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Dívidas: fatores comportamentais e seus efeitos psicológicos
As dívidas têm sido uma realidade comum na vida de muitas pessoas. No Brasil, de acordo com o Mapa da Inadimplência e Negociações de Dívidas da Serasa¹, existem atualmente cerca de 71,44 milhões de pessoas em situação de inadimplência que corresponde a 43,85% da população total. O endividamento pode surgir devido a diversos fatores, desde a questões sociais e econômicas, como também financeiras de ordem individual como gastos excessivos, despesas ou situações imprevistas. No entanto, além desses aspectos socioeconômicos e financeiros, é importante identificar e compreender os aspectos psicológicos, como os fatores comportamentais e os efeitos psicológicos que envolvem o endividamento, a fim de desenvolver habilidades financeiras adequadas para alcançar uma saúde financeira sustentável.
1) Como as pessoas se endividam?
Um dos principais fatores do endividamento está relacionado ao comportamento de consumo impulsivo. Pesquisadores que se dedicam a este tema destacam alguns fatores da personalidade associadas à dívida e, dentre elas, está a impulsividade, ou falta de autocontrole, como fator de disposição que pode aumentar o risco de contrair dívidas². Exemplificando este cenário, muitas vezes, as pessoas recorrem a compras por impulso ou usam o consumo como uma forma de lidar com o estresse, a tristeza ou outras emoções negativas. O impulso de comprar, deste modo, sem considerar as consequências financeiras a longo prazo é um comportamento que pode levar ao acúmulo de dívidas e à falta de controle sobre as finanças pessoais.
Além disso, ferramentas relacionadas as mídias sociais podem desempenhar um papel importante na criação de desejos e necessidades que podem levar as pessoas a gastarem além de suas possibilidades financeiras. Aliado a este cenário, comportamentos que envolvem a comparação social e o materialismo podem contribuir para o endividamento. Muitas vezes, a partir de comparações entre grupos, as pessoas se sentem pressionadas a seguir padrões de consumo e estilo de vida que não condizem com suas reais condições financeiras³. A necessidade de acompanhar o padrão de vida de outras pessoas ou a busca por status social pode levar ao uso de crédito e à acumulação de dívidas.
A falta de organização e planejamento financeiro é outro fator comportamental relevante no acúmulo de dívidas4. Muitas pessoas não estabelecem um orçamento adequado, não monitoram suas despesas ou não fazem uma reserva de emergência. A ausência de um planejamento financeiro bem estruturado dificulta o controle das finanças pessoais e contribui para o risco de endividamento.
A ausência de educação financeira também contribui para o problema das dívidas. A falta de conhecimento sobre como administrar o dinheiro, criar um orçamento e fazer escolhas financeiras conscientes aumenta a probabilidade de cair em armadilhas de endividamento. De acordo com especialistas², o tipo de socialização econômica que as crianças e os jovens recebem varia, por exemplo, e isso pode fazer diferença para eles se endividarem quando adultos. Estudos evidenciaram que a dívida adulta é mais provável quando há falta de orientação financeira. É consensual, deste modo, que a aprendizagem de melhores habilidades de gerenciamento de dinheiro é considerada um importante mecanismo para um menor risco de dívida.
2) Quais são os impactos psicológicos de estar endividado?
Como consequência, o endividamento está associado a uma ampla gama de efeitos psicológicos nocivos², como estresse e ansiedade de níveis significativos, depressão, redução da satisfação conjugal, entre outros. A preocupação constante com as dívidas, o medo de não conseguir pagar as contas e a sensação de estar preso em uma situação financeira difícil têm um impacto negativo na saúde mental. O estresse financeiro pode levar a problemas de sono, irritabilidade, baixa autoestima, depressão e dificuldades de concentração. Esses efeitos psicológicos podem agravar ainda mais a situação financeira e dificultar a busca de soluções e tomada de decisões.
Além disso, como efeito psicológico do endividamento, se pode ter também sentimentos relacionados a culpa, a vergonha e o fracasso, emoções conhecidas como tensão financeira5. As pessoas podem se sentir inadequadas ou fracassadas por não conseguirem lidar com suas finanças adequadamente. Esses sentimentos podem afetar negativamente a autoestima e a autoconfiança, dificultando a busca por ajuda e soluções para o problema, além de enfraquecer a saúde mental e levar a um comportamento de enfrentamento que é prejudicial à saúde.
3) Como sair das dívidas?
A compreensão desses fatores emocionais é essencial para que possamos desenvolver estratégias eficazes de controle de gastos e evitar o endividamento desnecessário. O processo de lidar com as dívidas envolve mudanças comportamentais, como o desenvolvimento de hábitos de consumo conscientes, a elaboração de um plano de pagamento de dívidas e a criação de um fundo de emergência. Também é importante desenvolver uma mentalidade de longo prazo, priorizando metas financeiras realistas e evitando a pressão social para consumir além das próprias possibilidades.
O artigo How Can Debt and Money Issues Impact Your Mental Health?6, lista alguns recursos práticos que podem auxiliar com a organização das dívidas, como: analisar periodicamente as dívidas e fazer uma lista detalhada incluindo valores, taxas de juros e prazos de pagamento mínimo; verificar seus relatórios de crédito para ter uma compreensão de seu histórico e a situação das contas; determinar o quanto se pode pagar mensalmente e criar um orçamento detalhado; buscar acordos possíveis ou planos de pagamentos junto aos credores; buscar orientação especializada e certificados e desenvolver um plano personalizado para pagar suas dívidas. Além disso, é orientado a se tomar cuidado ao procurar ajuda para a resolução de problemas financeiros. Desconfie de serviços que prometem quitar dívidas rapidamente ou que solicite pagamento antes de prestar qualquer assistência.
É crucial, assim, abordar questões relacionadas a dívidas de forma holística, considerando os aspectos financeiros e sociais, como também os fatores comportamentais e os efeitos psicológicos das dívidas. O endividamento afeta não apenas as finanças pessoais, mas também a saúde emocional e psicológica das pessoas. Compreender os fatores comportamentais envolvidos no acúmulo de dívidas e estar ciente dos efeitos psicológicos é essencial para buscar soluções efetivas e promover uma saúde financeira sustentável. A educação financeira, aliada a compreensão psicológica/emocional, desempenha um papel fundamental na prevenção e resolução do endividamento.
Referências:
1) Serasa. Mapa da Inadimplência e Negociação de Dívidas no Brasil. Abril 2023. Disponível em: https://www.serasa.com.br/limpa-nome-online/blog/mapa-da-inadimplencia-e-renogociacao-de-dividas-no-brasil/
2) Stephen E. G. Lea. Debt and Overindebtedness: Psychological Evidence and its Policy Implications. Social Issues and Policy Review, Vol. 15, No. 1, 2021, pp. 146—179 DOI: 10.1111/sipr.12074
3) Almeida, I. J. O. & Andrade, V. L. P. Os fatores psicológicos envolvidos no processo de endividamento sob a perspectiva da Psicologia Econômica. CADERNOS DE PSICOLOGIA, Juiz de Fora, v. 4, n. 7, p. 490-507, jan./jun. 2022 – ISSN 2674-9483.
4) Ribeiro, C. F. & Vieira, C. Finanças pessoais e os fatores que podem contribuir para inadimplência e o endividamento. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 06, Ed. 08, Vol. 02, pp. 179 – 218. Agosto 2021. ISSN: 2448-0959, Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/administracao/contribuir-para-inadimplecia
5) Turunen, E., Hiilamo, H. Health effects of indebtedness: a systematic review. BMC Public Health 14, 489 (2014). https://doi.org/10.1186/1471-2458-14-489
6) How Can Debt and Money Issues Impact Your Mental Health? | Equifax. (s.d.). Disponível em: https://www.equifax.com/personal/education/credit-cards/impacts-debt-mental-health/#:~:text=There's%20a%20strong%20link%20between,physical%20well%2Dbeing%2C%20too.