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Por que pensar em educação financeira para a primeira infância e quais os impactos para a economia e a sociedade?
Viver em sociedade significa fazer parte de sua economia, presente nas relações humanas desde que nascemos, afinal necessitamos de uma série de bens que são produzidos para a garantia de nossa vida, sendo que o dinheiro é o meio de troca mais eficaz que utilizamos.
O tema dinheiro é tão importante que desde 1897 surgem as primeiras pesquisas no mundo, sobre o sentido do dinheiro para as crianças. Até a 2ª Guerra Mundial, dinheiro não era algo que uma criança manipulasse, mas isso começou a se modificar quando as mães passaram a trabalhar e deixar dinheiro para os filhos. Isso transformou por completo a relação das crianças com o dinheiro e de todo um mercado.
A partir da década de 50 as pesquisas e investigações a respeito de concepções das crianças sobre dinheiro e conceitos econômicos se aprofundaram e, inúmeros estudos foram realizados nos EUA, Inglaterra, Dinamarca, China, Espanha, Chile, Itália e Brasil. Nas décadas de 80 e 90, MacNeal, norte-americano, profissional do marketing, apontou a importância do mercado infantil para as empresas. Estudos da época demonstraram que as crianças americanas obtinham de suas famílias 9 bilhões de dólares para gastar. Esse panorama pode ser observado em outros países e, com o tempo, intensificou-se cada vez mais. As crianças continuam recebendo dinheiro de seus familiares, independente do nível socioeconômico e, na maioria das vezes, sem qualquer tipo de orientação da família, escola e outras instituições.
Apresentando uma realidade preocupante, em outubro de 2020, o documento da OCDE “Recomendação do Conselho de Alfabetização Financeira, OECD/LEGAL/0461” tornou público resultados de pesquisas recentes sobre alfabetização financeira conduzidas pela OCDE. Uma das informações destacada é que, muitas pessoas – especialmente grupos vulneráveis – não têm nem mesmo conhecimentos financeiros básicos e estão mal preparados para tomar decisões financeiras mais adequadas para si e para a sociedade.
A crescente complexidade do cenário financeiro, coloca como desafio a formulação de políticas destinadas a aumentar o conhecimento dos produtos financeiros e dos riscos a eles associados, bem como políticas que fortaleçam as competências financeiras dos consumidores. A resiliência financeira e o bem-estar social são essenciais, dentro de uma estrutura financeira robusta de proteção ao consumidor. Isso implica que eles precisam de habilidades financeiras significativas, especialmente considerando que a tomada de decisões financeiras mal informadas podem ter um impacto negativo duradouro, tanto nos indivíduos quanto na sociedade.
As pesquisas da OCDE sobre alfabetização financeira sinalizaram claramente essa realidade e a importância de começar o mais cedo possível na vida de uma pessoa e continuar ao longo da vida.
A educação financeira para a primeira infância, não se resume em explicações sobre dinheiro, como gastar e poupar, mas em desenvolver competências e habilidades para melhor adaptar-se às complexidades do mundo atual, principalmente relacionadas ao mundo econômico. O professor Delval da Universidade Autônoma de Madrid, em suas pesquisas sobre criança e mundo econômico, explica que a economia é um dos principais eixos da organização social e as crianças estão desde muito pequenas em contato com essa realidade diariamente. E este momento, com o cérebro ainda em formação, mostra-se propício para o aprendizado de hábitos e atitudes conscientes, que resultarão em adultos com capacidade de tomar decisões mais equilibradas entre a racionalidade e a emoção.
No mesmo sentido, o psicólogo israelense Daniel Kahneman ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2002 apresenta pesquisas sobre o impacto das emoções, da percepção da realidade e das crenças relacionadas dinheiro na tomada de decisão, demonstrando a relativa racionalidade do comportamento humano. As heurísticas e vieses que adotamos para tomar decisões econômicas não são racionais, reforçando a necessidade da educação financeira, para refletirmos com mais consciência sobre nossas decisões.
O economista norte-americano James Heckman, Nobel de Economia em 2000, realizou pesquisas avaliando o impacto do investimento educacional da primeira infância e comprovou que o retorno para a sociedade por cada dólar investido, é maior, quanto mais cedo for o investimento na primeira infância. A análise do programa Perry Preschool feita pelo professor Heckman mostra um retorno sobre o investimento de 7 a 10% ao ano, com base no aumento da escolaridade e do desempenho profissional, além da redução dos custos com reforço escolar, saúde e gastos do sistema de justiça penal. Segundo Heckman (2008) “Um momento crítico para se moldar a produtividade é do nascimento até os cinco anos de idade, quando o cérebro se desenvolve rapidamente para construir as bases das habilidades cognitivas e de caráter necessárias para o sucesso na escola, saúde, na carreira e na vida.”
Entendemos que Educação financeira na Primeira Infância envolve a formação humana em seus aspectos biológicos, psíquicos e sociais, relacionados a construção de uma sociedade mais saudável e produtiva economicamente. Uma educação preventiva que atua para a formar uma sociedade com mais recursos para o bem-estar individual e social. Os estudos de Heckman apontam, por exemplo, que competências como a persistência e a resistência às frustrações, aprendidas na infância, garantem adultos com capacidades de persistirem mais em seus estudos e serem mais bem sucedidos profissionalmente.
Apontamos algumas considerações sobre a importância da educação financeira, com agradecimento especial a professora Doutora Maria Belintane, que gentilmente tem contribuído com seus estudos e pesquisas sobre o tema da educação financeira e primeira infância
Referências:
ARIELY, D.; KREISLER, J. A psicologia do dinheiro. Rio de Janeiro: Sextante. 2019.
BELINTANE, M.; CANTELLI, V. Educação para o consumo consciente: uma proposta inovadora. Americana: Adonis, 2019.
DELVAL, J. La representación infantil del mundo social, in: TURIEL, ENERSCO, LYNAZA. El mundo social en la mente del niño. Madrid: Alianza, 1989.
HECKMAN, J. Invest in early childhood development: Reduce deficits, strengthen the economy. https://www.heckmanequation.org/
KAHNEMAN., Daniel. Rápido e devagar. São Paulo: Objetiva. 2012.
MACNEAL, J. Kid’s as costumers. New Your: Lexington Books. 1992.
OCDE Recomendação do Conselho de Alfabetização Financeira, OECD/LEGAL/0461:Disponível em inglês em : http://legalinstruments.oecd.org