não transforma a realidade; é só mais uma voz entre outras. A principal tarefa que se impôs, desde então, foi a de encontrar caminhos para o diálogo entre essas diferentes vozes, mantendo o seu lugar de fala, isto é, em seu papel de cientista.
Blandina Felipe Viana fala de estratégias e desafios para comunicar ciência | Foto: Raul Ribeiro
Na Aula Inaugural 2020 da
Escola Nacional de Botânica Tropical
(ENBT/JBRJ), realizada em 10 de março, Blandina contou um pouco de sua história e dos resultados de sua experiência, sob o tema Engajamento público com a ciência: desafios e oportunidades. A professora foi recebida pela presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Ana Lúcia Santoro, e pelo diretor da ENBT, Leandro Freitas, que também deram as boas-vindas aos novos alunos dos programas de pós-graduação acadêmica e profissional da Escola.
A presidente Ana Lúcia Santoro dá as boas-vindas em nome do JBRJ | Foto: Raul Ribeiro
Em seus anos como aluna de Biologia e de Agronomia, ao mesmo tempo, na Universidade de Brasília, Blandina Viana se interessou pelas atividades de extensão e percebeu, já nos primeiros anos de atuação profissional fora da academia, que muitas decisões relativas às práticas agrícolas eram tomadas sem embasamento científico algum. A distância provocada pela falta de educação científica leva as pessoas à cegueira, inclusive à cegueira botânica elas não percebem a relação das plantas com o clima, com a água e outros fatores do ambiente, alertou.
Para o diretor da ENBT, Leandro Freitas, a ciência é uma atividade tão fascinante que os cientitas podem se afastar do diálogo com o entorno, mas a sociedade demanda esse diálogo | Foto: Raul Ribeiro
As pesquisas de Blandina na pós-graduação na Universidade de São Paulo se voltaram à questão de como conciliar a produção agrícola com a conservação ambiental um conhecimento que pudesse ser usado pelos produtores/agricultores sem colocá-los em risco econômico. Era claro que uma pesquisa como essa só faria sentido se as pessoas se apropriassem desse conhecimento em suas práticas, daí o aprofundamento do interesse da pesquisadora pela comunicação.
O livro Extensão ou comunicação, de Paulo Freire, foi o que a levou a entender a extensão como um processo de comunicação. Do teórico da comunicação Pierre Levy, destacou a visão de que comunicar é partilhar o sentido. E de Kevin C. Elliot, a de que comunicar é partilhar valores. Ela se deu conta, então, de que era necessária uma mudança nos valores, pois são eles que determinam o tipo de pesquisa que será feita e o que será comunicado.
Para Blandina, a comunicação permeia o tripé de pesquisa, ensino e extensão. No entanto, a pesquisa e a extensão são práticas ligadas a tradições e perspectivas diferentes, sendo que a extensão acaba quase sempre sendo desvalorizada. Essa assimetria de valores acaba se refletindo nas relações interpessoais, tornando desafiador o trabalho de fomentar a convergência entre essas duas atividades e de mediar os conflitos que surgem.
Essa é uma equação complicada, que Blandina resumiu em um parágrafo: "como desenvolver atividades para aproximar a ciência da prática, dentro de uma perspectiva bidirecional (dialógica), mantendo o rigor científico, em um ambiente disciplinar, onde as interações inter e transdisciplinares não são valorizadas, mas que demandam tempo e investimentos na construção de relacionamentos colaborativos, e sem prejudicar os avanços na carreira acadêmica?"
A resposta é: aproveitando as oportunidades nas atividades acadêmicas e administrativas, estabelecendo parceiras e colaborações. Novos conhecimentos emergem da integração, afirmou a professora. No âmbito da Pesquisa, é possível aproveitar os editais para desenvolver diversos materiais envolvendo o público-alvo. Blandina deu como exemplo manuais de manejo desenvolvidos com os agricultores, a criação de uma trilha dos polinizadores com os guias de turismo e o desenvolvimento de materiais paradidáticos junto aos professores locais. Ela apresentou também materiais de apoio técnico, como o site
Ecologia na Rede
e o blog
Darwinianas
.
Nos programas de pós-graduação acadêmica e profissional do Instituto de Biologia da UFB, a professora tem orientado dissertações e teses nesse sentido, como, por exemplo, uma tese sobre avaliação de desempenho socioeconômico e práticas agrícolas amigáveis à biodiversidade. "Mostramos aos produtores que é possível ganhar dinheiro conservando a biodiversidade", comemora.
No âmbito do ensino, foram criadas, no Instituto, as disciplinas de graduação de caráter transdisciplinar e interdisciplinar, respectivamente, Atividade curricular em comunidade e sociedade e Introdução à divulgação científica para conservação da diversidade. Na pós-graduação, foi criada a cadeira interdisciplinar Engajamento público na ciência com ênfase na conservação da biodiversidade.
Na extensão propriamente dita, Blandina destacou o projeto de ciência cidadã Guardiões (
guardiões.cria.org.br
), em que os participantes registram em fotos as interações entre plantas e animais. Os registros passam por uma equipe de especialistas que os identificam e os dados vão para uma base, servindo para o desenvolvimento de modelos computacionais que visam responder a questões sobre perda de polinizadores em determinado local e qual o impacto que as mudanças climáticas podem ter nesse quadro, por exemplo.
Em artigo que será publicado em breve, Blandina apresenta um modelo para ajudar os acadêmicos em universidades a compreenderem como a antiga orientação pode ser superada ou reforçada: "supera-se quando as práticas são diversificadas e bidirecionais, exigindo que trabalhem além das práticas científicas convencionais, cruzando as fronteiras do treinamento tradicional e usando seus conhecimentos para influenciar a política e a cultura acadêmicas".
Ela enfatizou também que o diálogo demanda tempo para desenvolver relações de confiança e empatia em torno de um objetivo comum, e que, para a construção de soluções de qualidade, a diversidade - de origens, etnias, gêneros etc. - é fundamental e deve ser fomentada.