Edição 2009
Ao todo, 94 monografias foram recebidas na edição 2010 do Concurso Sílvio Romero. Dessas, 16 foram desclassificadas por não obedecerem as exigências previstas em edital. Dois trabalhos foram premiados e três receberam menções honrosas.
1° lugar: Lucieni de Menezes Simão (Universidade Federal Fluminense) - A semântica do intangível: considerações sobre o registro do ofício de paneleira do Espírito Santo
Esse trabalho pretende traçar um panorama dos atuais instrumentos de documentação e salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro, explorando a natureza particular dos inventários e registros dos bens denominados imateriais ou intangíveis. As discussões sobre o patrimônio “imaterial” ou “intangível” referem-se aos processos humanos de criação e transmissão do conhecimento e à manutenção de padrões, alguns deles de tradição secular, presentes nas festas rituais, nas celebrações religiosas, nas formas de expressão e no artesanato tradicional. A valorização desse tipo de processo de produção conduz a uma metodologia de inventário apropriada a essa modalidade de bem patrimonial.
2° lugar: Mônica Martins da Silva (Universidade de Brasília) - A Escrita do Folclore em Goiás: uma história de intelectuais e instituições (1940-1980)
O folclore surgiu como neologismo no século XIX e se tornou um campo de estudos que reuniu intelectuais diletantes interessados no estudo da cultura do povo, pouco preocupados com o rigor científico que sustentava o surgimento de outros campos do conhecimento da época. No Brasil, o estudo do tema se tornou relevante entre intelectuais do final do século XIX, assim como entre os modernistas do início do século XX. Incorporado ao debate sobre nação e região, suscitou o interesse de estudiosos como Americano do Brasil, Crispiniano Tavares e José Aparecido Teixeira, que, em Goiás se interessaram pela pesquisa e discussão de temas relacionados à história do povo e colaboraram na construção de enredos culturais a partir de seus livros.
A criação da CNFL (Comissão Nacional de Folclore) em 1947 promoveu a institucionalização do folclore e criou uma rede nacional de folcloristas motivados pelo estudo e levantamento das manifestações populares. Em Goiás, a criação da CGF (Comissão Goiana de Folclore) em 1948 reuniu intelectuais dentre os quais se destacou Regina Lacerda, que tanto se inseriu de forma diferenciada, quanto transformou o folclore em capital simbólico para utilizá-lo como moeda de troca na delimitação do campo da cultura em Goiás. As políticas culturais dos anos de 1970 no âmbito estadual também fizeram parte desse campo, com atividades realizadas nos municípios como semanas de folclore e artesanato, comemoração de datas celebrativas, cursos, concursos, realização de inquéritos e estudos sobre festas e artesanato, entre outras manifestações culturais, promovidas pelo IGF (Instituto Goiano do Folclore). Em todos esses períodos, paralelamente, os intelectuais folcloristas produziram uma escrita que reelaborou o conceito de folclore dialogando com as demandas de seu tempo.
1ª menção honrosa: Luciana Pras (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) - Maçambiques, quicumbis e ensaios de promessa: um reestudo etnomusicológico entre quilombolas do Sul do Brasil
Retornando a temáticas e locais já estudados por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, em épocas distintas, desde outros paradigmas, essa pesquisa apresentou-se como um reestudo etnomusicológico sobre tradições performáticas entre quilombolas do Rio Grande do Sul. Através da etnografia multi-situada, realizada entre 2006 e 2009, nas comunidades remanescentes de Casca, Rincão dos Negros e Morro Alto, a autora buscou problematizar o lugar da música na agenda identitária contemporânea desses grupos que lutam por terem seus direitos reconhecidos. A partir do compartilhamento de memórias e saberes sobre Maçambiques, Quicumbis e Ensaios de Promessa, com chefes, mestres, dançantes e músicos, de diferentes gerações, foi possível encontrar indícios de uma rede de Congadas no estado, existente desde o século XIX e resistindo, em muitos locais, até a atualidade.
Sendo o Maçambique de Osório, um dos marcos mais visíveis dessa rede, e graças ao acesso a documentos sonoros e audiovisuais históricos realizados pelos folcloristas Ênio de Freitas e Castro e Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, em meados do século XX - no âmbito de um projeto de coleta de registros sonoros que amalgamava diversos estudiosos do país e mesmo do mundo, em um grande movimento folclórico -, esse trabalho pôde investir nos aspectos dialógicos suscitados pela “devolução” desses documentos aos maçambiqueiros contemporâneos, instaurando uma via de mão-dupla entre pesquisados e pesquisadora, em direção ao desvelamento de questões identitárias profundas envolvendo autoria, valorização, e justiça acerca do patrimônio imaterial do grupo. Por fim, nesse processo foi possível perceber o fio que liga as práticas performáticas dessas comunidades quilombolas à terra, ao território e às lutas contemporâneas pelo reconhecimento de seus direitos.
2ª menção honrosa: João Miguel Manzolillo Sautchuk (Universidade de Brasília) - A poética do improviso: prática e habilidade no repente nordestino
Esse estudo aborda o repente ou cantoria, modalidade de poesia cantada e improvisada praticada na região Nordeste do Brasil, especialmente nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Seus praticantes são chamados de repentistas, cantadores ou violeiros e cantam sempre em dupla, alternando-se na composição de estrofes de acordo com parâmetros rígidos de métrica, rima e coerência temática. Há um conjunto de regras formuladas nesse sentido, mas os repentistas improvisam seus versos a partir de fundamentos práticos como o ritmo poético incorporado. O improviso coloca o repentista em relação com modelos estéticos como o ritmo da poesia, os padrões melódicos e as regras da cantoria, ao mesmo tempo em que o põe em diálogo com o outro cantador e com as demandas e reações da plateia.
O improviso, portanto, não é apenas a criação poética, mas também o desenrolar de um jogo de interação dos poetas com os outros sujeitos na situação da cantoria. O elemento central da cantoria é a disputa entre dois cantadores, que se pauta em valores relativos à construção da masculinidade, e pela qual os poetas constroem sua imagem pessoal e seu prestígio. O caminho escolhido para a análise dessa arte é a antropologia da prática, buscando compreender a relação entre ação e estrutura, e a reprodução das formas da vida social por meio das práticas. Um ponto metodológico relevante na realização desta pesquisa foi o aprendizado da cantoria como estratégia etnográfica. Dessa maneira, são abordados o campo social da cantoria, a diferenciação e a reciprocidade entre cantadores, a formação do cantador, as habilidades do improviso poético e o ritual da disputa entre cantadores.
3ª menção honrosa: Mario de Souza Maia (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) - O Sopapo e o Cabobu: Etnografia de uma tradição percussiva no extremo sul do Brasil
Essa pesquisa aborda, pelo método etnográfico, o Sopapo, um gênero de tambor de grandes dimensões existente nas cidades de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, sua sonoridade e presença nos universos do carnaval e música popular. Esse instrumento, produto da reconstrução diaspórica dos escravos trabalhadores nas Charqueadas em Pelotas, no século XIX, foi amplamente usado a partir da década de 1950 em escolas de samba nestas três cidades. Com a realização do festival de música chamado CABOBU, ocorrido em Pelotas no ano 2000, foi apresentado o ritmo cabobu, num processo de (re)invenção de uma tradição percussiva. Assim, artistas e grupos musicais do universo da música popular e da dança afro se apropriaram do instrumento, ressemantizando sua sonoridade e conferindo status diferenciado ao Sopapo, como elemento identitário e ideológico. Utilizando as categorias e falas dos colaboradores, esta pesquisa apresenta uma etnografia da cultura musical destes universos – o carnaval, a música popular e a dança afro, observando os repertórios, os instrumentistas e suas performances, tendo como fio condutor o Sopapo.
Comissão julgadora:
Antonio Edmilson Martins Rodrigues, livre-docente em História do Brasil, professor assistente da PUC-RJ e professor adjunto na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Mundicarmo Maria Rocha Ferreti, doutora em Antropologia Social, professora emérita da Universidade Estadual do Maranhão, professora titular aposentada da Universidade Federal do Maranhão, Renata de Castro Menezes, doutora em Antropologia Social, professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional, Rita de Cássia Lahoz Morelli, doutora em Antropologia Social, professora assistente da Universidade Estadual de Campinas, Márcia Regina Romeiro Chuva, doutora em História, representante do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular/Iphan.