Concurso Sílvio Romero de Monografias sobre Folclore e Cultura Popular - 2019
Em 2019, o Concurso Sílvio Romero teve 54 trabalhos monográficos inscritos no campo da cultura popular. O 1º colocado investigou o surgimento da música caipira gravada na fonografia brasileira durante a instauração do mercado do disco em São Paulo, entre 1878 e a década de 1930, e o 2º lugar apresentou a trajetória artística do cantor Patrício Teixeira (1892 - 1972) e sua relação com a visibilidade das identidades culturais negras. Os vencedores receberam, respectivamente, R$25 mil e R$20 mil. Outras três monografias receberam menções honrosas.
1° lugar: Nora Juliana Pérez Gonzalez (USP) - Caipiras no estúdio de gravação: a indústria fonográfica e a música caipira em São Paulo (1878 - 1930).
Tese de doutorado defendida no Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade de São Paulo (USP), orientada por José Geraldo Vinci de Moraes.
A presente monografia investiga o surgimento da música caipira gravada na fonografia brasileira durante a instauração do mercado do disco em São Paulo, entre 1878 e o começo da década de 1930. Observa-se um crescente e desconhecido mercado de música gravada na capital paulista e certo abandono das preferências musicais da cidade por parte das gravadoras ativas durante a fase mecânica do disco. Tal espaço foi preenchido pelos selos internacionais que chegaram no final dos anos 1920 e gravaram música de “legítimos” caipiras paulistas, visando conquistar o mercado do Estado. As representações caipiras dos discos precedentes provinham das representações caipiras existentes na literatura, no teatro musicado e nas partituras de final do século XIX. Elas eram produto do olhar da elite letrada sobre o universo rural. Em 1929, os primeiros discos de músicos caipiras foram apresentados como de interesse folclórico pela fonografia. Ela buscou responder à necessidade sentida pelas elites hegemónicas, de criar uma identidade cultural paulista que solapasse os conflitos raciais, culturais e de classe irresolutos até então no Estado cafeeiro.
2° lugar: Caroline Moreira Vieira Dantas (Uerj) - O grande cantor negro: protagonismo e tensão racial na trajetória artística de Patrício Teixeira (1892 - 1972).
Tese de doutorado defendida no Programa de Pós-graduação em História Social pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), orientada por Joana D'arc do Valle Bahia.
Patricio Teixeira foi uma importante voz da canção nacional nas décadas de 1920 e 1930, tendo sua carreira se estendido até meados dos anos 1950. A partir de então e até o seu falecimento, aos 80 anos, dedicou-se exclusivamente ao ofício de ensinar violão e canto, o que lhe garantia a sobrevivência. Lembrado pela imprensa de sua época, e nomeado pelo cronista Vagalume como “o grande cantor negro”, o seu ocultamento na memória musical foi paulatinamente acontecendo. Pioneiro na radiofonia, Patricio levou ao ar, aos discos e aos palcos diversas musicalidades populares como maxixes, sambas, modinhas e emboladas nortistas, ajudando na construção das bases da profissão de cantor popular. Sua experiência conferiu visibilidade às identidades culturais negras, indicando demandas por cidadania, ascensão social, respeito e reconhecimento artístico.
1ª menção honrosa: Jorge Maurício Herrera Acuna (USP) - Um mestre de capoeira entre gingas e letras, de.
Tese de doutorado defendida no Programa de Pós-graduação / Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), orientada por Lilia Katri Moritz Schwarcz.
Mestre Pastinha é a mais importante referência da “capoeira angola,” e também um de seus principais pensadores. Nascido em Salvador no final do século XIX, sua vida perpassa momentos cruciais da experiência Afro-Brasileira das classes subalternas ao longo do século XX. A partir da década de 1940, Pastinha propõe “preservar” a capoeira e, ao fazê-lo, procura inscrever também uma biografia que silencia aspectos de seu passado em favor de outros, consolidando-se como um importante intelectual da “cidade gingada” – noção desenvolvida em oposição à ideia de cidade letrada. Assim, o pretende-se analisar quais são as condições de emergência, experimentação, consolidação e reconhecimento de saberes subalternos e racializados na Bahia do século XX. Ao mesmo tempo, procura-se apreender os processos de formação e modificação da subjetividade de Pastinha nos “entre lugares” de dois polos dinâmicos de saberes: a ginga e a letra.
2ª menção honrosa: Ralyanara Moreira Freire (UEG) - Tramas ao avesso: memória e identidade fiandeiras na Região da Estrada de Ferro (GO).
Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-graduação em Territórios e Expressões Culturais no Cerrado (TECCER) da Universidade Estadual de Goiás (UEG), orientada por Maria Idelma Vieira D'Abadia.
Apresenta-se uma abordagem sobre o modo de vida das mulheres fiandeiras que estão nas cidades do interior do estado de Goiás por onde a estrada de ferro passa. No decorrer do texto, busca-se encontrar e pensar sobre os sentidos que mantêm estas mulheres dedicadas ao manuseio da linha ainda neste século. Para tanto, conta-se com a etnografia como um caminho possível para apreender este vivido, além de pesquisa bibliográfica. Aliada a elas, está a escrita alegórica da dissertação por meio da linguagem que traspassa a formal e metafórica, e ainda a inscrição de elementos do campo no texto, como as falas das mulheres fiandeiras e seus objetos como composição do trabalho final. Desta forma, busca-se o apoio em autoras/es que trabalham as ancestralidades, as memórias e as identidades. Com isto, incorre-se nos sentidos a partir do cotidiano que possibilita interpretações da própria vida. Estes sentidos estão em construção, e se formulam também com o manuseio da linha em diferentes formas, para além do fiar propriamente dito.
3ª menção honrosa: Maria Acserald (UFRJ) - Avança caboclo (título original: Dançando contra o Estado: a relação dança e guerra nas manobras dos Caboclinhos de Goiana/Pernambuco).
Tese de doutorado defendida no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), orientada por Elsje Maria Lagrou.
Trata-se aqui de uma reflexão sobre a relação dança e guerra a partir de uma etnografia dos caboclinhos, agremiação carnavalesca formada por homens, mulheres e crianças, que desfilam pelas ruas de Goiana/Pernambuco. A escolha de refletir sobre esta tradição, a partir da relação entre os grupos, quis evitar sua compreensão, a partir das lógicas de organização interna e da descrição do que se move, no plano do visível, apenas. Para isso, foi necessário estender o alcance da pesquisa até a jurema, religião de matriz afroindígena, que permite acessar forças de uma dimensão invisível, que também dança. Como guerras dançadas, os caboclinhos nos lembram que o passado é feito de lutas. Como danças de guerra, nos preparam para aquelas que ainda estão por vir. Chamando atenção para as diferentes forças que movem a dança e formas que assumem a luta.
Comissão Especial de Seleção do Concurso Sílvio Romero 2019:
Aldrin Moura de Figueiredo, doutor em História e professor associado da Universidade Federal do Pará (UFPA);
Emerson Alessandro Giubemlli, doutor em Antropologia Social e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS);
Francisca Pereira dos Santos, doutora em Literatura e Cultura e professora titular da Universidade Federal do Cariri (UFCA);
Marcus de Araújo Ferrer, doutor em Teoria e Prática da Interpretação Musical e professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);
Guacira Waldeck, mestre em Antropologia, pesquisadora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), como representante institucional.