Divulgado o resultado final do Concurso Sílvio Romero 2024
O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP/Iphan) divulgou o resultado final do Prêmio Sílvio Romero de Monografias de Folclore e Cultura Popular 2024. Ao todo, foram 118 trabalhos analisados. O 1º colocado é Encantaria Quilombola, que será premiado com o valor de R$25 mil; já o 2º lugar é de A vida social do pandeiro no Rio de Janeiro (1900 – 1939), com o valor de R$20 mil; e o 3º lugar, é de Dívidas d’alma: relações entre vivos e mortos na cultura popular do sertão do São Francisco, Minas Gerais, que receberá R$15 mil.
Foram ainda conferidas três menções honrosas: a 1ª, para A nossa identidade tá aí’: Vila Bela, festança e o povo negro: heranças da comunidade negra de Vila Bela da Santíssima Trindade – MT; a 2ª, para O Maracatu na Zona da Mata de Pernambuco; e a 3ª, para São Gonçalo da Mussuca em transformação: os impactos causados por festivais culturais em grupos populares.
Na análise da comissão de seleção foram considerados, conforme o edital: a contribuição ao aprofundamento e à renovação dos estudos de folclore e cultura popular; a originalidade do tema e/ou abordagem; o domínio de bibliografia especializada; a consistência na argumentação e clareza na apresentação dos resultados. Foram ainda considerados os seguintes pontos: a fundamentação teórica, o quadro de referência conceitual e metodologia empregada e o desenvolvimento do trabalho com base em pesquisa de campo e/ou bibliográfica.
Conheça, abaixo, os trabalhos vencedores e respectivos resumos:
1º prêmio: “Encantaria quilombola”, de Juliana Loureiro Silva, baseada na tese de doutorado original “Encantaria Quilombola: uma etnografia fílmico-fotográfica do atuar dos encantados junto à comunidade rural negra maranhense de Santa Rosa dos Pretos”, defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, orientada pelo Prof.º Elsje Lagrou, em 2023.
Resumo: Encantaria é uma dimensão invisível que tangencia o mundo material, no fundo dos mares e rios, em dunas e pedras, em matas e manguezais. É a morada dos encantados - seres espirituais, os quais, muitos deles, viveram, mas não tiveram a experiência da morte, se encantaram. A Encantaria Quilombola é aquela vivida e significada pelos quilombolas. A Encantaria Quilombola é uma ontologia relacional, que a engendra como espaço-tempo ontológico amefricano. Esta monografia é dedicada a compreensão do universo ontológico da Encantaria Quilombola vivenciado em Santa Rosa dos Pretos, comunidade rural negra maranhense com mais de 200 anos de história, que se recria no tempo espiralar dos rituais de tambor de mina, tambor de crioula e a festa do Divino Espírito Santo.
2º prêmio: “A vida social do pandeiro no Rio de Janeiro (1900 – 1939)”, de Eduardo Marcel Vidili, baseada na tese de doutorado original “A vida social do pandeiro no Rio de Janeiro (1900 – 1939): trânsitos, significados e a inserção no rádio e fonografia”, defendida na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-Rio) – Programa de Pós-Graduação em Música, orientada pelo Prof.º Pedro de Moura Aragão, em 2021.
Resumo: O objeto deste estudo é o pandeiro – mais exatamente, a vida social desse instrumento no Rio de Janeiro, no período de 1900 a 1939. Como ponto de partida, o texto problematiza o status do pandeiro como símbolo brasileiro (condição estabelecida ao final daquele período, conforme é argumentado no estudo), tendo em vista a suposta proibição a ele imposta nas décadas anteriores. Por meio da pesquisa em periódicos e fonogramas da época, e em diálogo constante com a história social do período, o estudo busca: examinar as práticas musicais e ambientes sociais pelos quais o pandeiro transitava naquele contexto; explorar disputas e tensões em torno dos significados atribuídos ao instrumento e às pessoas que o tocavam; abordar as condições de sua inserção nos âmbitos incipientes da música produzida para o mercado – o rádio e a fonografia.
3º prêmio: “Dívidas d’alma: relações entre vivos e mortos na cultura popular do sertão do São Francisco, Minas Gerais”, de Lucas Parreira Alves, baseada na dissertação de mestrado original “Dívidas d’alma: sensibilidades entre vivos e mortos no sertão do São Francisco, Minas Gerais”, defendida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia, orientada pelo Prof.º Aderval Costa Filho, em 2023.
Resumo: O folclorista e antropólogo Saul Martins certa vez afirmou que o sertão do rio São Francisco, em Minas Gerais, “é o centro mais frequentado por almas de outro mundo”. Por meio de incursões nas cidades de São Romão, São Francisco e Januária, o autor deste trabalho explorou ritos como a Encomendação das Almas e o Batismo em casa, além de Folias de Santos Reis, Danças de São Gonçalo e outras expressões da cultura popular. Folcloristas como Manoel Ambrósio, Joaquim Ribeiro e Saul Martins trataram a relação entre vivos e mortos na região sob os termos de “livusias” e/ou “assombrações”, e notaram que as almas do sertão do São Francisco vagam no ar esperando sua salvação ou condenadas à expiação. Esse trabalho é o produto de uma investigação que soube respeitar as tradições folclóricas precedentes, mas que qualificou o tema com as técnicas atuais do conhecimento etnográfico.
1º Menção Honrosa: “‘A nossa identidade tá aí: Vila Bela, festança e o povo negro’: heranças da comunidade negra de Vila Bela da Santíssima Trindade – MT”, de Letícia Helena de Oliveira, título original da dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Programa de Pós-Graduação em História Social, orientada pela Prof.ª Mônica Lima e Sousa, em 2020.
Resumo: A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar de que maneira a Festança – festejo que congrega as Festas do Divino, da Santíssima Trindade, de São Benedito e da Mãe de Deus às danças do Congo e do Chorado – de Vila Bela da Santíssima Trindade (MT) forneceu as bases à manutenção e reprodução da cultura dos vilabelenses e sua constituição enquanto comunidade negra. A descoberta de riquezas minerais no Vale do Guaporé impulsionou a criação da Capitania de Mato Grosso e sua sede administrativa em Vila Bela. Com a decadência do período aurífero e a transferência da capital para Cuiabá, em 1835, a elite branca migrou para a nova sede e a população da antiga capital se reconstituiu de negros livres e ex-escravizados. Essa mudança viabilizou o grupo a exteriorizar práticas ancestrais africanas e (re)elaborar ritos festivos que sobreviveram ao longo das gerações. Reconhecida como um legado dos antepassados, a Festança apresenta-se como expressão das raízes culturais, sociais e históricas do povo vilabelense. A partir da década de 1980, com a ruptura da composição étnico racial que até então vivia a população negra, ocasionada pela expansão capitalista na localidade, o ciclo de festas tradicionais é mobilizado pelo grupo para a legitimação e preservação dos patrimônios culturais, reafirmação identitária e símbolo de resistência. Através das narrativas orais das moradoras e moradores negros de Vila Bela, colhidas nas pesquisas de campo realizadas entre 2019 e 2020, buscamos identificar as permanências culturais e como eles percebem a ligação com o passado ancestral a fim de compreender como ressignificam suas tradições festivas, heranças e identidade.
2ª Menção Honrosa: “O Maracatu na Zona da Mata de Pernambuco”, de Noshua Amoras de Morais e Silva, baseada na dissertação de mestrado “Composição e metamorfose no maracatu da Zona da Mata de Pernambuco”, defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, orientada pelo Prof.º Marcio Goldman, em 2018.
Resumo: Este trabalho consiste fundamentalmente de uma etnografia realizada junto a folgazões de maracatu, brincadeira própria da Zona da Mata Norte de Pernambuco. O principal objetivo desta pesquisa é acompanhar as composições da brincadeira. Trata-se de demonstrar a constante necessidade de criação e manutenção de uma intensidade apropriada para o funcionamento ideal da brincadeira. Do ponto de vista dos folgazões, encontra-se no maracatu um modo de relação eminentemente perigoso que, por isso, exige cuidados específicos. A fim de compreender o que está em jogo nessas afirmativas,esta dissertação apresenta contextos, situações e dinâmicas a partir dos quais pretendesse ressaltar os mecanismos aos quais os folgazões têm de recorrer para manejar forças e garantir o sucesso do maracatu.
3ª Menção Honrosa: “São Gonçalo da Mussuca em transformação: os impactos causados por festivais culturais em grupos populares”, de Denisson Cleber de Farias Santos, título original da dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal de Sergipe (UFS) – Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Culturas Populares, orientada pelo Prof.º Marcelo Alves Brazil, em 2022.
Resumo: A presente pesquisa aborda as transformações que perpassam o grupo São Gonçalo da Mussuca, impelidas pelos festivais culturais. Neste trabalho há a pretensão de demonstrar, para além do São Gonçalo, como eventos culturais afetam grupos tradicionais. O estudo segue um viés etnomusicológico, tratando dos aspectos musicais como um vetor de mudanças e dos festivais como espaços catalisadores. Para melhor estruturar essas questões, o trabalho está dividido em três partes. Na primeira delas é discorrido sobre os processos históricos da manifestação e transformações internas; na segunda são abordadas as condicionantes externas, representadas pelas implicações trazidas pelos festivais; e na terceira é feita uma análise dos efeitos causados por tais implicações. Os recursos metodológicos que a pesquisa utiliza fazem parte de uma abordagem qualitativa, com base analítica na etnomusicologia, utilizando dados obtidos no campo e análises de material audiovisual, documental e bibliográfico. Em arremate, o estudo justifica como surgem e se instauram determinadas mutações, que marcam o processo evolutivo que os grupos de cultura popular vêm atravessando.
Sobre a Comissão Especial de Seleção
A Comissão Especial de Seleção foi composta por cinco especialistas, reconhecidos pela contribuição ao campo de estudos de cultura popular e folclore, sendo um deles integrante dos quadros do Iphan: Ana Maria de Oliveira Galvão, mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Professora Titular da Faculdade de Educação da UFMG; Antônio Maurício Dias da Costa, mestre em Antropologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), doutor em Ciências Sociais (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (USP) e Professor Titular de História da UFPA; Marília Raquel Albornoz Stein, mestre em música/educação musical pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com doutorado em música/etnomusicologia pela UFRGS e Professora Adjunta de Música no Instituto de Artes da UFRGS; Rosângela Janja Costa Araújo, mestre e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e Professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (UFBA); e Patrick Monteiro do Nascimento Silva, mestre em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), como representante institucional.