Notícias
Inadimplência está relacionada a variáveis psicológicas?
Você, leitor, talvez conheça pessoas que tem rendas parecidas, mas padrões de vida muito diferentes. Enquanto algumas famílias estão tem problemas sérios com dívidas, sempre com dinheiro insuficiente para cobrir as despesas do mês; outras, com ganhos semelhantes, vivem uma situação financeira confortável, investem parte de sua renda e conseguem fazer compras e viagens que parecem incompatíveis com seus ganhos mensais.
Como explicar esse cenário?
Situações como essas nos dão pistas de que há algo além da renda que interfere na situação financeira das pessoas. Um estudo brasileiro feito por Pablo Rogers, Dany Rogers e José Roberto Securato aponta caminhos para compreendermos melhor a inadimplência. Os pesquisadores buscaram identificar quais variáveis psicológicas podem aumentar a probabilidade de pessoas físicas terem problemas com dívidas. Os autores também desenvolveram uma escala que avalia essas variáveis e pode apontar se a pessoa tem maior ou menor probabilidade de ter problemas com dívidas.
Para isso, os pesquisadores consultaram o CPF dos participantes da pesquisa nas bases de dados do SPC e Serasa, e com isso mapearam a condição de endividamento deles. O primeiro passo dos pesquisadores foi criar uma escala de avaliação que avaliasse constructos psicológicos ligados à inadimplência. Levantaram na literatura científica quais escalas psicológicas são mais utilizadas para avaliar esta relação, e mapearam quais constructos psicológicos eram avaliados nessas escalas.
A partir disso, criaram uma escala que aglutinasse esses constructos. Diversas variáveis, conforme utilizadas em estudos anteriores da literatura científica, foram incluídas no questionário dos pesquisadores brasileiros. Uma análise estatística esclareceu quais variáveis tinham mais força para predizer a inadimplência, dentro do contexto de realização da pesquisa:
1. Dimensões negativas associadas ao dinheiro;
Associação entre dinheiro e: 1. Sofrimento: dificuldades pessoais em lidar com o dinheiro, com sentimentos negativos associados a ele; 2. Desigualdade: percepção do dinheiro enquanto gerador de desigualdade, exclusão social e dominação; e 3. Conflito: percepção do dinheiro enquanto gerador de desarmonia e conflito entre as pessoas.
2. Alta pontuação na escala de autoeficácia;
Autoeficácia é a crença da pessoa na própria capacidade de enfrentar desafios e atingir objetivos. A explicação dada pelos autores para uma correlação positiva (ou seja, uma correlação em que quando uma variável aumenta, a outra aumenta também) entre endividamento e autoeficácia é a relação desta com otimismo. Assim, pessoas mais sujeitas a se endividar seriam aquelas mais otimistas, com expectativas positivas em relação ao futuro e à sua capacidade de atingir objetivos.
3. Compradores classificados como compulsivos;
4. Comportamento de compra;
Foi avaliado se presentear outras pessoas em datas especiais era visto como um luxo ou uma necessidade, e as pessoas endividadas enxergam que é uma necessidade.
5. Autocontrole;
Nessa pesquisa, o comportamento de autocontrole foi avaliado a partir do consumo de álcool. Pessoas que bebem mais de quatro copos de bebida alcoólica por dia foram consideradas pessoas com menor autocontrole.
Afora essas, variáveis demográficas relacionadas a renda e trajetória profissional também foram identificadas como tendo impacto na inadimplência. São elas: se a casa do indivíduo é própria ou alugada, estado civil, grau de escolaridade do cônjuge, ocupação do cônjuge, renda do cônjuge e renda familiar.
Retomemos o caso citado no começo do post. Casos como esses, que observamos em pessoas do nosso convívio, nos mostram que problemas com endividamento não são resultado apenas da renda, ou de outras variáveis sócio demográficas. O endividamento é um fenômeno complexo e multidimensional. Traços de personalidade e atitudes, como autoeficácia, autocontrole, autoestima, dentre outros, também influenciam o comportamento de endividar-se. O estudo discutido neste post é importante porque pontua quais são os processos psicológicos em jogo quando se trata de decisões financeiras: traços de impulsividade, o valor que se atribui a compras, percepção do futuro. Outros posts do Penso, Logo Invisto também abordaram o impacto de variáveis psicológicas no endividamento. Neste post já discutimos que o autocontrole das crianças é um traço que pode ter impacto em problemas com dívidas dos indivíduos futuramente.
Portanto, é fundamental ter em mente que intervenções no comportamento financeiro são mais eficientes quando há uma ação conjunta de condutas práticas e transformações também em dimensões subjetivas. Um suporte que dê conta de processos psicológicos é importante para mudanças efetivas no comportamento financeiro. Assim, esforços de autoconhecimento e autopercepção são fundamentais para mudanças no comportamento financeiro capazes de prevenir ou resolver problemas com dívidas.
E você, leitor? Já tinha pensado em quais traços psicológicos tem relação com problemas com dívidas? Deixe seu comentário!
Referência
ROGERS, Pablo; ROGERS, Dany; SECURATO, José Roberto. About psychological variables in application scoring models. Revista de Administração de Empresas, v. 55, n. 1, p. 38 – 49, 2015.