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A ciência do cacau e o impacto dos polinizadores na região Amazônica
Projeto Poliniza Cacau reúne pesquisadores interdisciplinares. - Foto: Rosinaira Gonzaga
Antes de se tornar chocolate, o cacau depende da complexa interação entre seus polinizadores e os sistemas de cultivo onde é produzido. Na Amazônia, o projeto PolinizaCacau investiga como a diversidade e a abundância de insetos polinizadores influenciam diretamente a fecundação das flores e a formação dos frutos do cacaueiro em diferentes sistemas agroflorestais da região. Os municípios Tomé-Açu e Medicilândia, no Pará, e Manicoré, no Amazonas, envolvem uma equipe multidisciplinar na busca de resultados que podem impactar não apenas a sustentabilidade da produção, mas também a qualidade dos frutos.
Sob a coordenação da Dra. Márcia Maués, membro do INCT Polinização e pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, os estudos são conduzidos em Tomé-Açu, onde, no primeiro ano da pesquisa foram coletados 1.296 indivíduos de forma ativa, e 2.719 de maneira passiva.
A análise no município revelou que o grupo mais abundante foi Thysanoptera (40%), seguido por Aphididae (23%) e Formicidae (15%). Outros grupos relevantes incluem Cicadellidae, Ceratopogonidae e demais hemípteros (4% cada). Collembola representou 3%, enquanto Cecidomyiidae ficou com 2%. O que significa que entre os polinizadores, podemos encontrar espécies, como os famosos maruins, ou mosquitinhos pólvoras, e micro vespas.
Esses resultados indicam a predominância de alguns grupos específicos, sugerindo fatores ambientais favoráveis à sua presença. Grupos com menor presença foram Hymenoptera, Coleoptera, demais dípteros, Araneae e Demais insetos (1% cada). Já Acariformes e Isopoda tiveram frequência insignificante (0%).
Tomé-Açu foi escolhido estrategicamente para o estudo. O município abriga a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (CAMTA), referência internacional na produção de cacau em sistemas agroflorestais. Em 2019, o fruto cultivado na região conquistou a primeira Indicação Geográfica do Pará, um reconhecimento da qualidade e sustentabilidade do cultivo.
O Pará detém a maior média de produtividade por hectare do mundo. Segundo o Relatório Anual da Safra do Cacau, a produção do estado cresceu 3,8% entre 2023 e 2024, passando de 138.449 toneladas para 143.675 toneladas. A maior parte desse cacau provém da agricultura familiar, que adota sistemas agroflorestais (SAFs). Esses sistemas recuperam áreas degradadas e promovem um ecossistema diversificado, benefício direto para o desenvolvimento das plantas, a qualidade do solo e a eficiência na produção.
A pesquisadora Rosinaira Gonzaga, doutoranda do Programa de Biodiversidade e Evolução (PPGBE) do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), explica que, somado ao inventário de visitantes florais, que já está em seu segundo ano de coleta de dados, o projeto também inclui testes de polinização manual do cacaueiro.
“Neste ano, realizamos testes de polinização natural, que servem como grupo controle, além da polinização cruzada e da geitonogamia. Também testamos a autopolinização induzida e espontânea. Para isso, isolamos as flores para evitar interferências externas. Esses testes nos orientam na avaliação do sucesso reprodutivo das plantas cacaueiras, sejam elas híbridas ou clonais”, explica Rosinaira Gonzaga.
Já em Manicoré, no Amazonas, os levantamentos demonstraram um padrão distinto. Em 2023, foram coletados 2.349 indivíduos de 46 táxons. A família Cecidomyiidae se destacou amplamente, representando 88% do total de visitantes florais, seguida por Ceratopogonidae (3%). Os demais táxons não ultrapassaram 2% de ocorrência. Em 2024, a coleta registrou 986 indivíduos de 24 táxons, mantendo a mesma tendência: Cecidomyiidae seguiu dominante, com 82%, e Ceratopogonidae representando 3% das amostras.
Esses resultados apontam para a dominância expressiva da Cecidomyiidae nas áreas de várzea do sul do Amazonas, sugerindo que ambientes florestados e alagados fornecem condições ambientais altamente favoráveis para o desenvolvimento e reprodução desse grupo taxonômico.
As pesquisas estão em andamento e, para investigar a diversidade dos polinizadores, o estudo compara diferentes modelos de cultivo, desde SAFs com variados arranjos e sombreamentos até monoculturas a pleno sol. Os pesquisadores levantam a hipótese de que sistemas mais biodiversos favorecem a presença de insetos fecundadores, refletindo na produtividade do cacau. Sem a presença dos principais polinizadores, a produção de cacau poderia ser significativamente reduzida, afetando desde pequenos agricultores até grandes indústrias.
“O grupo ainda busca calcular o valor econômico do serviço de polinização do cacaueiro, propondo formas de tornar a gestão mais sustentável e melhorar a rentabilidade dos produtores”, conclui Rosinaira Gonzaga.

