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ENTREVISTA
"Nosso propósito é popularizar o Iphan”
Na manhã desta quarta-feira, 17/01, o presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass, concedeu entrevista em que pontua os principais desafios encontrados e projetos implementados, em 2023, pelo órgão. Há um ano à frente de uma instituição quase centenária, Grass reflete sobre a necessidade de modernizar e aproximar o Iphan da população, sobretudo de segmentos mais vulneráveis e historicamente excluídos, para fazer as pessoas entenderem o papel estratégico do órgão no funcionamento do Estado brasileiro – e do Patrimônio Cultural como ferramenta de desenvolvimento humano, social e econômico. “Educação é a base de qualquer política pública, para que ela dê certo, porque isso engaja a sociedade e a traz para o nosso lado", diz o presidente.
No início de 2023, quais os principais desafios que o Sr. encontrou pela frente e quais os objetivos prioritários traçados para o Iphan?
O primeiro desafio que encontramos ao chegar aqui foi recuperar a autoestima dos servidores e ter um planejamento para o Iphan, a partir daquilo que o Governo Federal estabeleceu também como prioridade. Em especial, o olhar pela Amazônia, pelas culturas de matriz africana, pelas populações indígenas e por todos os segmentos e grupos historicamente excluídos da sociedade brasileira. Tão logo chegamos, já definimos as diretrizes, e as superintendências e as unidades elaboraram seus planos de ação para executar o orçamento que nós tínhamos, graças à PEC da Transição. Ou seja, o primeiro momento foi de reorganização e reestabelecimento da nossa estrutura, do nosso regimento, e de escuta com os servidores e com a sociedade. Então começamos a ter resultados já de curto prazo e outros que começamos a plantar e estamos colhendo agora.
Como essas prioridades se refletiram nas ações voltadas ao Patrimônio Cultural Brasileiro?
A própria história do Patrimônio Cultural está muito atrelada ainda a uma tendência do patrimônio colonial concentrado no Sudeste brasileiro. Claro que nós evoluímos muito ao longo dos anos. Mas ainda há o desafio de descentralizar e diversificar os investimentos, principalmente orientando para as regiões Norte, Centro-Oeste, para os territórios do interior do Brasil, para as pequenas e médias cidades. Há patrimônio cultural em qualquer comunidade. Tudo aquilo que é importante para as pessoas é patrimônio. Então, começamos a direcionar esforços para esses territórios antes esquecidos e não visibilizados. [Outra] parte das nossas diretrizes, como eu disse, é olhar também para segmentos e grupos [da população] – daí a importância de termos nossos escritórios técnicos e superintendências em diálogo permanente com as comunidades, porque foi a participação social que permitiu a patrimonialização de muitos bens culturais que nós temos. E a retomada da participação faz com que o Iphan seja visto pela população como uma instituição parceira na garantia dos seus direitos, na entrega daquilo que é bem-estar e qualidade de vida.
O Sr. vê a construção da portaria de tombamento dos quilombos um dos bons exemplos dessa participação da sociedade?
A portaria de tombamento dos quilombos foi uma grande vitória, uma construção coletiva do Iphan, tanto interna quanto com a sociedade civil. Em parceria com outras instituições do governo – como o Incra, como a Fundação Cultural Palmares em especial, o Ministério da Igualdade Racial, o próprio Ministério da Cultura, a partir das suas secretarias –, nós conseguimos alcançar esse objetivo que era regulamentar o que a Constituição já determinava desde 1988, que é o reconhecimento dos quilombos como patrimônio cultural brasileiro. Como se dará então essa preservação? O que será preservado? A portaria indica exatamente o passo a passo para que nós, em parceria e pactuação com os quilombolas, possamos definir o que das suas reminiscências, dos seus bens culturais, vamos preservar, conforme a autonomia e a autodeterminação das comunidades quilombolas do Brasil.
Outro projeto que ganhou destaque, nos últimos meses de 2023, foi o dos canteiros-modelo de conservação. O que motivou o Iphan a implementar esse projeto?
O Iphan sempre investiu muito no patrimônio material, especialmente em bens imóveis. Só que nós temos um desafio junto às comunidades onde esses bens se encontram. Vou dar um exemplo muito simples. O Iphan, ao longo do tempo, restaurou muitas igrejas, muitos teatros, muitas praças importantes – o que realmente tinha que ser feito. No entanto, em vários contextos, as pessoas que moravam e moram ali, próximas a esses bens, continuaram com suas casas, em péssimo estado. Então, o canteiro-modelo de conservação tem por objetivo, justamente, fazer uma recuperação desses imóveis que estão nas áreas tombadas do Brasil, principalmente imóveis de pessoas vulneráveis, que têm renda baixa. Nós já estamos fazendo isso em alguns municípios. Começamos, por exemplo, lá em Laranjeiras, Sergipe, onde quase 90% da população que mora no centro histórico é inscrita no Cadastro Único. [Estamos também em] Natividade, no Tocantins, olhando de novo para os pequenos territórios e pequenas comunidades.
Em 2023, o Iphan também participou da criação ou revisão de instrumentos normativos muito importantes, voltados, por exemplo, para a fiscalização do comércio de obras de arte ou para a autorização de intervenções em bens tombados. Qual a importância dessa atuação do Iphan?
O Iphan é uma instituição de 87 anos de idade, e suas legislações de base também sofreram alterações ao longo desse tempo. Então, a gente vem atualizando várias normas, principalmente normas de preservação de sítios históricos, e estamos também atualizando normas de fluxos e processos estratégicos. Um deles é o do licenciamento ambiental, do qual o Iphan participa no sentido de garantir que os empreendimentos do Brasil aconteçam ao mesmo tempo com a preservação do patrimônio. Essa revisão da Instrução Normativa (IN) do Licenciamento vem acontecendo com bastante diálogo interno e externo, com muita participação dos servidores. Até o meio do ano de 2024, nós teremos uma nova IN que dará mais segurança jurídica tanto aos técnicos, servidores do Iphan, quanto aos próprios empreendedores. Dará também maior garantia de preservação do patrimônio. E olha para o momento histórico [atual], de novas categorias de empreendimento que não estavam contempladas lá na antiga Instrução Normativa.
E o campo do Patrimônio Imaterial, como a linha de prioridades adotadas pelo Iphan em 2023 se refletiu nos bens registrados?
O patrimônio imaterial recebeu seu maior investimento dos últimos 23 anos. Tivemos um orçamento bastante robusto; só o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) teve um investimento de R$ 23 milhões. Foram muitos recursos aplicados em pesquisas, no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, que fica no Rio de Janeiro, em todo um trabalho com artesanato brasileiro. Ou seja, um volume realmente muito alto, que já começa a gerar frutos importantes. Nós temos registros que estão prontos para serem aprovados pelo Conselho Consultivo, como o do Choro; temos vários planos de salvaguarda que foram reestabelecidos e revisados; temos uma Coordenação de Diversidade Linguística agora; temos investimentos também para que as línguas do Brasil sejam inseridas no nosso Inventário Nacional de Diversidade Linguística, o INDL. Ou seja, tem muita coisa em andamento na agenda do patrimônio imaterial, que, embora seja um segmento, acaba impactando as outras linhas de trabalho do Iphan. Embora haja segmentos – patrimônio material, imaterial, arqueologia, educação patrimonial –, o esforço dessa gestão é integrar o patrimônio como um todo. Trabalhamos com categorias apenas para que os procedimentos técnicos administrativos possam transcorrer com responsáveis específicos, mas o nosso olhar é que patrimônio é uma coisa só.
A educação patrimonial talvez tenha sido um dos pontos mais enfatizados pela sua gestão ao longo de 2023. Por que a educação patrimonial importa?
Eu costumo dizer que ninguém cuida de algo que não conhece. Então, se nós queremos de fato preservar o Patrimônio Cultural Brasileiro, é preciso que a população em geral tenha entendimento sobre o que é esse Patrimônio e por que ele é Patrimônio. Portanto, educação – que é formação, conhecimento, partilha de experiência – é a base da preservação do Patrimônio. A gente faz educação nas escolas, num sentido mais formal – e o Iphan está nas escolas, em parceria com várias secretarias de Educação municipais e estaduais do Brasil, com projetos e jornadas de patrimônio. Mas o Iphan também está nas comunidades fazendo educação patrimonial, junto com detentores e mestres da cultura popular. O Iphan está nas universidades fazendo educação patrimonial. Os canteiros-modelo são um exemplo disso: estamos formando arquitetos, engenheiros, especialistas de patrimônio com uma visão social, de compromisso junto às populações tradicionais e mais vulneráveis. A gente faz educação patrimonial todo o tempo e em vários lugares diferentes. E também estamos investindo em comunicação, que é educação patrimonial, fazendo com que as entregas e os trabalhos do Iphan fiquem mais visíveis, e a população possa participar mais disso. Educação é a base – não só do patrimônio, mas de qualquer política pública, para que ela dê certo – porque isso engaja a sociedade para ser parceira também das nossas iniciativas.
Apesar da transversalidade, o campo da educação patrimonial está diretamente relacionado ao atual Departamento de Articulação, Fomento e Educação (DAFE), que está à frente de iniciativas concretas de fomento como o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade ou o edital de Educação Patrimonial. O que o Sr. destaca das ações desse departamento em 2023?
Nós passamos ao longo de 2023 por um diálogo e um desenho de nova estrutura para o Iphan. Uma das mudanças foi a recriação dessa área da educação patrimonial, que hoje está dentro do DAFE, que vai cuidar do Sistema Nacional do Patrimônio, que vai cuidar do fomento ao patrimônio – principalmente captando recursos e fomentando projetos a partir da Lei Rouanet – e da área da educação, que se integra a todas as áreas do Iphan. Um dos projetos [nesse campo] foi o edital da educação patrimonial, uma iniciativa inédita dentro do Iphan. Tivemos um investimento de quase 4 milhões de reais. Foram diversos projetos selecionados, nas cinco regiões do Brasil, atrelados também a temas que tradicionalmente não são do patrimônio, mas que o patrimônio alcança. Por exemplo, o meio ambiente, a questão de gênero, a importância da promoção da igualdade entre homens e mulheres. Essa mesma área, junto com o departamento como um todo, está avançando nas publicações: a gente está retomando a Revista Nacional do Patrimônio. E os editais, os nossos prêmios também [estão] ganhando mais força, como o Prêmio Rodrigo, que [em 2023 teve] uma proposta muito importante, que é da igualdade racial e da democracia.
O Sr. citou o Sistema Nacional de Patrimônio Cultural. Como o Iphan participa dele?
O Iphan é a instituição federal que gere e faz a preservação do patrimônio, reconhecida em nível nacional e internacional. Mas nós temos, nos diversos territórios brasileiros, também a patrimonialização. Há bens tombados, registrados e reconhecidos também em nível municipal e estadual. O Sistema Nacional de Patrimônio representa essa grande articulação – entre União, estados e municípios – para a preservação do patrimônio, pensando intercâmbios técnicos e projetos comuns. Entendendo, também, que há bens culturais que são tombados [nacionalmente], mas que estão ali, dentro do território da prefeitura e do governo estadual, e precisam da atuação deles também para serem preservados. Muitas vezes há uma ideia de que só o Iphan preserva o Patrimônio Cultural Brasileiro, mas todos os entes federados são corresponsáveis. Um bem cultural que está em Minas Gerais é responsabilidade da prefeitura daquela cidade, do governo estadual e do Iphan. Da mesma forma é lá no Amazonas, da mesma forma é lá em Xapuri, no Acre. Então a gente precisa voltar a trazer esses municípios e governos estaduais para perto da gente, estabelecendo diálogo – o nosso tradicional e famoso Pacto Federativo em prol do Patrimônio.
Por meio do Departamento de Ações Estratégicas e Intersetoriais (DAEI), o Iphan retoma obras do antigo “PAC Cidades Históricas”, agora como “Novo PAC Patrimônio Histórico”, e ainda está selecionando novos projetos voltados ao Patrimônio Cultural pelo “PAC Seleções”. Como esses termos e linhas de investimento refletem os critérios e as novas prioridades do Iphan?
Nosso entendimento é que, quanto mais próximo o Iphan estiver de outras agendas de governo, posicionando-se como uma instituição estratégica do Estado brasileiro, mais resultados positivos nós teremos. Então, nesse momento, o Iphan é parceiro de vários ministérios: Ministério do Meio Ambiente, dos Povos Indígenas, da Educação, do Turismo. E esse [o PAC] é um dos projetos mais importantes do governo, que a gente viu como uma grande oportunidade também para que o Patrimônio Cultural pudesse ganhar mais relevância do ponto de vista de investimento. Temos ações já com projetos contratados – são 139 obras previstas para até 2026 – e, pelo menos, mais 100 projetos que estamos selecionando. E o salto de qualidade que conseguimos com o Novo PAC é fazer obras não só de restauro, que tradicionalmente foram feitas no PAC anterior, mas também obras que fomentem outras linhas de patrimônio. Temos projetos inscritos que vão ao encontro do fortalecimento da arqueologia, com implementação de receptivos [para visitantes], acessibilidade, para socialização do patrimônio arqueológico. Temos projetos ligados aos centros de referência do patrimônio imaterial, que são espaços onde os detentores se encontram para fomentar e perpetuar aquele bem cultural. Ou seja, nós vamos ter restauros e ações de conservação, mas vamos ter também investimentos que vão projetar outras linhas de patrimônio que, na antiga versão do PAC, não estavam contempladas. Esse departamento [o DAEI] foi criado com uma nova visão de articular o Iphan junto a programas federais, e articular internamente as ações do Iphan, dando suporte principalmente para a arqueologia, que está vinculada à educação patrimonial, ao patrimônio imaterial, às comunidades tradicionais, aos quilombos. A arqueologia é, hoje, uma das nossas principais apostas para projetar o Iphan num lugar de diálogo com outras linhas de ação do Estado.
Como o Sr. avalia que essas realizações citadas chegaram para a sociedade, em 2023, e como espera que as próximas sejam recebidas?
Toda instituição antiga, e o Iphan é quase uma instituição centenária, tem desafios de atualização e de mudança da sua imagem, principalmente nos estereótipos que carrega. O Iphan teve muitas conquistas ao longo da sua história, mas ainda é entendido por uma parcela da população como uma instituição distante, ou uma instituição muito elitizada. Então, nosso propósito nessa gestão é popularizar o Iphan. Quando eu digo popularizar, em nenhum momento estamos querendo reduzir o Iphan a algo menor. Pelo contrário, é alavancar o Iphan para um diálogo maior com a população, para que as pessoas entendam o que é o patrimônio cultural e sejam parceiras da preservação. Para que o Iphan seja entendido como uma instituição estratégica do Estado brasileiro, e que o patrimônio cultural seja visto como uma ferramenta de desenvolvimento humano, social e econômico, porque de fato ele é! E aí a gente vai mudando essa imagem, se abrindo mais à população como um todo, apostando principalmente na relação com crianças, adolescentes e jovens. Porque essa nova geração que está chegando precisa enxergar o patrimônio como algo valioso. A gente está na era das novas tecnologias, e o Iphan tem também o desafio de modernização, de atualização das suas bases tecnológicas – da sua comunicação, inclusive – para se conectar com essas novas gerações. Então, tudo isso está sendo feito, pensado, trabalhado, dia a dia, com muito esforço. Com limitações de força de trabalho, de orçamento, por vezes, mas não nos falta disposição!
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