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A diferença que o Reflora faz
Revista Conservation Biology publica estudo pioneiro sobre o impacto do Herbário Virtual em pesquisas e ações relacionadas à conservação da biodiversidade brasileira.
Idealizado há uma década por cientistas e pelo CNPq e disponibilizado online desde 2013, o Herbário Virtual Reflora tornou-se, em poucos anos, uma ferramenta indispensável para as pesquisas sobre a flora brasileira. Agora um time de pesquisadores do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que gerencia e sedia o projeto, do Jardim Botânico de Kew (Londres), um dos primeiros parceiros externos, e da Universidade de Pelotas (RS), publica o primeiro estudo que procura mensurar a importância do Reflora para as pesquisas e ações de conservação no Brasil.
O artigo Enhancement of conservation knowledge through increased access to botanical information (Aprimoramento do conhecimento em conservação através do aumento do acesso à informação botânica), publicado em 27 de fevereiro de 2019 na revista Conservation Biology, mostra que o objetivo do HV Reflora tem sido alcançado no que se refere às pesquisas, contribuindo para um incremento significativo do conhecimento relevante para a conservação. Mas o estudo aponta também que existe uma lacuna entre os usos efetivos da ferramenta e suas citações em publicações científicas. Daí a necessidade de criar métricas capazes de aferir o real impacto desse tipo de acervo, de forma a garantir sua sustentabilidade em longo prazo.
A pesquisa se baseou em uma revisão da literatura científica na qual o Reflora é citado e em um questionário online direcionado aos usuários do Herbário Virtual. No levantamento feito sobre a literatura, aparecem como predominantes os usos para avaliação do estado de conservação das espécies e o registro de novas espécies para a ciência. O questionário online, por outro lado, revelou uma ampla utilização do Reflora para estudos de distribuição, taxonomia e filogenia, bem como de identificação de espécimes, além de uma variedade de outras aplicações.
A comparação entre os resultados das duas abordagens revelou a lacuna entre os usos e as citações. "Quem está agora no mestrado e no doutorado não sabe como fazer pesquisa sem o herbário online e outros bancos de dados desse tipo. O HV Reflora se tornou uma ferramenta de uso tão comum e difundido em nossa área que às vezes os usuários se esquecem de citá-lo. Não estão habituados a isso, diferentemente do que acontece com os herbários físicos, livros e artigos científicos", observa Rafaela Campostrini Forzza, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, coordenadora do HV Reflora e uma das autoras do estudo.
Essa lacuna é ainda maior quando se considera que o Reflora não é utilizado apenas para pesquisa, mas tem aplicações práticas. "Se um profissional fazendo um EIA-RIMA (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) em algum lugar do Brasil utiliza a ferramenta para auxiliar na identificação das plantas, ainda não temos como aferir esse uso", exemplifica a pesquisadora.
Os autores entendem que ter métricas de impacto dessas ferramentas na ciência é algo a ser pensado a priori. Esta pesquisa sobre o Reflora contribui nesse sentido ao prover, entre outras coisas, categorias de uso que podem servir para a elaboração de abordagens de monitoramento automatizado em pesquisas futuras sobre outros acervos online desse tipo.
O Reflora contou com o apoio de uma série de agências de fomento, órgãos e patrocinadores para seu desenvolvimento e implantação. Além do CNPq, contribuíram para o projeto o Sistema de Informação sobra a Biodiversidade Brasileira (SiBBr), Inventário Florestal Nacional (IFN), Capes, FAPDF, FAPEMIG, FAPERJ, FAPESB, FAPESP, Fundação Araucária, British Councils Newton Professional Development and Engagement Programme, U.K. Government Department for Business, Innovation and Skills e as empresas Natura e Vale.
Reunindo atualmente imagens e dados de 3,4 milhões de amostras de plantas, digitalizadas a partir de 61 herbários físicos no país e outros 10 no exterior, o Reflora está plenamente implantado, mas agora vê sua sustentabilidade ameaçada. "Temos os equipamentos e toda a infraestrutura para continuar, mas não temos recursos para contratar os bolsistas para trabalharem nele. É mais fácil conseguir recursos para um projeto novo do que para um que está pronto, mas que precisa ser mantido. Só no Brasil, conseguimos digitalizar 2,3 milhões de amostras até agora, mas ainda faltam outros 6 milhões de amostras. Nosso desafio é deixar clara a importância disso para os governantes e possíveis patrocinadores", afirma Rafaela.
Também co-autora do estudo, a chefe de pesquisa sênior em Ciência da Conservação do Jardim Botânico de Kew, Eimear Nic Lughadha, corrobora as palavras da colega brasileira: "O Herbário Virtual Reflora foi o primeiro herbário virtual planejado tendo a conservação como objetivo principal. Trata-se de um instrumento criticamente importante para o Brasil, país que tem a maior diversidade de plantas do mundo. Nossa análise mostra a abrangência e a profundidade do uso do Reflora, embora ele ainda esteja longe de sua completude. Esperamos que as evidências apresentadas ajudem a gerar apoio para que os recursos do Reflora sejam mantidos e atualizados, de modo que possam continuar a ser usados como ferramentas-chave para apoiar a ciência e as ações de conservação".
Artigo Enhancement of conservation knowledge through increased access to botanical information
Herbário Virtual Reflora