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Desconto Hiperbólico: Como nossas decisões financeiras são sustentadas por viés cognitivo e a dualidade do cérebro.
Desconto hiperbólico é um viés cognitivo que afeta nossas decisões financeiras, levando-nos a elevar mais os benefícios imediatos e diminuir o valor dos benefícios futuros. Esse padrão comportamental pode ser compreendido através da interação de duas áreas distintas do cérebro humano: um sistema rápido e intuitivo e um sistema lento e racional. Essa visão dual do cérebro é fundamentada em estudos de psicologia e neurociência, como discutido por Daniel Kahneman em seu livro "Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar.”
O sistema rápido é responsável por processos automáticos e intuitivos, sendo influenciado por emoções, instintos e experiências passadas. Ele é ágil em suas respostas e não requer esforço consciente para operar. Frequentemente, esse sistema nos leva a tomar decisões impulsivas, buscando a satisfação imediata de nossos desejos.
Por outro lado, o sistema lento é mais ponderado e controlado. Ele está localizado no córtex pré-frontal, região do cérebro associada ao pensamento racional, planejamento e tomada de decisões conscientes. Esse sistema exige maior esforço mental e tempo para processar informações, considerar as consequências futuras e avaliar diferentes opções antes de chegar a uma decisão.
No contexto das decisões financeiras, ambas as partes do cérebro desempenham papéis importantes. O sistema rápido pode ser influenciado por impulsos e emoções imediatas, levando-nos a fazer escolhas que buscam recompensas instantâneas, mesmo que isso possa alterar nossos objetivos de longo prazo.
Por outro lado, o sistema lento leva em consideração fatores racionais, como a análise de risco e recompensas futuras. Ele considera as consequências a longo prazo, o que pode nos ajudar a evitar decisões impulsivas que poderiam resultar em prejuízos financeiras.
A economia e as finanças comportamentais reconhecem a importância desses dois sistemas na tomada de decisões financeiras. Elas enfatizam que as emoções, as evidências cognitivas e os processos automáticos desempenham um papel significativo nas escolhas financeiras e alimentares, indo além do modelo tradicional de decisão racional baseada apenas em informações objetivas.
Compreender essa dualidade e os efeitos do sistema límbico (parte primitiva e emocional do cérebro) pode ajudar a explicar por que frequentemente tomamos decisões financeiras que não são totalmente racionais e como fatores emocionais e comportamentais podem influenciar nossas escolhas.
Como seres humanos, muitas vezes enfrentamos dificuldades em projetar nosso bem-estar futuro, optando por comportar-se mais satisfatoriamente no presente. É mais comum preferirmos um benefício imediato em vez de um benefício a longo prazo.
Um experimento clássico que ilustra esse comportamento é o famoso Teste do Marshmallow, desenvolvido na década de 1960 pelo psicólogo Walter Mischel. Nesse experimento, uma criança é colocada em uma sala e é apresentada a um marshmallow ou outra guloseima tentadora. A criança é convidada a comer o marshmallow imediatamente, mas se esperar um determinado período, sem comer o doce, receberá um segundo marshmallow.
Esse experimento foi projetado para avaliar a capacidade das crianças de adiar a gratificação, ou seja, resistir à tentação de comer o marshmallow imediatamente em troca de uma recompensa maior no futuro.
Os resultados do Teste do Marshmallow mostraram que havia variações individuais na capacidade de adiar a gratificação. Algumas crianças esperaram o tempo estipulado e receberam uma recompensa adicional, enquanto outras não resistiram à tentação e comeram o marshmallow imediatamente.
Esse experimento destacou a importância do controle dos impulsos e da capacidade de adiar a gratificação como habilidades que podem influenciar o comportamento humano.
É comum que os indivíduos tenham preferência por antecipar experiências positivas e adiar as negativas. Essa inclinação humana é conhecida como viés do presente e desconto hiperbólico, respectivamente. O viés do presente refere-se à tendência de dar mais importância às recompensas imediatas, enquanto o desconto hiperbólico envolve uma redução do valor das recompensas futuras.
Para ilustrar o desconto hiperbólico, apresento alguns exemplos e tendências comuns:
- Gastos impulsivos: Uma pessoa pode deparar-se com uma promoção tentadora em uma loja, oferecendo um desconto significativo em um item desejado. Embora a pessoa saiba que deveria economizar dinheiro para despesas futuras ou objetivos de longo prazo, a gratificação imediata de adquirir o item desejado a um preço mais baixo pode sobrepor a consideração das necessidades futuras.
- Procrastinação: O hábito de procrastinar também pode ser explicado pelo desconto hiperbólico. Uma pessoa pode adiar a realização de tarefas importantes, como estudar para uma prova ou concluir um projeto no trabalho, em favor de atividades mais prazerosas e imediatas, como assistir a um programa de TV ou navegar nas redes sociais. Embora a pessoa saiba que concluir essas tarefas é importante para seu sucesso futuro, a gratificação imediata de evitar o esforço necessário para realizá-las acaba sendo mais forte.
- Escolhas alimentares pouco saudáveis: Imagine que uma pessoa está tentando adotar uma dieta saudável, mas é tentada a comer um hambúrguer com batatas fritas em vez de uma salada. Ela sabe que a salada é uma opção mais saudável a longo prazo, mas a gratificação imediata e o prazer gustativo do hambúrguer é mais atraente, levando-a a fazer uma escolha que desconsidera as consequências futuras para a saúde.
- Poupança insuficiente para a aposentadoria: Muitas pessoas tendem a subestimar a importância de economizar para a aposentadoria. Embora saibam que é crucial economizar consistentemente ao longo do tempo para garantir um futuro financeiro estável, muitas vezes priorizando gastos imediatos e prazeres presentes em vez de destinar uma parte de seu dinheiro para a economia de longo prazo.
Esses exemplos ilustram como o desconto hiperbólico pode levar as pessoas a fazerem escolhas que priorizam a gratificação imediata em detrimento das recompensas futuras.
Ao compreender o desconto hiperbólico e seus efeitos em nossas decisões financeiras, podemos adotar estratégias para reduzir esse viés cognitivo. Aqui estão algumas sugestões:
- Autoconsciência: Reconhecer que o desconto hiperbólico é um padrão comportamental comum pode ajudar a evitar decisões impulsivas. Esteja ciente de suas tendências e predisposições para tomar decisões voluntárias em recompensas imediatas.
- Estabeleça metas financeiras claras: Defina objetivos financeiros de longo prazo, como economizar para aposentadoria, comprar uma casa ou fazer uma viagem. Ter metas claras pode ajudar a priorizar as recompensas futuras em detrimento das imediatas.
- Avalie as consequências a longo prazo: Antes de tomar uma decisão financeira, avalie cuidadosamente as consequências a longo prazo. Pergunte a si mesmo como essa escolha afetará seus objetivos financeiros e seu bem-estar futuro.
- Crie incentivos: Estabeleça recompensas para si mesmo por alcançar metas financeiras de longo prazo. Por exemplo, você pode se presentear com algo que deseja após atingir uma economia específica. Isso ajuda a equilibrar a gratificação imediata com as recompensas futuras.
- Automatize suas economias: configure transferências automáticas para sua conta de poupança ou plano de aposentadoria. Ao fazer isso, você economizará regularmente sem precisar tomar decisões conscientes a cada vez. Dessa forma, você evita a tentativa de gastar o dinheiro imediatamente.
- Busque informações e orientações financeiras: Procure educar-se sobre finanças pessoais e busque conselhos de profissionais financeiros. Eles podem ajudar a identificar estratégias e opções que o auxiliarão a tomar decisões financeiras mais controladas e equilibradas.
Lembrando que não se trata de eliminar completamente as recompensas imediatas, mas sim de encontrar um equilíbrio entre o presente e o futuro. O desconto hiperbólico é um viés cognitivo que todos enfrentamos, mas podemos aprender a lidar com ele e tomar decisões financeiras mais conscientes e satisfatórias a longo prazo.
Referências
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- KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Objetiva, 2012.
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AZFAR, Omar. Rationalizing hyperbolic discounting. Journal of Economic Behavior & Organization, v. 38, n. 2, p. 245-252, 19