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Inclusão digital: 4,4 mil telecentros têm apoio federal.
A REDE | CAPA | DEZEMBRO/2005
Em 2005, o governo federal e suas estatais investiram R$ 213,38 milhões em projetos de inclusão digital, a maioria deles em parceria com a sociedade civil. Os números indicam que o governo Lula colocou a inclusão digital na agenda política, mas ainda falta uma efetiva direção para reunir as diversas iniciativas em torno de uma única política pública.
Lia Ribeiro Dias e Patrícia Cornils
São 18 programas ou ações, de âmbito nacional, regional ou setorial, desenvolvidos por oito ministérios, uma secretaria, quatro empresas estatais e uma fundação que, este ano, estão aplicando R$ 242,18 milhões (recursos efetivamente empenhados), de R$ 429,41 milhões autorizados no orçamento. Este é o esforço do governo Lula para desenvolver projetos de inclusão social apoiados em ferramentas de comunicações e tecnologia da informação. São várias redes, que somarão mais de 4,4 mil telecentros com a aplicação dos recursos de 2005.
Em 2006, serão R$ 242,24 milhões, pela proposta de orçamento encaminhado ao Congresso Nacional. Mas a expectativa dos ministérios envolvidos é que as iniciativas de inclusão digital recebam mais R$ 150 milhões por meio de emendas parlamentares, fora os R$ 650 milhões do Fust, que deverão ser liberados em 2006. Na interpretação de técnicos do Ministério das Comunicações (Minicom), os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), pela lei que o criou, só podem ser aplicados em telefonia; mas há um movimento entre parlamentares da Comissão de Ciência e Tecnologia para que também sejam usados para garantir conexão à internet em escolas, bibliotecas e postos de saúde, entre outros pontos de serviços públicos.
A fragmentação das iniciativas dificulta a avaliação dos resultados e transformou-se em preocupação do presidente da República que, em setembro, determinou que fosse feito um levantamento de todos os programas de inclusão digital, dos recursos aplicados e de seu alcance. O levantamento (veja tabela) revelou que a rede do governo federal e suas estatais deve chegar ao final do ano com 2,8 mil telecentros (centros comunitários de inclusão digital com acesso à internet), não incluídos aí os 3,2 mil pontos de conexão do programa Gesac (saiba mais), a maioria instalada em escolas. Esse número, com os empenhos (recursos previstos no orçamento e efetivamente liberados) feitos no final do ano, deve atingir as 4,4 mil unidades até abril de 2006.
Paralelamente ao levantamento, concluído em outubro, o presidente Lula levou em frente a decisão, anunciada três meses antes, de nomear um coordenador para os programas federais de inclusão digital, que continuarão a ser executados pelos atuais gestores. Em 11 de novembro, foi publicado o decreto nº 5581, dando, ao ministro das Comunicações, a atribuição de “formular e propor políticas, diretrizes, objetivos e metas, bem como exercer a coordenação da implementação dos projetos e ações respectivos, no âmbito do programa de inclusão digital”. Inclusive do Computador Para Todos, para a aquisição de computadores com juros subsidiados, que já foi objeto de várias matérias n'ARede.
Na avaliação de Cezar Alvarez, assessor especial da Presidência da República, a existência da coordenação é importante porque vai permitir construir um programa nacional de inclusão digital, integrado por diferentes ações, programas e projetos. Essa é a principal lacuna nas iniciativas do governo. A existência de projetos em vários órgãos a inclusão digital tem um lugar relevante na sua agenda. Mas não garante a continuidade das iniciativas, pela não-existência de marcos regulatórios e recursos exclusivos, e reduz o impacto potencial, pela falta de coordenação dos esforços. “A supervisão vai permitir priorizar ações, hierarquizar os programas, otimizar recursos e montar uma ação sistêmica”, diz Alvarez. Até porque, lembra ele, alguns projetos já envolvem mais de um agente, como o Casa Brasil, implementado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) com o ITI (Instituto Nacional de Tecnologia da Informação), da Casa Civil, e outros cinco órgãos que fazem parte de seu conselho gestor.
Teoricamente, essa coordenação deveria ser executada pelo Comitê de Inclusão Digital do Governo Eletrônico, dirigido por Rodrigo Assumpção, secretário-adjunto da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação e subordinado ao Comitê Executivo do Governo Eletrônico, vinculado à Casa Civil e cujo secretário-executivo é Rogério Santanna. “Como o comitê não estava conseguindo fazer essa articulação e a Casa Civil já tem muitas atribuições, o presidente Lula preferiu dar a atribuição ao ministro das Comunicações, que já executa um programa nacional nessa área, o Gesac”, diz Alvarez.
Assumpção observa que o comitê, que reúne os responsáveis pelos principais projetos do governo, foi bem-sucedido na constituição de diretrizes que passaram a ser voz corrente em todas as inicitativas. “Hoje, não se fala mais em quiosques, navegação não-assistida, auto-atendimento, modelos que pertencem ao passado. Grande parte das diretrizes que adotamos é demanda da sociedade civil e isso não é irrelevante, do ponto de vista de políticas públicas”, diz ele.
Só em 2006 é que a nova coordenação será testada – e, então, será possível saber se um ministério, que não a Casa Civil, consegue efetivamente exercer a coordenação sobre ações de outros. A necessidade dessa coordenação é reconhecida por participantes dos projetos, e Assumpção afirma que o Minicom considera o comitê um órgão legítimo, por sua representatividade, para se tornar uma grande “sala de despacho” das demandas políticas com relação à inclusão digital.
Em parceria
Da parte do MCT, o ministério com mais recursos alocados em programas de inclusão digital, graças, sobretudo, a emendas parlamentares, não há obstáculos a essa organização das atividades. “Vamos continuar desenvolvendo nossos programas. Só que espera-se, com uma coordenação geral, uma maior integração”, diz Rodrigo Rollemberg, secretário de Inclusão Social do MCT e responsável pelas ações de inclusão digital do ministério. Dos R$ 203 milhões que sua secretaria conseguiu empenhar até o final de novembro, cerca de R$ 80 milhões envolvem atividades de inclusão digital como a implantação de telecentros em parcerias diversas (a maioria esmagadora dos recursos veio de emendas parlamentares individuais e de bancadas) e o programa Centros Vocacionais Tecnológicos, os CVTs (veja matéria n'ARede número 7). Esses total não inclui o programa Casa Brasil - os recursos da emenda da Comissão de C&T da Câmara dos Deputados para o projeto Casa Brasil foram alocados para o MCT.
Trabalho em parceria não é novidade para Rollemberg que, em dois anos, tempo de vida de sua secretaria, viu seu orçamento saltar de R$ 2,9 milhões para R$ 361,33 milhões (incluídos aí os R$ 206 milhões do Casa Brasil, dos quais só foram liberados R$ 24 milhões). Além da parceria com o ITI no Casa Brasil, a Secretaria de Inclusão tem parceria com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic) nos arranjos produtivos locais, com secretarias estaduais nos CVTs e toda sua rede de telecentros está sendo montada em parcerias com prefeituras, estados e entidades da sociedade civil. As 51 unidades instaladas até setembro de 2005 serão, no final de dezembro, cerca de 64.
Outro programa do MCT envolve a implantação de telecentros comunitários em setores de impacto social, em parceria com outras áreas do governo, ou a partir de demandas da sociedade incluídas em emendas parlamentares. A meta era chegar, no final de 2005, a um total de 700, mas, segundo Rollemberg, o programa atrasou porque dependia, em grande parte, da indicação do parceiro pelos autores das emendas parlamentares. E os deputados demoraram a formalizar a entidade parceira que receberá os recursos para instalar o telecentro.
Correndo contra o tempo
Depois da experiência inicial de liberar os recursos para o parceiro diretamente pelo MCT, Rollemberg foi atrás de uma forma mais eficiente de fazer a gestão do programa. E montou uma parceria com a Caixa Econômica Federal, que criou uma unidade gestora do convênio. “Não temos estrutura no MCT”, diz ele. A CEF fará a liberação dos recursos – R$ 50 mil para cada telecentro, para compra dos equipamentos com software livre, instalação da rede e pagamento da conexão à internet e de monitores – e a gestão do programa. “Montamos uma solução tecnológica barata e construímos um roteiro para orientar o parceiro”, relata Rollemberg. Segundo ele, até meados de novembro já tinham sido empenhados R$ 30 milhões; sua expectativa era conseguir, ainda este ano, mais R$ 20 milhões, o que representaria um total de 800 telecentros, que estariam em operação até junho do ano que vem.
Modelo semelhante ao desenvolvido pelo MCT será seguido pelo Minicom em seu programa de telecentros. Com apenas cinco unidades em funcionamento em setembro, o Minicom corria contra o tempo para conseguir empenhar, no final de novembro, os R$ 18 milhões autorizados no orçamento para convênios com estados e municípios. Segundo Heliomar Medeiros de Lima, diretor de Serviços de Inclusão Digital do Minicom, até então tinham sido aprovados e assinados 12 convênios que totalizam R$ 1,3 milhão. Em 2004, o Minicom assinou oito convênios desse tipo com prefeituras do Rio Grande do Norte, Ceará e uma entidade beneficiente do Paraná, no valor aproximado de R$ 10 milhões. A intenção inicial, ainda na gestão do ex-ministro Eunício Oliveira, era assinar convênios com 248 municípios e repassar cerca de R$ 30 milhões, mas verificou-se que várias prefeituras estavam inadimplentes com a União e não poderiam receber os recursos.
De acordo com Medeiros, em 2006, a intenção do ministério é ampliar o número de convênios assinados. Inicialmente, o Minicom deve contar com R$ 40 milhões para os projetos de implantação de telecentros, mas esse valor pode aumentar no Orçamento que ainda será votado no Congresso Nacional. A Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara aprovou, em novembro, emenda destinando R$ 50 milhões ao Minicom para o apoio a projetos de inclusão digital.
Para ter acesso aos recursos, as prefeituras ou entidades – também podem disputar os recursos organizações não-governamentais, organizações da sociedade civil de direito público (Oscips) - apresentam projetos detalhando o formato dos telecentros. Os recursos podem ser empregados na instalação, na compra de mobiliário e no custeio da conectividade à internet. Os convênios têm duração de seis meses a um ano e, ao final, a entidade conveniada tem que garantir a continuidade do projeto por mais três anos.
Potencializar o que existe
Como o próprio nome diz, o programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura (MinC), não é um programa de inclusão digital. Mas usa tecnologia, e o acesso à rede, para produzir cultura. Com 250 Pontos de Cultura instalados até setembro de 2005, que só começaram a receber seus kits multimídia a partir de outubro – a licitação levou um ano para ser concluída -, o MinC se preparava, em novembro, para assinar mais 200 a 300 convênios até dezembro, relativos aos 377 Pontos de Cultura licitados em abril. Isso exigia uma negociação para ampliar os recursos já empenhados (R$ 29,5 milhões) para cerca de R$ 50 milhões. Para o ano que vem, a meta é instalar de 600 a mil novos Pontos de Cultura, dependendo do volume de recursos. No orçamento estão previstos R$ 42,15 milhões, que podem ser ampliados com emendas parlamentares.
Como os Pontos de Cultura estão em iniciativas já existentes que, a partir do momento em que são selecionados, recebem recursos do programa – em média R$ 50 mil por parceiro, com teto de R$ 185 mil, para um período de 30 meses - , a liberação dos recursos representa a ativação imediata de um novo ponto. No primeiro edital, foram selecionados 280 projetos e o MinC optou por fazer a licitação centralizada dos kits multimídia. Para atender os projetos do segundo edital, decidiu dar a cada projeto o valor correspondente. “A licitação centralizada é muito complexa e morosa. Decidimos dar o dinheiro ao projeto e, com ele, o parceiro monta um kit multimídia. Assim, se já tem um servidor, pode aplicar o dinheiro em outro equipamento”, explica Célio Turino, secretário de Programas e Projetos Culturais.
Potencializar o que já existe nas comunidades foi a premissa que orientou o Cultura Viva, resultado da fusão dos programas Cultura e Cidadania, e Cultura e Educação, lançados no primeiro ano da administração Gilberto Gil. No lugar de unidades-padrão a serem construídas pelo Estado em áreas carentes, como previam os programas iniciais, o Cultura Viva, lançado em 2004, decidiu selecionar projetos culturais já enraizados na comunidade. “Decidimos investir no fluxo de produção cultural de forma a garantir a continuidade desses projetos, dotando-os de ferramentas tecnológicas e de gestão a partir de um conceito de gestão compartilhada e transformadora”, relata Turino. “Com esse modelo, as comunidades podem se apropriar da tecnologia para fazer a sua própria cultura, para fomentar o protagonismo e o empoderamento.”
Os Pontos de Cultura são microrredes – um ponto pode envolver atividades dispersas fisicamente na comunidade – que, agora, podem se servir de duas novas ações: o Pontão de Cultura, que é uma articulação entre vários pontos; e a Rede de Pontos, construída a partir de convênios com governos estaduais e/ou municipais. Para cada R$ 1,00 colocado pelo MinC, o estado coloca outro R$ 1,00, nas regiões mais desenvolvidas, ou R$ 0,50, nas mais pobres. “Isso permite ampliar rapidamente a rede e reforça o pacto federativo”, diz o secretário. Sobre o Cultura Viva, resume: “Ele pode ser visto como um grande software livre de construção de política pública compartilhada.”
Projetos transversais
Também o De acordo com Medeiros, em 2006, a intenção do ministério é ampliar o número de convênios assinados. Inicialmente, o Minicom deve contar com R$ 40 milhões para os projetos de implantação de telecentros, mas esse valor pode aumentar no Orçamento que ainda será votado no Congresso Nacional. A Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara aprovou, em novembro, emenda destinando R$ 50 milhões ao Minicom para o apoio a projetos de inclusão digital.
Para ter acesso aos recursos, as prefeituras ou entidades – também podem disputar os recursos organizações não-governamentais, organizações da sociedade civil de direito público (Oscips) - apresentam projetos detalhando o formato dos telecentros. Os recursos podem ser empregados na instalação, na compra de mobiliário e no custeio da conectividade à internet. Os convênios têm duração de seis meses a um ano e, ao final, a entidade conveniada tem que garantir a continuidade do projeto por mais três anos.
Com poucas unidades inauguradas - 32 dos 50 telecentros patrocinados pela Petrobras, que vão ganhar módulos de biblioteca e laboratório e usar a marca Casa Brasil ; e uma unidade piloto em Valente/BA -, o Casa Brasil é um conceito de sucesso, acredita Piccino. “Pela repercussão na sociedade e na imprensa, vemos que a idéia de ampliar o escopo da inclusão digital para o de criação de oportunidades para produção e difusão cultural tem ampla aceitação”, diz ele, citando o Cultura Viva, do MinC, como outra iniciativa nessa direção. Além disso, destaca, é uma vitória ter feito sair do papel um projeto que reúne tantos agentes. “É um programa interministerial e essa transversalidade implica dificuldade de execução. Conseguir criar algo assim, com um marco legal e recursos, é um grande avanço”, reforça.
O ITI vai propor ao Minicom que use parte dos recursos para inclusão digital do orçamento de 2006 na implantação de Casas Brasil . “Também estamos consolidando um instrumento jurídico para que o governo federal, no papel de indutor, faça parcerias com estados e municípios para implantar projetos de inclusão digital, e buscando parceiros para fazer mais unidades no próximo ano”, diz Piccino