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Mulheres, trabalho e família: Debates sobre o comportamento financeiro de mulheres
É amplamente aceito que homens e mulheres têm experiências distintas em muitos aspectos de suas vidas. Gênero é uma característica que marca diferenças e tem peso sobre nossas vivências, a forma como vemos o mundo, as escolhas que fazemos. Não seria diferente no comportamento financeiro.
Diversos estudos de Psicologia Econômica têm apontado para a existência de diferenças no comportamento financeiros de homens e mulheres.
Um deles é a pesquisa realizada por Patti Fisher (2010), com homens e mulheres solteiros, para avaliar diferenças de gênero no comportamento de poupar dinheiro. A pesquisa concluiu que, comparadas aos homens, as mulheres têm menor tolerância ao risco, poupam mais voltadas para objetivos de curto prazo, têm menos tempo de estudo e um patrimônio menor. Este último resultado, segundo as pesquisadoras, se explica pelo fato de a média salarial das mulheres ser inferior à dos homens e por passarem mais tempo de suas vidas aposentadas, uma vez que sua expectativa de vida é maior.
Já a pesquisadora Van Staveren (2014), em um artigo teórico que trata do comportamento de profissionais mulheres do mercado financeiro, aponta três fatores que diferenciam homens de mulheres no gerenciamento de fundos e ativos:
- Aversão ao risco e resposta à incerteza: mulheres que gerenciam fundos de investimento são menos reativas à instabilidade do mercado, tendo uma performance mais consistente e estável;
- Ética e atitudes morais: o raciocínio moral das mulheres é mais contextualmente flexível que o dos homens e elas tendem a ter mais atitudes cooperativas e menos competitivas ao operar no mercado financeiro;
- Liderança: mulheres em papel de liderança não correspondem ao estereótipo feminino de liderança fraca e não há diferenças que deixem as mulheres em posição de desvantagem para assumir papéis de chefia em empresas.
Esses estudos, tais como outros da Psicologia Econômica, reafirmam o pressuposto de que homens e mulheres são diferentes em seus comportamentos e decisões financeiras. Mas tentaremos mostrar um outro lado neste post.
Não pretendemos apontar no que difere homens de mulheres, mas compreender, a partir de dados de pesquisas, como são construídas essas diferenças. Sem pretender dar respostas definitivas, levantaremos alguns fios para discutir quais fatores interferem nas decisões e na autonomia financeira das mulheres.
Um fator relevante, que atravessa as decisões financeiras das mulheres, é sua inserção diferenciada no mercado de trabalho. Uma pesquisa do IBGE, de 2018, mostrou que o salário médio das mulheres no Brasil correspondia a 79,5% do salário médio dos homens. O salário das mulheres, segundo a pesquisa, era menor que dos homens em todas as faixas etárias e em todos os grupos ocupacionais.
Um segundo fator que pode impactar no comportamento financeiro das mulheres é o papel que ocupam em suas famílias. Um estudo de 2014, de Theodos, Kalish, McKernan e Ratcliffe, traz alguns dados interessantes para refletirmos sobre isso. No que se refere à probabilidade de a pessoa pagar a fatura inteira do cartão de crédito ao final do mês, não foram encontradas diferenças entre homens e mulheres em geral, mas surgiram diferenças quando os pesquisadores consideraram o estado civil dos participantes.
Comparando homens e mulheres solteiros, as mulheres tinham menor probabilidade de pagar a fatura do cartão de crédito inteira. A explicação foi que a maior parte das mulheres desse grupo tinha uma mesma característica que não era compartilhada com os homens: filhos dependentes. Assim, a pesquisa demonstra empiricamente como o cuidado com os filhos impacta no bem-estar financeiro de seus responsáveis.
Aproximando a relação entre família e trabalho das mulheres para o contexto brasileiro, uma pesquisa publicada pelo SPC em 2016 mostra que 8,5% das mulheres entrevistadas estavam desempregadas naquele momento.
A justificativa dada por 36% das desempregadas é que não trabalhavam por não encontrarem emprego – dificuldade vivida principalmente por mulheres entre 18 e 34 anos, das classes C, D e E, solteiras, e que moravam no interior.
A segunda razão mais citada foi a decisão de cuidar dos filhos e, quanto mais velhas, mais esse motivo foi mencionado por elas na pesquisa. Há também aquelas que não trabalham por decisão do marido. Essa justificativa foi dada por 8,4% das mulheres das classes C, D e E e por 25,9% das mulheres das classes A e B. O estudo mostra que, para além dos filhos, a relação conjugal também influencia o comportamento financeiro e as escolhas profissionais das mulheres.
Pesquisas mais aprofundadas são necessárias para dar respostas precisas, mas diante desse cenário, gostaríamos de refletir como vêm sendo construídas as escolhas financeiras e de carreira de homens e mulheres.
A liberdade de escolha financeira das mulheres está emoldurada por uma posição de desvantagem no mercado de trabalho e atravessada pelo peso que relações familiares exercem em suas carreiras. Com isso, não pretendemos dizer que os homens também não enfrentem tais questões, mas o que várias pesquisas têm indicado é que, no geral, é a vida financeira das mulheres que costuma ser mais impactada pelas relações familiares e por sua posição desvantajosa no mercado de trabalho.
E você, pelo que observa e vivencia, percebe que esses fatores afetam o comportamento financeiro de mulheres e homens?
Textos citados no post:
FISHER, Patti J. Gender differences in personal saving behaviors. Journal of Financial Counseling and Planning, v. 21, n. 1, 14 – 24, 2010.
PNAD. Diferença do rendimento do trabalho de mulheres e homens nos grupos ocupacionais. 2018. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/694dba51d3592761fcbf9e1a55d157d9.pdf
SPC Brasil. Facetas da mulher brasileira: interesses, desejos e influência no mercado de consumo. 2016. Disponível em: https://www.spcbrasil.org.br/uploads/st_imprensa/apresentacao_mulheres_perfil_autoimagem_e_expectativas1.pdf
VAN STAVEREN, Irene. The Lehman Sisters hypothesis. Cambridge Journal os Economics, v. 38, n. 5, 995-1014, 2014.