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ARTIGO CIENTÍFICO
Prêmio Luiz de Castro: Arqueologia do Axé em Salvador (BA)
Trecho de aterro com contenção na enseada de Água de Meninos (Foto: Luciana de Castro).
Uma estrutura de ferro encontrada a cerca de cinco metros de profundidade, identificado como um assentamento de Exu, na enseada de Água de Meninos, localizada no Centro Histórico de Salvador (BA), foi o objeto central de um dos artigos científicos ganhadores do prêmio Luiz de Castro Faria 2020 , realizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), por meio do Centro Nacional de Arqueologia (CNA).
Intitulado como “Arqueologia do Axé: o Exu submerso e a paisagem sagrada”, o artigo é resultado de uma pesquisa voltada à interface entre Arqueologia Histórica, Arqueologia Marítima e Estudos Étnicos e Africanos para compreender o ritual de submersão de uma estrutura afrorreligiosa, atribuída à divindade africana Exu, na baía de Todos os Santos.
Em seu estudo, a autora e pesquisadora do artigo premiado, Luciana de Castro Nunes Novaes, problematiza arqueologicamente a enseada de Água de Meninos como uma paisagem sagrada, composta por camadas de significados materiais e intangíveis, devido à presença submersa da estrutura religiosa de ferro.
Segundo ela, o foco principal foi entender o processo de submersão do assentamento, bem como compreender outras dinâmicas da população preta e afrorreligiosa, em uma cidade marcada pela presença secular de um porto, onde a diáspora africana marcou não só sua formação, mas a de todo o Centro Histórico de Salvador. “Este é um artigo científico dedicado a ampliar os estudos sobre a presença e a civilização africana na Bahia e no Brasil”, comentou.
“A premiação Luiz de Castro fortalece e contribui com a valorização deste campo de estudo que é a arqueologia da diáspora africana no Brasil. O prêmio garante maior visibilidade e amplitude para esta área de estudo." Luciana Novaes.
Em seu livro “O Exu Submerso - Uma Arqueologia da Religião e da Diáspora no Brasil”, Luciana sugere que o assentamento de Exu pode ter sido aterrado ou sugado pela obra do Porto de Salvador, atestada pela modificação da paisagem local, por meio do sensoriamento remoto, e apresentada no artigo. Mesmo com o provável aterramento ou sucção do assentamento, a arqueóloga acredita que o Exu não perde em nada a sua potência e ressalta que seu poder é intangível.
“A arqueologia das religiões negras se fez presente a partir de uma perspectiva afrorreligiosa em que Exu não foi considerado representado na materialidade estudada, mas foi entendido enquanto a própria materialidade”, explica ela.
Exu é uma divindade do culto das religiões de matriz africana, um Orixá. Possui poderes míticos relacionados ao comércio e à comunicação, e é considerado o protetor das feiras e dos mercados como também patrono da circulação de bens e saberes. O assentamento é uma representação do Orixá no mundo material, um termo utilizado pelas religiões negras, que significa fazer morada e fixar a energia sagrada da divindade.
O artigo científico aponta que a estrutura submersa evoca relações sociais entre realidades vividas e imemoriais, possui status religioso e étnico-racial, capaz de transformar uma paisagem pública e de caráter econômico, em uma paisagem sagrada.
A descoberta
A pesquisa acadêmica desenvolvida indicou que a estrutura afrorreligiosa submersa na enseada de Água de Meninos ocorreu em um momento posterior à construção do terminal do Ferry Boat, em dezembro de 1970. O Exu submerso foi descoberto por uma operação arqueológica vinculada ao licenciamento ambiental em 2010, com fotografia subaquática de André Lima, e relatório do arqueólogo subaquático Leandro Duran.
A imagem registrada e o relatório final foram acessados por Luciana mediante seu pertencimento ao mestrado do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe, e ao Laboratório de Ambientes Aquáticos (LAAA/UFS) que a fez atualizar seu projeto de pesquisa de imediato e tornar-se mergulhadora. De acordo com ela, o assentamento foi colocado ali como um guardião da Baía, protetor dos marítimos e feirantes de São Joaquim, e fixada no local em uma base para garantir estabilidade diante as correntes marítimas.Pelo contexto arqueológico registrado, o assentamento de Exu foi manipulado por um mergulhador ou mergulhadora até a sua presença no leito da Enseada. O artigo aponta que assentar Exu em um espaço de interface comercial entre o Porto de Salvador, a Feira de São Joaquim e do Ferry Boat serve para pensar sobre as esferas de deslocamento e transição que a população negra construiu ao longo de sua presença em Salvador, além da presença histórica de feiras livres organizadas na linha do mar.
Segundo a pesquisadora, as relações entre as pessoas e as coisas são impulsionadas por necessidades particulares e requerem um olhar contextual para compreender o que de fato pode ser associado quando se trata de um estudo de caso. “As motivações que levaram a submersão do assentamento de Exu na enseada de Água de Meninos estão associadas à condição mítica e à historicidade da ancestralidade Negra no espaço”, concluiu ela.
Luciana de Castro Nunes Novaes é doutora e mestra em Arqueologia pela Universidade Federal de Sergipe, mestra em Estudos Étnicos e Africanos e doutoranda em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia. A pesquisadora ainda é pós-doutoranda em Pós-Crítica pela Universidade Estadual da Bahia, bacharel e licenciada em História pela Universidade Católica de Salvador e professora Adjunta do Departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe.
*Foto: André Lima
O artigo “Arqueologia do Axé: o Exu submerso e a paisagem sagrada” foi um dos vencedores do Prêmio Luiz de Castro Faria 2020 na categoria artigo científico. Realizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a premiação tem como objetivo reconhecer trabalhos científicos no campo do Patrimônio Arqueológico Brasileiro. Nos dias 29 e 30 de abril, o Iphan realiza as “Rodas de conversa com os vencedores do prêmio Luiz de Castro de Faria” com transmissão online.
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