Edição 2013
Na edição 2013 foram apresentadas 50 monografias, das quais seis foram desclassificadas por não cumprirem as exigências do edital. Dois trabalhos foram premiados e três receberam menções honrosas.
1° lugar: Ewelter de Siqueira e Rocha (Universidade de São Paulo) - Três silêncios e uma cruz (título original da tese de doutorado Vestígios do sagrado: uma etnografia sobre formas e silêncios)
O caminho empírico foi a cidade de Juazeiro do Norte, município do sul do Ceará, um dos maiores centros de romaria popular do Brasil, enfocando em particular a Ladeira do Horto, caminho velho que conduz à estátua do Padre Cícero. O objetivo foi realizar uma reflexão sobre os processos não narrativos de enunciação e produção de poder sagrado. Algumas músicas do repertório religioso tradicional, verdadeiros tesouros para os devotos mais idosos, eram rechaçadas pelos “católicos modernos”, sendo seu canto considerado chamariz de infortúnios, prenúncio de má sorte. O resultado da pesquisa transcendeu o domínio sonoro, abrangendo todo um conjunto de expressividades relacionadas a uma prática devocional voltada para o cultivo da penitência como principal preceito religioso na economia da salvação das almas.
O propósito foi mostrar como foi possível a esses devotos idosos preservarem a sua identidade penitencial sem prejuízo do sentimento de unidade religiosa com a Igreja Católica, cuja orientação doutrinária atual constrange as práticas devocionais centradas no exercício da penitência e da mortificação do corpo. Alvitramos a existência de uma doutrina penitencial apócrifa que, apesar de não ser propalada nos discursos sobre a religião, está consignada no repertório musical dos antigos benditos, nos altares domésticos e na corporeidade das velhas beatas, instâncias que elaboram um espaço estético de plausibilidade capaz de legitimar o valor sagrado da penitência e de preservar nos devotos a convicção sobre obediência e unidade católica.
2° lugar: Oswaldo Giovannini Júnior (Universidade Federal do Rio de Janeiro) - Sortilégio do registro: Aires da Mata Machado, os vissungos e os negros do Garimpo em Minas Gerais
A pesquisa abordou a visão de mundo e o ethos que fundamentaram o registro dos cantos vissungos por Aires da Mata Machado Filho no livro O negro e o garimpo em Minas Gerais. Com o exame das ideias do modernismo e da mineiridade presentes no contexto intelectual do autor, buscou-se compreender a interpretação proposta de tais cantos ligados à vida no garimpo da região de Diamantina/MG, na qual a noção de sobrevivência emerge de modo relevante. Ao mesmo tempo, os cantos vissungos e o “dialeto crioulo” se configuram em seu trabalho com um teor poético que traduz relações entre escrita e oralidade presentes em sua experiência de pesquisa e indicadas em seu texto.
Também foi abordada a recepção da obra por intelectuais e pela sociedade brasileira mais ampla, ao enfocar a trajetória de Machado Filho e sua participação no Movimento Folclórico Brasileiro à frente da Comissão Mineira de Folclore. Foram examinadas suas relações com o meio intelectual mineiro das primeiras décadas do século XX e a repercussão de suas ideias entre pesquisadores do folclore. O presente trabalho analisou ainda o retorno da pesquisa do autor, aproximadamente 80 anos mais tarde, a seu local de referência etnográfica, e a atual rede de relações e simbolizações construída em torno dos cantos vissungos, que envolve cantadores populares, intelectuais, artistas e agentes culturais, percebendo a sua vitalidade na sociedade brasileira contemporânea.
1ª menção honrosa: Joana Ramalho Ortigão Correa (Universidade Federal do Rio de Janeiro) - Vamos fazer um fandango: arranjos familiares e sentidos de pertencimento em um dinâmico mundo social
Esse trabalho investigou a amplitude semântica da noção de “fazer fandango”, a partir do convívio com fandangueiros do litoral sul de São Paulo e norte do Paraná. Expressão popular que reúne dança, música e poesia, a pesquisa procurou elucidar como o mundo social do fandango se constitui e se modifica a partir da interação com outras esferas sociais. Desde os estudos dos folcloristas, a partir da primeira metade do século XX, até os tempos atuais, o fandango transita pelos circuitos da cultura assumindo novos sentidos e práticas. Por meio de uma experiência etnográfica em sítios e vilas no município de Cananeia, em São Paulo, de relatos históricos e percursos por contextos diversificados de circulação do fandango, investigaram-se os rearranjos de membros de uma família de fandangueiros – a Família Pereira – e seus novos posicionamentos como grupos, mestres e artistas.
2ª menção honrosa: Sylvia Regina Bastos Nemer (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) - O cordel na Feira de São Cristóvão: contando histórias, tecendo memórias (título original da tese de doutorado Feira de São Cristóvão: contando histórias, tecendo memórias)
Os processos de transmissão de memórias e uso do espaço urbano associados à experiência da migração constituíram a base do referido trabalho, que dirige a atenção para a Feira de São Cristóvão, observada a partir das memórias em circulação por meio de folhetos de cordel, depoimentos e acervos pessoais de cordelistas nordestinos em atividade na cidade do Rio de Janeiro, entre a segunda metade do século passado e a primeira década deste século. Por se tratar de uma manifestação cultural distanciada dos códigos hegemônicos do Sudeste do Brasil e, por sua vez, chave para o grupo frequentador do espaço em pauta, as vozes do cordel e dos cordelistas revelam-se de grande valor para a discussão de questões relacionadas à migração, à ocupação do espaço por grupos minoritários, à transmissão de memórias e aos diálogos interculturais, temas que, com o avanço dos processos de globalização cultural e valorização dos patrimônios culturais tradicionais, vêm se afirmando tanto no debate público quanto no debate acadêmico.
3ª menção honrosa: Giuliana Souza de Lima (Universidade de São Paulo) - Almirante, “a mais alta patente do rádio”, e a construção da história da música popular brasileira (1938-1958)
O objetivo foi analisar a historiografia da música popular brasileira na primeira metade do século XX, à luz da trajetória de Almirante (Henrique Foreis Domingues, Rio de Janeiro, 1908-1980). Além de se ter tornado conhecido como a mais alta patente do rádio já no final dos anos 1930, em razão de sua importância para a profissionalização e diversificação da programação radiofônica, Almirante teve papel fundamental nos estudos sobre a história da música popular brasileira, integrando o que podemos chamar de sua “primeira geração de historiadores”. Seus programas abrangiam do folclore à música popular difundida nos meios de comunicação em massa, cujas pesquisas contribuíram para a formação de um vasto arquivo sobre música popular, que passou a integrar o Museu da Imagem e do Som (MIS-RJ), em 1965. Ao lado de outros personagens de sua geração, Almirante foi responsável pela seleção, organização, compilação e arquivamento de registros, estabelecendo recortes, problemas e um discurso fundador em torno da história da música popular brasileira. Esta “historiografia” é singular na tentativa de compreender a importância da música popular para a formação das identidades culturais urbanas, e inovadora, por preceder as investigações acadêmicas neste campo.
Comissão julgadora:
Carla Costa Dias, doutora em Artes Visuais com ênfase em Antropologia da Arte, professora adjunta da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Pedro de Moura Aragão, doutor em Musicologia, professor adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio Janeiro (UniRio), Maria Suely Kofes, livre docente em Antropologia Social, professora titular da Universidade Estadual de Campinas; Wilson Rogério Penteado Júnior, doutor em Antropologia Social, professor adjunto da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia; e, como representante do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Guacira Waldeck, mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.