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Qual a Relação Entre as Habilidades Cognitivas e o Letramento Financeiro?
Segundo pesquisas, 40% da desigualdade de renda nos Estados Unidos pode ser explicada, em parte, devido à diferença em níveis de letramento financeiro [1]. Para Muñoz-Murillo, Álvarez-Franco e Restrepo-Tobón (2019), o letramento financeiro é formado por duas dimensões: conhecimento de conceitos financeiros básicos e a habilidade de usar este conhecimento. Apesar de ele ser comumente associado com conhecimento financeiro, evidências empíricas demonstram que o conhecimento sozinho não é o suficiente para a tomada de decisões financeiras corretas.
A literatura empírica costuma focar em fatores socioeconômicos e demográficos (gênero, idade, salário, educação etc.) como determinantes de letramento financeiro. Embora esses fatores ajudem a identificar potenciais grupos-alvo para o desenvolvimento de políticas públicas, eles podem mascarar outros potenciais determinantes para o letramento financeiro, como as habilidades cognitivas, ou seja, de processar informação mental para alcançar um resultado.
Outros fatores que podem explicar a aquisição de letramento financeiro pelas pessoas são traços de personalidade e habilidades não-cognitivas, como aversão ao risco, paciência, numeramento (habilidade de compreender e resolver problemas matemáticos em diversos contextos sociais), confiança, autocontrole e características parentais.
Na busca por evidenciar a influência desses fatores e a ligação entre habilidade cognitiva e letramento financeiro, Muñoz-Murillo, Álvarez-Franco e Restrepo-Tobón (2019) realizaram um experimento com estudantes voluntários de diferentes cursos em uma universidade particular colombiana. Cabe ressaltar que, dadas as condições dos participantes da pesquisa, não houve uma seleção aleatória e, como em outros experimentos de laboratórios, não é possível extrapolar os resultados para a população geral. Apesar disso, os resultados encontrados ainda são válidos e trazem bom material para reflexão.
O experimento
O experimento possuía 3 sessões: 6 perguntas sobre letramento financeiro; teste de habilidades cognitivas; e medições adicionais a respeito de numeramento, aversão ao risco, paciência e dados sociodemográficos.
As perguntas de letramento financeiro foram feitas de uma forma diferente da simples marcação de questões de múltipla escolha: ao invés de escolher uma única opção, o respondente distribuía entre as opções uma porcentagem equivalente à sua crença da probabilidade daquela alternativa ser a correta. Por exemplo, em questionários tradicionais, um respondente com dúvidas entre a alternativa B e C deve escolher e marcar apenas uma opção; no caso deste experimento, o respondente em dúvida poderia atribuir 60% de chance da alternativa B ser a correta e 40% para a C, por exemplo. Este foi considerado um método mais adequado para descobrir o real nível de conhecimento e letramento financeiro dos participantes do estudo, uma vez que faz o indivíduo distribuir suas crenças subjetivas.
Os principais resultados encontrados pela pesquisa demonstraram que a maior diferença entre níveis de letramento financeiro se dava a partir das diferenças de habilidades cognitivas. No experimento, quando estas eram controladas, não havia diferença de acordo com o gênero, por exemplo, no letramento financeiro.
Um estudo trazido pelos autores sugere ainda que a relação entre habilidades cognitivas e erros financeiros pode ser explicada pela paciência do indivíduo: aqueles com capacidades cognitivas mais elevadas são mais pacientes e menos propensos a cometer erros financeiros. Num raciocínio semelhante, os participantes mais avessos ao risco poupam mais por razões de precaução. Portanto, habilidades não cognitivas como paciência e aversão ao risco podem ser relevantes para o letramento.
Além disso, o estudo de Muñoz-Murillo, Álvarez-Franco e Restrepo-Tobón (2019) encontrou efeitos significativos da educação materna no letramento financeiro, mesmo após controladas as habilidades cognitivas e dados demográficos. Aqueles cujas mães concluíram o ensino médio apresentaram índices de alfabetização financeira superiores em relação àqueles participantes cujas mães tinham ensino fundamental ou inferior. O coeficiente para quem tem mãe com ensino superior completo é ainda maior e mais significativo.
Enquanto o rendimento familiar e a situação econômica não apresentaram efeito significativo sobre o letramento financeiro, participantes com 5 ou 6 produtos financeiros tiveram melhor desempenho que aqueles com menos ou nenhum produto. Isto parece demonstrar que o aprendizado por meio da experiência tem efeito sobre o letramento financeiro.
Resumindo, os fatores encontrados pelos autores como significativos para níveis mais altos de letramento financeiro foram: níveis de habilidades de processamento de informações (cognitivas), paciência, aversão ao risco, educação materna e experiência com produtos financeiras. Fatores com pouca influência quando controladas as variáveis foram gênero, rendimento familiar, situação econômica e outros dados demográficos.
E você, leitor? Percebe a influência de algum desses fatores nas suas práticas de investimento? Conte nos comentários!
Referência:
Melisa Munñoz-Murillo, Pilar B. Álvarez-Franco, Diego A. Restrepo-Tobón,
The Role of Cognitive Abilities on Financial Literacy: New Experimental Evidence, Journal of Behavioral and Experimental Economics (2019), doi: https://doi.org/10.1016/j.socec.2019.101482
[1] Lusardi, A., Michaud, P.-C., & Mitchell, O. S. (2017). Optimal financial knowledge and wealth inequiality. Journal of Political Economy, 125 (2), 1–48. Retirado de www.nber.org doi: 10.1017/CBO9781107415324.004