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Se planejar com antecedência faz você gastar menos ou mais?
Planejar é uma técnica importante para alcançar qualquer objetivo, especialmente na vida financeira: a associação que reúne os planejadores financeiros no país[1], por exemplo, define planejamento financeiro como “o processo de atingir as metas financeiras da vida por meio do gerenciamento adequado dos seus recursos financeiros”.
Entre as diversas abordagens utilizadas, uma estratégia muito difundida, quando o objetivo é a aquisição de um bem ou serviço, especialmente aqueles de maior valor, é a fixação de um orçamento para essa compra. Assim o indivíduo pode se organizar com antecedência necessária para poupar o suficiente para adquirir o item desejado.
Nos últimos anos, inclusive, com a popularização de diversas ferramentas eletrônicas (simuladores, aplicativos e plataformas) e o aumento do número de planejadores financeiros, essas técnicas passaram a ficar ainda mais acessíveis à população. Talvez por essa relevância, uma pesquisa recente decidiu investigar alguns efeitos potenciais de planejar a compra de um item com antecedência.
Em outubro de 2020, as pesquisadoras norte-americanas Yuna Choe e Christina Kan publicaram o resultado de uma pesquisa comportamental sobre a correlação entre a antecedência com a qual fixamos um orçamento para compra de um determinado item e o aumento do gasto nesse item.
Intuitivamente, fazer um orçamento com antecedência é tido como uma ferramenta eficaz de controle de gastos. Todavia, quando se trata da aquisição de um item específico as pesquisadoras concluíram que o tempo decorrido entre a fixação do orçamento para compra do item e o ato da compra em si influencia no aumento de gasto com aquele item.
Apesar de reconhecer que o aumento dos gastos pode ser causado por outras variáveis, elas atribuem a correlação positiva entre a antecedência da definição do orçamento e o aumento do gasto naquele item ao fato de os indivíduos sentirem menos dor em gastar em bens para os quais ele se planejaram para comprar há mais tempo do que quando o planejamento é feito perto da data da compra.
Segundo as pesquisadoras, toda decisão de compra é uma decisão que pode envolver dor ou o que elas chamam de custo hedônico ao consumidor. Após a decisão de compra ser tomada, a medida que o tempo passa, o indivíduo se acostuma com o valor da compra, o qual se torna seu novo ponto de referência, e a dor do pagamento se dissipa. Elas nomearam esse fenômeno como budget depreciation (depreciação do orçamento), que se assemelha muito ao payment depreciation (depreciação do pagamento), que é a diminuição da intensidade da dor do pagamento após a compra.
Com isso, fica demonstrado por essa pesquisa que a dor do pagamento não só se dissipa após a compra em si, mas também nos casos que envolvem uma decisão de compra, ainda que a compra em si ocorra no futuro. Adicionalmente, o processo de budget depreciation é mais longo e intenso em relação a: (i) indivíduos que sentem com maior intensidade a dor do pagamento; e (ii) bens que causam maior dor do pagamento (produtos caros e hedônicos).
Por fim, as pesquisadoras sugerem ainda uma relação do budget depreciation com a falácia dos custos irrecuperáveis, que é a influência de gastos passados (não recuperáveis) em decisões de compras futuras. Segundo elas, uma maior separação temporal entre o orçamento (tomada de decisão de compra) e a compra em si traz o sentimento de custo irrecuperável, isto é, o indivíduo já entende que vai gastar aquela quantia fixada, o que tende a aumentar a sua disposição de gastar..
Experimentos
Compra de uma casa
Em geral, a compra de uma casa é a mais significativa decisão financeira da vida de uma pessoa, sendo que na maioria dos casos as pessoas precisam fazer um orçamento e planejamento com antecedência para efetuar essa compra.
As pesquisadoras coletaram dados de 103 transações ocorridas em uma imobiliária entre janeiro de 2018 e setembro de 2019 e analisaram as seguintes informações: 1) tempo decorrido entre a fixação do orçamento para a compra da casa e o ato da compra; 2) a variação de gastos em relação ao orçamento fixado inicialmente; 3) o valor realmente desembolsado na compra da casa; 4) idade do comprador e 5) gênero.
O resultado apontou para uma correlação positiva entre a antecedência da fixação do orçamento para casa junto a imobiliária e o aumento de gasto com a compra da casa. Mas como a compra de uma casa envolve outros fatores (antecedência do orçamento ser comum nesse tipo de aquisição, a urgência para fechar o negócio, etc) as pesquisadoras fizeram outros experimentos em que elas poderiam influenciar a separação temporal entre a fixação do orçamento e a data da compra.
Compra do anel de formatura
Diante da informação de que 90% dos estudantes nos EUA adquirem um anel de formatura, as pesquisadoras resolveram conferir se o processo de budget depreciation incidiria sobre esse tipo de compra, já que é uma compra relevante na vida do estudante.
Nesse experimento as pesquisadoras solicitaram aletoriamente que os estudantes fixassem um orçamento com uma antecedência de 10 semanas e outra com antecedência de 3 semanas.
Mais uma vez elas observaram que aqueles que fixaram um orçamento com mais antecedência aumentaram o valor do ticket de compra do anel no ato da compra.
Nesse experimento também foram levantados indícios de que a dor do pagamento é diferente entre gêneros (masculino x feminino), pois o aumento do gasto com o anel de formatura, devido à maior antecedência do pagamento, foi mais relevante entre os homens, sendo percentualmente irrelavante entre mulheres.
Esse fato foi atribuído ao fato de existirem pesquisas demonstrando que existe uma tendência de que mulheres sofram menos com a dor do pagamento do que homens., e, portanto, eles sofrem mais com o processo de budget depreciation.
Diferença entre “pão-duros” x “perdulários”
A dor do pagamento é experimentada de forma diversa entre os indíviduos. Pessoas chamadas popularmente de “pão-duros” são, na verdade, pessoas que em geral experimentam uma maior dor psicológica do pagamento, conforme apontado pelas pesquisadoras em revisão de literatura sobre o tema conduzida por elas. Levando isso em consideração, as pesquisadoras conduziram experimentos envolvendo diferentes perfis de indivíduos.
Elas constataram que indivíduos com o perfil de “pão-duro” quando fazem um orçamento para um item específico com muita antecedência tendem a gastar mais na compra do item, pois a dor do pagamento é mitigada com a passagem do tempo. Diferentemente, para os perdulários, que tem uma menor sensibilidade à dor do pagamento, a separação temporal entre orçamento e compra não causam aumento de gastos relevantes.
Diferença entre produtos hedônicos e produtos utilitários
O processo de budget depreciation também se diferencia quando se trata da compra de itens hedônicos (com o objetivo de lazer) versus itens utilitários.
Ficou demonstrado pela pesquisa que a compra de itens hedônicos causa maior dor do pagamento e por isso o budget depreciation incide com maior intensidade na compra desses itens, ou seja, estipular um teto para gastar com um item hedônico (ex: tablet) com muita antecedência aumenta as chances de gastar mais nesse item no ato da compra.
Vale destacar que o processo de budget depreciation é mais longo tanto para itens hedônicos, quanto para itens mais caros, o que significa que quanto maior é a antecedência de deliberar sobre o orçamento para compra do item, menor é a aderência ao orçamento e maior é a disposição do indivíduo para incrementar seu gasto (comprando, por exemplo, uma versão superior do bem).
Antídoto
A separação temporal é um fator que influencia o sucesso da estratégia de se planejar para compra de um item específico, tendo sido comprovado pela pesquisa aqui relatada de que o tempo pode aumentar o gasto.
Outra conclusão da pesquisa é que a dor se dissipa não só após o ato da compra em si, mas também após a decisão de comprar algo no futuro. Uma vez que essa intensidade de dor cai com o decurso do tempo, aumentam as chances de gastar mais com o item, especialmente quando se trata de pessoa que experimenta uma maior dor do pagamento (pão-duro) ou bem que impinge maior dor psicologica do pagamento (bens hedônico ou mais caros).
As pesquisadoras também constataram que essa dessensibilização pra a dor do pagamento causado pela passagem do tempo pode ser mitigada caso a pessoa revisite e delibere repetidas vezes sobre o orçamento fixado antes do ato de compra.
Portanto, o planejamento de compras, especialmente de itens relevantes, como casa, automóvel ou presentes de datas comemorativas, ainda é uma ferramenta útil, sendo aconselhado que se revisite o orçamento antes da compra para que o valor orçado não seja incluído no seu status quo e que por conta desse novo ponto de referência você acabe gastando mais.
Referência
Choe, Y.; Kan, C. Budget depreciation: when budgeting early increases spending. Journal of Consumer Research, 2020.
[1] PLANEJAR (www.planejar.org.br).