Edição 2008
Ao todo, 74 monografias foram recebidas na edição 2008 do Concurso Sílvio Romero. Dessas, nove foram desclassificadas pela comissão julgadora por não atenderem ao regulamento do concurso. Como previa o edital, dois trabalhos foram premiados e três receberam menções honrosas.
1° lugar: Daniel Bitter (Universidade Federal do Rio de Janeiro) - A bandeira e a máscara: estudo sobre a circulação de objetos rituais nas Folias de Reis, de Daniel Bitter
Essa tese aborda o lugar que certos objetos ocupam em sistemas de trocas de natureza ritual. Adotando os objetos materiais como ponto de vista para observar essas relações, enfatiza-se o modo como eles estabelecem mediações entre domínios sociais e cosmológicos diversos, desencadeando transformações sociais e simbólicas. O foco da descrição e análise é a circulação da bandeira e da máscara no contexto social e ritual das folias de reis, empreendimento festivo que ocorre em grande parte do território brasileiro. Trata-se de grupos de cantores e instrumentistas que realizam anualmente visitas rituais às casas de devotos, distribuindo bênçãos em troca de donativos destinados à festa dedicada aos Reis Magos.
Etnograficamente, a bandeira e a máscara se insinuam enquanto símbolos dominantes, apresentando-se de forma complementar e produzindo reflexos no plano das ações sociais e rituais. Procura-se mostrar como esses objetos, ligados entre si pelas pessoas que coletivamente os manipulam, materializam vínculos fundamentais, pondo o sistema em movimento e permitindo a emergência de novas ideias e sentidos. Acompanha-se o deslocamento das folias de reis por contextos multiculturais, quando os objetos passam, então, a ser vistos a partir de “enquadramentos” particulares, ganhando novos significados.
2° lugar: Luciana Hartmann (Universidade Federal de Santa Catarina) - Palavras sem fronteira: tradições orais e performance nos limites do Brasil
Esse trabalho aborda o contexto de transmissão das tradições orais da fronteira entre Argentina, Brasil e Uruguai. A hipótese de que a circulação de narrativas cria, nas zonas vizinhas desses três países, uma cultura comum – de fronteira – é desenvolvida sob diferentes enfoques ao longo dos capítulos. Inicialmente, o referencial etnográfico derivou na realização de um mapeamento das características da oralidade na região: quem são os contadores, quais são os temas recorrentes de seus causos, como executam suas performances, quais são os locais onde ocorrem as “rodas de causo”, os horários preferidos para a sua narração e como se caracteriza a
participação dos ouvintes.
A análise deste material é realizada com base em duas perspectivas, das narrativas como expressão da experiência (com foco sobre os eventos narrados) e das narrativas como performance (com foco sobre os eventos narrativos), a partir das quais são discutidas especificidades do ethos local (gaúcho), tais como o apelo à ruralidade (nas referências à “campanha” e à relação com o cavalo), a mobilidade dos indivíduos através da fronteira, a vivência cotidiana de conflitos e a ostentação de marcas corporais. Desta forma, a constituição das relações “intrafronteiriças” e da individualidade dos contadores de causos é analisada à luz da antropologia da experiência. Já as performances de narrativas pessoais (“performance como desempenho”), de narrativas públicas e de festas tradicionais da fronteira (“performance como espetáculo”) são consideradas sob os referenciais fornecidos pela etnografia da fala e pela antropologia da performance.
1ª menção honrosa: Virgínia de Almeida Bessa (Universidade de São Paulo) - Um bocadinho de cada coisa: a escuta singular de Pixinguinha
O trabalho aborda diversos aspectos do universo do entretenimento no Rio de Janeiro das décadas de 1920 e 1930 em sua articulação com a música e com os músicos populares. Seu fio condutor é a trajetória do compositor, instrumentista, arranjador e maestro Alfredo Vianna da Rocha Filho, o Pixinguinha, que atuou e colaborou nos diversos meios do entretenimento do Rio de Janeiro. O percurso é longo: dos cafés-concertos ao rádio, com uma longa pausa na indústria fonográfica. Parte-se do pressuposto que a música popular desempenhou papel mais que relevante naquele contexto. Das rodas de choro ao Palácio do Catete, do morro aos estúdios de gravação, ela esteve presente nos diversos espaços da cidade, revelando vários dos dilemas existentes no país naquele momento: moderna ou típica? negra ou branca? folclórica ou popular? Privilegiamos, como objeto de análise, a escuta do compositor, revelada em suas composições, interpretações e, sobretudo, em seus arranjos, os quais nos permitem escutar sua escuta, e desvendar os modos de inserção e barreiras encontrados pelo músico nesse universo em constante transformação.
2ª menção honrosa: Giulle Adriana Vieira da Mata (Universidade Federal de Minas Gerais) - Os irmãos Piriás: a gramática moral de uma lenda contemporânea
Os objetos da pesquisa são lendas que surgiram em torno de dois irmãos na cidade de Sete Lagoas, 70 quilômetros ao norte de Belo Horizonte (MG) . O que a autora denomina de lenda é o resultado da interação comunicativa onde interlocutores apresentam sua versão do que "realmente aconteceu" com os irmãos Orlando e Sebastião Patrício no ano de 1978.
3ª menção honrosa: Eduardo Pires Rosse (Universidade de Paris) - Explosão de xunim
Os maxakali, ameríndios de língua jê que vivem atualmente no nordeste de Minas Gerais, continuam não só vivos, mas também demonstrando uma enorme vitalidade cultural. Uma etnografia e análise de cantos, danças, formas poéticas, formas de organização do espaço, ligadas ao pano de fundo da exegese nativa e à literatura etnológica amazonista geral, abrem caminho para uma reflexão sobre a sociedade e a temporalidade maxakali.
Comissão julgadora:
Elsje Lagrou, doutora em Antropologia, professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luiz Carvalho de Assunção, doutor em Ciências Sociais, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Maria Acselrad, mestre em Antropologia e Sociologia, especialização em Etnomusicologia, Coordenadora de Cultura Popular e Pesquisa da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe); Verena Alberti, doutora em Teoria da Literatura, pesquisadora do Programa de História Oral e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV) RJ e Daniel Roberto dos Reis Silva, doutorando em Antropologia Social, representante do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular/Iphan.